Nossas Histórias
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

- Vermont -

4 participantes

Página 1 de 9 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9  Seguinte

Ir para baixo

- Vermont - Empty - Vermont -

Mensagem por Liberty Bloomfield Seg Fev 26, 2024 5:13 pm

- Pegou a capa de chuva? E as botas? Chove muito em Vermont nesta época do ano!
 
Já era a décima vez que Kate entrava no quarto da filha em menos de uma hora para se certificar de que Liberty não estava se esquecendo de colocar nenhum item importante nas malas. Ao invés de irritada, Liberty encarava o comportamento da mãe com uma postura paciente e compreensiva. Afinal era natural que Kate estivesse preocupada e ansiosa com a mudança da sua única filha para o outro lado do país.
 
Aos dezessete anos, Liberty Bloomfield deixaria para trás a rotina agitada de uma grande metrópole como Seattle para morar numa cidadezinha no interior de Vermont. E era ainda mais desafiador encarar aquela grande mudança sem a companhia da mãe. Mas Kate não podia abandonar o emprego para seguir os passos da filha, tampouco Libby poderia perder a grande oportunidade de estudar em um colégio de elite.
 
Desde muito pequena, Liberty sempre demonstrou ter uma inteligência acima da média e uma facilidade absurda para aprender, principalmente no ramo da tecnologia. Por ser sempre a melhor aluna da classe, Libby não teve dificuldade para rechear o seu currículo com boas notas e com várias atividades extracurriculares. Era o histórico escolar perfeito aos olhos de uma grande universidade, exceto por um pequeno detalhe: Liberty sempre havia estudado em escolas públicas e Kate não tinha a menor condição de bancar os estudos da filha em Princeton, que era o grande sonho da menina. Se Libby quisesse uma vaga em uma universidade tão renomada, ela teria que batalhar por uma bolsa integral. E seria bem difícil alcançar essa vitória sem uma base sólida e sem um diploma de um bom colégio.
 
Ironicamente, os melhores colégios do país cobravam mensalidades que as Bloomfield também não conseguiriam pagar. O salário e as gorjetas que Kate ganhava como garçonete mal pagavam pelo aluguel e pelas contas básicas do minúsculo apartamento que as duas dividiam. O pai de Liberty pagava uma pensão alimentícia para ajudar no sustento da garota, mas era um valor tão baixo que não fazia uma grande diferença no orçamento da casa.
 
A vida simples que Kate e Liberty levavam em Seattle não era muito diferente da rotina da maior parte das pessoas. Mas havia um único detalhe que tornava aquela história MUITO revoltante. O pai de Libby não pagava um valor tão baixo de pensão porque era um homem humilde ou porque também tinha as suas dificuldades financeiras. Liberty era filha de um dos grandes empresários do ramo da tecnologia de Seattle.
 
Casado e pai de dois filhos, Jeff Wooton era um dos principais sócios e acionistas da Microsoft. Amigo pessoal de Bill Gates, Jeff era um homem importante e influente na região, e foi por isso que ele conseguiu abafar o escândalo quando uma simples garçonete surgiu grávida e o apontou como pai daquela criança. Kate teve que declarar uma guerra para conseguir obrigar Wooton a fazer um teste de paternidade e, quando o resultado veio positivo, Jeff não pôde mais fugir daquela responsabilidade. Além de registrar Liberty como sua filha, o empresário foi obrigado a pagar uma pensão para a mãe da menina. Mas o valor ridiculamente baixo estipulado pelo juiz do caso mostrava como Jeff tinha amigos influentes. E também provava que Wooton não estava nem um pouco disposto a amar e acolher aquela criança inocente em sua vida.
 
Liberty nunca havia ganhado um presente de natal do próprio pai. Jeff nunca havia participado de nenhuma reunião do colégio ou levado a garotinha para passear ou viajar. Aos dezessete anos, Libby conseguiria usar os dedos das mãos para enumerar as vezes em que tinha visto o pai pessoalmente. E tudo o que ela sabia sobre a família de Jeff era o que lia nos noticiários. Apesar de saber que tinha dois irmãos por parte de pai, Liberty nunca havia conhecido os garotos e nem tinha certeza se eles sabiam sobre a existência dela. E embora o sobrenome Wooton estivesse registrado na certidão de nascimento dela, Libby geralmente usava apenas o sobrenome da mãe.
 
O Sr. Wooton nunca havia sido um pai presente, amoroso ou preocupado, então Libby sabia que não poderia contar com ele para custear as mensalidades de uma faculdade. E talvez fosse justamente aquele comportamento lamentável do pai que incentivou a menina a se esforçar tanto para se destacar aos estudos. Era como se, inconscientemente, Liberty quisesse mostrar para Jeff que ela era capaz de ser alguém importante e de vencer na vida sem a ajuda dele. Mas, para isso, a menina sabia que seria necessário ter o diploma de uma boa universidade. E foi em busca disso que Libby batalhou para conseguir uma bolsa em algum colégio de elite.
 
O grande problema é que, mesmo com a garota estudando com uma bolsa integral, o salário de Kate e a pensão que Libby recebia do pai não seriam o bastante para sustentar a menina longe de casa. Liberty sabia que a mãe não teria condições de abandonar o seu emprego ou pagar um segundo aluguel. Mas esse grande problema se resolveu quando Kate e Libby receberam uma oferta generosa da tia da menina.
 
A irmã mais velha de Kate morava em uma cidadezinha no interior de Vermont e, apesar da grande distância entre as duas cidades, as duas irmãs mantiveram um contato próximo. E foi através da irmã que Kate soube que existia um renomado colégio na cidade de Colchester. Além da possibilidade de uma bolsa integral para Liberty, a tia da menina ofereceu um quarto de hóspedes da própria casa para acomodá-la.
 
Depois de uma vida inteira com portas se fechando na cara dela, Libby não podia perder aquela grande oportunidade. Embora tivesse pouco contato com a tia e não conhecesse o restante da família dela, Liberty não teve que pensar demais antes de aceitar aquela oferta. E agora as malas de Libby já estavam prontas para uma nova vida em Vermont.
 
- Sim, mãe, não se preocupe! Já está tudo dentro das malas. – Libby acrescentou ao notar a ansiedade ainda refletida no rosto de Kate – Eu pesquisei tudo sobre Vermont, consultei vários tutoriais de viagens e mudanças, fiz uma planilha e listei tudo o que precisava colocar nas malas por diferentes categorias. Então pode apostar que eu não esqueci nada importante.
 
Era assim que Liberty costumava lidar com a própria vida. Todas as decisões da garota eram sistematicamente pensadas e calculadas. Até nas situações mais corriqueiras a menina não dispensava pesquisas na internet e planilhas de dados, então é claro que não seria diferente com aquela mudança.
 
- A sua tia vai te buscar no aeroporto. Você vai reconhecer o rosto dela, não vai? Se você não conseguir localizá-la, procure um posto policial e não fale com estranhos!
 
- É claro que eu reconheço o rosto dela, mãe! Vocês duas são bem parecidas, sabia!? E não se preocupe. Eu moro em Seattle e eles são um bando de caipiras do interior de Vermont! Eu sou a estranha que eles precisam temer!
 
***
 
Além das duas malas de rodinhas, Liberty carregava uma grande mochila nas costas quando pisou no aeroporto de Burlington. Parecia ser muita bagagem para uma menina tão baixinha e delicada, mas aquilo não era uma simples viagem de férias. E definitivamente aquilo não era muita coisa para alguém que estava se mudando para o outro lado do país.
 
Além de roupas e calçados para várias estações, Libby havia colocado nas malas todos os seus objetos de uso pessoal. Livros, acessórios, itens de higiene e até algumas pelúcias e um quadro de fotos faziam parte da bagagem que a menina carregava. E é claro que ela jamais se esqueceria de levar o notebook.
 
Era esperado que a filha de um grande empresário do ramo da tecnologia tivesse os melhores equipamentos eletrônicos, então era surpreendente ver que Libby já estava com o mesmo notebook mais simples há vários anos. Mas, além do valor sentimental, o laptop antigo de Liberty definitivamente não era uma relíquia ultrapassada. Absurdamente habilidosa e com um conhecimento invejável em informática e programação, a própria Libby já tinha trocado algumas peças e usado uma série de softwares para garantir o bom funcionamento do sistema. Liberty estava longe de ser uma grande hacker, mas o amplo conhecimento dela no campo da tecnologia era algo admirável. Jeff Wooton deveria ter orgulho em ver a filha seguindo de forma tão brilhante a mesma profissão dele, mas a grande verdade é que ele nem conhecia Libby direito e não fazia ideia de quais eram as habilidades ou os sonhos da menina.
 
Kate estava morrendo de medo que a filha se perdesse naquela chegada à Vermont ou que não conseguisse localizar a tia no aeroporto, mas era BEM difícil não enxergar a mulher. Como se não bastasse estar esperando pela sobrinha bem diante do portão de desembarque, a tia da menina carregava um cartaz enorme com o nome de Liberty e vários balões coloridos. Para a irmã de Kate, aquilo certamente era uma maneira gentil e bonitinha de dar as boas-vindas à sobrinha, mas o sentimento que ela despertou em Libby foi uma vontade sufocante de cavar um buraco no chão para se esconder.
 
- LIBEEEEEERTYYYY! – o grito e os acenos exagerados com o braço atraíram a atenção das poucas pessoas que ainda não tinham notado aquela ceninha indiscreta – AQUIIII, LIBBY! EU ESTOU AQUI, QUERIDA!
 
- Ai, cacete... – a vozinha de Libby soou num sussurro enquanto ela seguia na direção dos gritos da tia – Ela é pior que a mamãe, pelo amor de Deus...
 
- OOOOOOI! Olá, querida! Ooown, você é ainda mais bonitinha pessoalmente! – assim que Libby entrou no alcance de suas mãos, a tia tocou nos fios castanhos na altura dos ombros da garota e depois puxou a sobrinha para um abraço – Como você está? Fez boa viagem? O que está achando de Vermont? Burlington é uma cidade estranha, mas você vai amar Colchester! Nós estávamos tão ansiosos para te receber! O carro está no estacionamento, eu posso te ajudar com as malas! Você está com fome?
 
Completamente atordoada com a tagarelice da tia, Liberty nem sabia por onde começar a responder aquela avalanche de perguntas. Então ela parecia francamente perdida quando arregalou os olhos castanhos para a mulher a sua frente e se limitou a responder à pergunta “como você está?”.
 
- Vermont - Tumblr_inline_nrgeipvcD31s2djns_500
 
- Eu estou bem, obrigada.
 
- Descuuuulpe! Eu falo demais e estou te assustando, não é? Vamos ter muito tempo para nos conhecer e colocar as conversas em dia. Então vamos? Colchester não fica longe daqui, vamos chegar em casa cedo e eu posso te ajudar a ajeitar as suas coisinhas no novo quarto. A Emily também está louca pra te conhecer, vocês duas vão se dar muito bem!
 
Embora as duas meninas fossem primas de primeiro grau e tivessem a mesma idade, Emily e Liberty só tinham se visto pessoalmente quando eram bebês e nenhuma das duas se lembrava daquele único encontro. Além de morarem em pontas opostas do país, nunca houvera nenhuma oportunidade concreta para que as duas se conhecessem ou passassem algum tempo juntas. Mas Libby não precisava conhecer melhor a prima para duvidar seriamente das palavras da tia. Pelas fotos e vídeos nas redes sociais de Emily, a filha dos Sinclair parecia ser uma garota BEM diferente dela e era muito improvável que as duas se tornassem amigas próximas.
 
Mas essa definitivamente não era uma preocupação para Liberty, afinal o objetivo dela em Colchester não era fazer novos amigos ou estreitar seus laços com a família da tia. Totalmente focada nos estudos e em uma vaga em Princeton, Libby se sentiria sinceramente grata e feliz se Emily apenas a deixasse em paz e não atrapalhasse a sua rígida planilha de estudos e atividades extracurriculares.
Liberty Bloomfield
Liberty Bloomfield
Admin

Mensagens : 51
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Seg Fev 26, 2024 5:48 pm

Astronauta, bombeiro, veterinário. Na maioria das vezes, as respostas dadas pelas crianças à pergunta “o que você quer ser quando crescer?” acabavam se perdendo com o passar dos anos. Era normal que as preferências mudassem com o tempo ou que aquelas crianças passassem a encarar o próprio futuro com mais objetividade e racionalidade quando chegavam à adolescência. Mas Hunter Timmons era uma exceção àquela regra e ele não estava apenas se iludindo com uma fantasia infantil na época em que começou a dizer que queria ser um jogador de basquete profissional.
 
Tudo começou com uma bola e uma cesta pendurada na garagem da casa dos Timmons, mas a paixão de Hunter pelo esporte cresceu ainda mais depois que seus pais o matricularam num time de basquete infantil. Como Hunter sempre tivera uma estatura acima da média para a sua idade, o porte físico do garoto lhe favorecia bastante, mas não era apenas isso. Timmons tinha um dom, e isso era algo que ficava óbvio para qualquer um que assistisse a habilidade do menino nas quadras, suas jogadas geniais e a maneira como ele se dedicava ao esporte.
 
Como todo atleta que deseja atingir o ápice do seu desempenho, Hunter era focado e disciplinado ao extremo. Aos doze anos, o garoto já seguia uma rotina rígida, não faltava a nenhum treino e obedecia rigorosamente às orientações sobre dieta e sono. Diferente da maior parte dos jovens que adentravam a fase da adolescência, Hunter não cometia deslizes com festas e bebedeiras, não se envolvia em confusões e se esforçava para manter uma boa média de notas no colégio. Timmons fazia tudo o que era necessário para garantir o seu bom desempenho nas quadras e, principalmente, para ter a chance de se tornar um atleta profissional num futuro próximo.
 
E Hunter estava mesmo indo pelo caminho correto. O quarto dele estava repleto de troféus e medalhas de campeonatos locais e estaduais, e o treinador do colégio já dava como certa a possibilidade de Timmons ganhar uma bolsa como atleta em uma grande universidade da costa leste. Um futuro brilhante sorria para Hunter e ele estava quase alcançando tudo o que desejava quando uma inesperada reviravolta do destino estragou os planos que o garoto traçava há anos.
 
Uma bobagem. Era surreal que algo tão bobo tivesse mudado radicalmente a vida e o futuro de Timmons. Um vazamento na cozinha, um piso molhado, um escorregão e uma queda. Para alguém acostumado a levar empurrões brutais durante as partidas e a cair nas quadras diariamente, Hunter ainda não entendia como uma queda tão boba e suave acabou causando uma lesão tão grave no seu joelho esquerdo.
 
Várias semanas de internação, radiografias, tomografias e cirurgias. Depois de muitas tentativas de reconstruir os ligamentos rompidos, os médicos foram unânimes em dizer à família Timmons que não havia mais solução e Hunter precisaria substituir a articulação inteira por uma prótese. E o rapaz tinha apenas quinze anos quando viu escorrer pelos seus dedos qualquer chance de um futuro como atleta profissional.
 
A prótese de titânio era a melhor disponível no mercado, assim como a equipe médica que o Sr. Timmons contratou para cuidar do filho. Mesmo depois de uma lesão tão grave, os médicos garantiram que Hunter voltaria a andar sem muletas e teria uma vida normal. Mas é óbvio que ele já não conseguiria ter mais a mesma habilidade e a mesma velocidade nas quadras. O rapaz poderia voltar a jogar basquete de forma recreativa, mas era evidente que nenhuma equipe profissional jamais contrataria um jogador com aquele histórico médico. E foi depois de ver aquele grande sonho morrer antes mesmo de se concretizar que Hunter se transformou.
 
Simplesmente não havia mais motivos para ser tão responsável ou disciplinado. Por que manter uma média de notas elevadas agora que ele já não tinha nenhuma chance de ganhar uma bolsa para jogar numa grande universidade? Não fazia mais sentido para Hunter ser tão rigoroso com a alimentação, evitar bebidas alcoólicas ou fugir de confusões. O papel de um garotinho sempre tão responsável e obediente agora parecia ter sido uma grande perda de tempo e o novo Hunter parecia disposto a viver ao máximo todas as experiências que ele perdera nos últimos anos.
 
Os pais do rapaz obviamente notaram as grandes mudanças no comportamento de Hunter, mas no começo o casal Timmons encarou aquilo como uma fase passageira, uma resposta natural ao grande trauma que o garoto enfrentava. Hunter estava infeliz, frustrado e havia perdido todos os seus planos para o futuro, então os pais do rapaz imaginaram que ele precisava mesmo de um tempo para canalizar toda aquela tristeza e extravasar a sua raiva. Além disso, os Timmons também demoraram demais a agir porque se sentiam culpados, afinal o acidente de Hunter havia acontecido dentro da casa da família.
 
O problema foi que as coisas não melhoraram com o passar do tempo. Ao invés de recolocar a cabeça no lugar, Hunter foi mergulhando cada vez mais naquele novo comportamento reprovável. As notas dele no colégio despencaram, o rapaz começou a acumular advertências e suspensões e voltava para casa com hematomas por se meter com frequência em brigas na rua. Antes do acidente acontecer, Hunter raramente surgia com alguma namoradinha, mas agora era comum que ele colecionasse conquistas e passasse noites inteiras fora de casa.
 
Em uma cidade tão pequena como Colchester, não demorou muito para que a nova (e má) fama de Hunter se espalhasse. O menino prodígio que tinha tudo para se tornar um grande jogador e ser o morador mais famoso da história daquela cidadezinha agora era só um grande problema que já não inspirava mais o orgulho de ninguém.
 
***
 
- Muito obrigado, Coleman. De novo.
 
- Desta vez não é só a mim que você deve agradecimentos, Timmons. Eu só consegui aliviar a barra do moleque porque a Sra. Bates concordou em não formalizar uma queixa.
 
Como praticamente todos os moradores da pequena cidade de Colchester, no estado de Vermont, Henry Timmons e o xerife John Coleman se conheciam desde sempre. No caso dos dois homens aquela ligação era ainda maior porque ambos estavam na mesma faixa de idade e tinham crescido e estudado juntos. E era em nome daquela velha amizade que o xerife vinha fazendo vista grossa diante de todos os deslizes cometidos pelo filho de Henry.
 
Contudo, era evidente que Coleman estava chegando ao seu limite e que ele teria que tomar providências e fazer o seu trabalho se a situação continuasse evoluindo tão mal. No começo, as “travessuras” de Hunter até podiam ser encaradas como brincadeiras de um adolescente revoltado, mas de uns tempos para cá os atos do rapaz já se enquadravam em transgressões da lei. E, sendo um policial honesto, o xerife não podia simplesmente fechar os olhos.
 
- Eu não sei mais o que fazer. – foi como um amigo que Henry murmurou aquele desabafo – O Huntie não ouve os meus conselhos, não assume nenhuma responsabilidade, não parece nem um pouco preocupado com o futuro! Eu não reconheço mais o meu filho, Coleman. Esse definitivamente não é o garotinho gentil e obediente que eu criei!
 
- Que tal o exército? Eu aposto que o Tio Sam colocaria esse rapazinho nos eixos de novo! – Coleman explicou melhor aquela ideia diante do olhar surpreso do amigo – É, eu sei que ele não seria aceito na linha de frente por causa do joelho ferrado, mas tem muitos cargos mais burocráticos que não exigem tanta aptidão física.
 
Não existia nenhum demérito em se alistar nas forças armadas americanas. Apesar dos riscos, era um emprego muito digno e que vinha acompanhado por um excelente plano de carreira. Vários jovens entravam no exército sem nenhuma perspectiva, começavam a subir de patente e conseguiam construir um futuro tranquilo e confortável para suas famílias. O único problema é que não era esse o plano que os Timmons tinham sonhado para Hunter.
 
Dono de uma das maiores fortunas das redondezas, Henry não gostava nem um pouco da ideia de ver o filho “desperdiçando” o seu futuro no exército. Mesmo que não pudesse mais ser um atleta profissional, Hunter ainda era inteligente demais, vinha de uma família com boas posses e poderia escolher qualquer outro caminho e ter uma profissão melhor (e mais segura) do que se tornar um soldado.
 
Mesmo que Hunter não fosse mais ganhar uma bolsa para se tornar um atleta de uma grande universidade, os Timmons tinham plenas condições de pagar as mensalidades para que o único herdeiro daquele sobrenome importante tivesse um excelente diploma. Advogado, médico, engenheiro ou um administrador para dar continuidade aos negócios lucrativos da família. Hunter só precisava escolher uma profissão e seus pais fariam aquilo acontecer. O único problema é que o rapaz não parecia ter nenhuma outra vocação além do esporte. E, principalmente, Hunter não tinha nenhuma vontade ou motivação para recolocar a sua vida nos eixos.
 
- Eu não sei, acho que isso não combina muito com o Huntie. Além disso, eu duvido muito que ele concorde com isso, Coleman.
 
- Eu posso te dar um conselho, Timmons? Como amigo, como pai e como policial também... Seja mais firme com o garoto. Ele não é mais uma criança e já teve tempo de sobra para superar o problema com o joelho. A vida continua, ele tem todo o futuro pela frente e uma família para amá-lo e apoiá-lo. Já passou da hora dele assumir responsabilidades e parar de agir como uma criança birrenta que perdeu o brinquedinho preferido. Você entende de cavalos, Henry, você sabe que deve domar um cavalo rebelde enquanto ele ainda é novinho! Se você não segurar as rédeas com mais firmeza agora, você vai perder o controle da situação. E, como eu te disse, dessa vez ele só não foi parar atrás das grades porque a Sra. Bates não prestou queixa.
 
***
 
- Eu posso dirigir?
 
Quem visse o sorriso doce e inocente que Hunter dirigiu ao pai enquanto esticava a mão na direção das chaves do carro não acreditaria que ele era um rapaz tão problemático. Em resposta ao pedido do filho, Henry apenas estreitou os olhos e apontou a porta do carona, numa ordem muda para que o rapaz ocupasse aquele assento.
 
- Não seja chato, pai! O carro é meu! Você me deu, lembra? Por que eu não posso dirigir? Me dê um bom motivo!
 
- Um: você está fedendo a álcool! Dois: você passou a noite inteira acordado num banco de uma delegacia! Três: você não tem feito nada para merecer a minha confiança! Então entre logo nesse carro e vamos pra casa antes que o xerife volte atrás e te enfie numa cela!
 
Ao invés de constrangido ou chateado com as palavras do pai, Hunter apenas rolou os olhos e abriu um sorrisinho debochado antes de se enfiar no assento do passageiro. Sem nenhum pudor, o rapaz empurrou o banco o máximo possível para trás até que conseguisse esticar as pernas compridas e colocar os pés apoiados no painel. O bocejo sonolento combinava com alguém que tinha passado a madrugada inteira em claro, mas Henry não deixou que o filho adormecesse naquele trajeto de volta para casa.
 
- Desta vez você foi longe demais, Hunter! Você tem noção que invasão de propriedade privada é um crime!? Você seria preso de verdade se a Sra. Bates formalizasse uma denúncia!
 
- Menos drama, pai. Aquela velha não me denunciou porque não tinha motivos pra me denunciar! Eu só pulei um muro! – o sorrisinho de Hunter se tornou ainda mais sacana – Eu não tenho culpa se o quintal da Sra. Bates é a rota de acesso mais fácil até a janela do quarto da Jenna.
 
- Jenna? – sem tirar a atenção do volante, Henry franziu a testa em estranhamento – Mas a Sra. Bates é vizinha dos Templet...
 
- Aham. E daí?
 
- O nome da filha dos Templet não é Shelby?
 
Uma ruguinha surgiu entre os olhos de Hunter enquanto ele tentava resgatar aquela informação da memória. E foi depois de longos segundos que o rapaz soltou um risinho divertido e debochou do seu próprio erro.
 
- É mesmo. Caralho, hein? Eu tava mesmo muito bêbado na noite passada. Ainda bem que a velha ligou para a polícia antes que eu alcançasse a janela e chamasse a Shelby pelo nome errado. Acho que ela ficaria ofendida, contaria pra Jenna e as duas ficariam putas comigo. Seria um drama beeem desnecessário para o meu último ano no colégio, né?
 
***
 
A picape era nova, recém saída de uma concessionária. Com a lataria num tom de cinza-chumbo, central multimídia, motor elétrico, câmbio automático e uma cabine dupla estendida, era fácil presumir que o veículo tinha custado uma fortuna. Era normal que muitos rapazes ganhassem carros de presente depois de tirarem a licença de motorista, mas era estranho que o Sr. Timmons tivesse colocado um veículo como aquele nas mãos de um filho que não lhe inspirava muita confiança.
 
Provavelmente não era a maneira mais sábia de resolver os problemas do rapaz, mas o casal Timmons realmente pensou que Hunter se sentiria mais motivado a se dedicar ao último ano do colégio se ganhasse um “presentinho” como aquele. Além disso, o carro também era uma tentativa desesperada de colocar um fim nas bebedeiras de Hunter, já que Henry deixou muito claro para o filho que tomaria as chaves dele se o rapaz cometesse qualquer deslize.
 
- Vermont - Tumblr_inline_oa2me1cCPk1rqq37j_400
 
- Então...? – depois de sair do carro, Hunter ainda lançou um sorrisinho animado para a picape antes de se voltar para os dois amigos que esperavam por ele no estacionamento do colégio – O que acharam do meu novo brinquedinho?
 
Hunter Timmons, Chad Clifford e Dexter Thompson eram melhores amigos desde a infância. Depois do acidente que obrigou Timmons a se afastar das quadras, muitos “amigos” que antes faziam questão da companhia dele começaram a se afastar, mas Chad e Dexter se mantiveram fiéis àquela amizade.
 
Embora Hunter não fosse mais o capitão, o melhor jogador do time e nem tivesse um futuro promissor pela frente, ele ainda era bastante popular no colégio. Além da inegável beleza, da personalidade marcante e de um sorrisinho desconcertante, o rapaz também vinha de uma família muito tradicional na pequena cidadezinha de Colchester. Os Timmons possuíam o maior e mais famoso haras do estado de Vermont e ganhavam fortunas com os leilões de cavalos premiados.
 
- Puta merda, hein!? – Chad curvou os lábios num biquinho de admiração engraçado enquanto contornava o novo carro do amigo – Muito maneiro. Só me tira uma dúvida, Tim... Qual o seu segredo pra sempre se dar bem, cara? Suas notas são péssimas, você passa mais da metade do ano suspenso, se mete em brigas e quase foi preso várias vezes! Só pode ser chantagem! Você sabe algum podre muito nojento do seu pai, né? Ele tá transando com alguma funcionária do haras? Ou você pegou ele se divertindo com uma das éguas premiadas do seu estábulo?
 
Hunter e Dexter fizeram idênticas caretas de nojo para Chad, arrancando gargalhadas do rapaz. Com a mochila pendurada num dos ombros, Timmons se colocou entre os dois melhores amigos e os três começaram a caminhar juntos na direção da entrada do colégio.
 
- Muito obrigado por criar na minha cabeça a imagem mental mais nojenta do universo, Cliff! É, o meu pai ama aqueles cavalos fedidos, mas eu acho que ele não chegaria a esse ponto! E não tem segredo nenhum. Eu só sou muito bom de lábia e ele está desesperado para que eu me comporte melhor e me saia bem nesse último ano no colégio. O carro é uma espécie de incentivo, eu acho...
 
- No meu caso, o meu “incentivo” é a ameaça de ter que passar o resto da vida em Colchester! Sempre que penso nisso me bate uma vontade louca de estudar mais e fugir pra bem longe desse buraco! Não sei vocês, mas eu estou cansado desse lugar. – Chad deslizou os olhos ao redor com uma expressão de desprezo – Sempre as mesmas pessoas chatas, nada emocionante acontece por aqui. Estou entediado até com as garotas, já me cansei de todas elas. Agora eu quero mais que esse ano passe bem rápido pra conhecer logo as gatas da faculdade!
 
- É, eu também já estou meio enjoado de sair sempre com as mesmas meninas. Nenhuma cara nova este ano?
 
O Mount Mansfield Union High School não era apenas um colégio qualquer de uma cidadezinha pequena. Embora estivesse localizada em Colchester, a escola particular onde Hunter Timmons estudava era procurada por várias famílias de Vermont e até mesmo por pessoas de fora do estado. Com excelentes professores, laboratórios com tecnologia de ponta, excelentes programas de intercâmbio e altas taxas de aceitação em grandes universidades, estudar na MMU era quase uma garantia de um futuro promissor.
 
Além de vários prédios onde eram ministradas aulas de diferentes áreas, a MMU também contava com quadras esportivas, um grande campo de futebol e uma piscina olímpica coberta. Havia ali também um grande auditório com um palco para as peças de teatro e o colégio oferecia uma vasta opção de atividades extracurriculares para seus alunos, como aulas de música, pintura, poesia, grupos de debate, laboratórios de informática, um curso de robótica e estudo de línguas estrangeiras.
 
Obviamente as mensalidades eram ridiculamente caras e o colégio fornecia bolsas a pouquíssimos estudantes, então era bem raro que surgisse algum rosto desconhecido pelos corredores.
 
- Fiquei sabendo que deram uma bolsa este ano e que quem ganhou foi uma garota. Se as fofocas estiverem certas, a tal bolsista é prima da Emily.
 
- Vou reformular a minha pergunta... – Hunter lançou um olhar de repreensão para Chad – Será que tem alguma garota nova “e interessante” na área? De preferência que tenha menos de cem quilos e não seja uma nerd mocreia!
 
- Ah, para, Tim! Nem toda nerd é uma mocreia! E se ela é prima da Emily, tem chance de ter herdado os melhores genes da família! – Chad lançou um sorrisinho sacana enquanto deslizava os olhos de Dexter para Hunter – Bom, seja como for, se a novata é prima da minha ex, eu não vou entrar nessa disputa. Vocês dois podem decidir entre vocês quem vai se divertir com ela.
 
Hunter, Chad e Dexter tinham um acordo no que dizia respeito às garotas. Para evitar qualquer tipo de atrito ou disputa que colocasse em risco a amizade dos três, os rapazes combinaram que nunca ficariam com as mesmas meninas. Então era comum que eles pedissem permissão aos amigos antes de investir em uma garota. Era bizarro que os rapazes “dividissem” as meninas como se estivessem abrindo uma caixa de bombons e separando os doces entre si, mas a estratégia vinha dando certo porque isso garantia que os três nunca brigariam por causa de uma garota.
 
Por já ter sido namorado de Emily (e por ainda ter esperanças de uma reconciliação), Chad foi o primeiro a recuar e abrir espaço para que Hunter e Dexter decidissem quem ficaria com a prima da garota. E mesmo sem conhecer a novata, Hunter também abriu mão do seu “direito” sobre a recém chegada.
 
- É toda sua, Dex. Eu realmente acho que vai ser só uma nerd chata e feiozinha. Além disso, eu já estou administrando garotas demais. – Hunter começou a erguer os dedos para enumerar suas conquistas – Jenna, Shelby, Anne, Penny...
 
- Penny? – Chad trocou um olhar confuso com Dexter antes de completar – Quem é Penny?
 
- A chinesinha, oras! Ou japonesa, sei lá! Vocês sabem! A de olhinhos puxados que entrou no colégio ano passado, porra!
 
- A garota que entrou no colégio ano passado se chama Pamela. E ela é coreana.
 
- Sério? – ao invés de constrangido, Hunter jogou a cabeça para trás numa gargalhada debochada – Ah, é! Eu me confundi! Penny é uma das éguas premiadas que foi vendida no leilão do ano passado! Puta merda, eu passei os últimos meses chamando a garota de Penny e ela nunca me corrigiu!
 
- Você tem chamado a menina pelo nome de uma égua???
 
- Uma égua premiada pra cacete! Ela deveria se sentir lisonjeada! Aliás, nenhuma garota de Colchester tem a genética perfeita ou vale a fortuna que pagaram pela Penny no leilão!
 
Chad rolou os olhos e abriu um sorrisinho divertido antes de se virar para Dexter durante aquela alfinetada.
 
- O Tim realmente acabou de dizer que a genética de uma égua é superior a de uma garota? Acho que não é só o Sr. Timmons que “ama” demais os cavalos do haras. Algo me diz que você vai querer assumir os negócios do papai depois do colégio, hein, Tim!?
 
- Deus me livre, Cliff! Eu odeio aqueles cavalos fedorentos! Mas eu não vou ser hipócrita de dizer que não gosto da grana absurdamente alta que pagam por eles! – jogando o polegar por cima do ombro, Hunter apontou na direção do estacionamento – Foi essa grana que me trouxe aquela belezinha estacionada bem ali...
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Emily Sinclair Qui Fev 29, 2024 6:34 pm

- Hmm, ainda beeem que não existem lugares como esse em Colchester! Eu já estaria rolando por aí se pudesse comer desses macarrons todos os dias!

Usando um batom vermelho intenso, Emily precisou morder o doce cor de rosa com cuidado e usou o indicador para se livrar de algumas migalhas no canto da boca enquanto fazia um biquinho. O elogio dela era sincero, mas a verdade era que Emy vinha elogiando exageradamente tudo o que via, conhecia, comia ou bebia em Paris. Não porque ela estava obcecada ou apaixonada pela bela cidade, mas porque a presença do homem a sua frente despertava aquela tendência em enxergar tudo mais bonito.

- Nós podemos levar alguns desses para o hotel, papai? Ou não, talvez seja melhor experimentar uma sobremesa diferente! Onde vamos jantar hoje? Eu li alguns guias de sugestões e anotei alguns que...

Enquanto tagarelava, a atenção de Emily estava voltada para o doce ou para a linda paisagem na rua calma de paralelepípedos ao redor do café, mas quando seu olhar voltou para o homem sentado do outro lado da mesa, seu sorriso vacilou e os ombros murcharam um pouco. Ao invés de estar mergulhado naquele momento com a mesma empolgação da filha, Robert Sinclair estava mais concentrado no e-mail que lia pelo celular ou em algumas mensagens que respondia. E foi sem nem se dar ao trabalho de perguntar o que Emy falava, ele levou o aparelho até o ouvido para fazer uma ligação.

- O que você decidir está ótimo, querida. Pode me dar um minutinho? Eu realmente preciso resolver um probleminha no escritório.

Robert Sinclair era um empresário de uma importante companhia de importação e exportação. O seu trabalho sempre tinha sido sua prioridade, e esse tinha sido o principal motivo para o desgaste que culminara no fim do seu casamento. Mas nem mesmo depois do divórcio, as coisas não tinham mudado. Todo o seu tempo era gasto com reuniões, contratos, telefonemas e e-mails importantes. Nem mesmo aquelas poucas semanas de férias com a filha tinha lhe afastado de suas obrigações.

Para ter um minuto de privacidade, Bobby se levantou da mesa e afastou alguns passos enquanto fazia aquela ligação. Sozinha, Emily devolveu o macarron de volta ao pratinho, já sem o mesmo ânimo de antes. Ela estava se esforçando para entender o quão importante era para o pai não se desligar por completo dos negócios, mas estava sendo difícil aproveitar aqueles dias de férias, aquele momento que ela tinha ansiado tanto para passar um tempo ao lado do pai, só para acabar passando a maior parte do tempo sozinha.

Depois do divórcio, Robert deixou Vermont para reconstruir a sua vida em Nova York, em uma cidade mais propícia para os seus negócios. E era como se ele também tivesse se separado da filha. Raras ligações, mensagens respondidas no automático, presentinhos que muitas vezes eram enviados pela secretária, mesmo em datas especiais. Bobby não passava os natais com a filha, nem assistia suas apresentações na escola, praticamente não sabia nada sobre a vida dela ou na adolescente linda e inteligente que ela estava se tornando. Por isso, a ideia de passar alguns dias em Paris na companhia do pai tinha trazido tanta empolgação para a garota que simplesmente o idolatrava, só que as coisas não estavam saindo como Emily esperava.

Ela quase conseguia visualizar o olhar de preocupação da mãe. Conhecendo bem o ex-marido, Hilary já esperava a falta de atenção e cuidado do pai com a menina. Em casa, Hilary colocava o bem-estar de Emily como prioridade, sua felicidade, seu conforto. Vivendo com uma pensão um tanto modesta para os padrões de Robert, e proprietária de uma pequena boutique, Hilary tinha uma vida bastante agitada, e nem por isso negligenciava seu tempo com a filha. O problema era que Emily não costumava valorizar os esforços da mãe.

Só de pensar em tudo o que Hilary poderia dizer ou aquele olhar de piedade se soubesse que Robert tinha deixado a filha falando sozinha, o sangue de Emily já esquentava. Era como se, de alguma forma inconsciente, ela culpasse a mãe por aquela situação. E foi em uma tentativa de provar para ela e para o restante do mundo que Emy se esforçou para colocar um sorriso nos lábios, puxou o celular e tirou uma fotografia da mesa. Com o ângulo certo, a boa luz, com bolos, doces e xícaras de porcelana espalhadas sobre a toalha branca, a fotografia ficou perfeita. Quando subiu a imagem para as redes sociais, a legenda trazia uma realidade bem diferente do que Emily realmente vivia: “Tarde incrível com o papa! Parfait!”.

Concentrada em algumas edições e filtros, Emily só escutou os passos que se aproximaram da mesa. Ela abriu um largo sorriso, certa de que o pai já tinha retornado, mas seu semblante se fechou de imediato quando ela se deparou com a outra ruiva.

Diferente do vestidinho leve e mais curto ou da maquiagem intensa que Emily usava, a irmã mais velha da garota vestia uma calça social e um terninho, sobre saltos curtinhos e o rosto quase inteiramente limpo. A caçula deixava os cabelos vermelhos livres, bem penteados e jogados para o lado, mas Claire tinha prendido seus fios ruivos em um coque mais sério. Só pela aparência, já era possível notar que as duas tinham personalidades bem diferentes.

- Cadê o papai?

Assim que o divórcio aconteceu, quando Emily tinha catorze anos, Claire já estava na universidade de Cornell, estudando Administração e Negócios. Recém-formada, a garota já contava com um exemplar currículo e claro que tinha conquistado um cargo de destaque na empresa dos Sinclair. O que significava que Claire tinha um contato infinitamente maior com Robert, enquanto Emily mal conseguia receber algumas migalhas de atenção.

Com um semblante fechado e de poucos amigos, Emily apenas deu de ombros e indicou com o queixo o ponto onde Robert estava, encerrando a ligação e voltando para perto das filhas. Trazendo um sorriso largo nos lábios, era como se Bobby desconhecesse completamente a rivalidade entre as suas duas filhas.

- Meu bem, você chegou! Sente-se com a gente! O que quer comer? – Enquanto se acomodava em seu lugar, Robert já fazia um gesto para que uma atendente se aproximasse para anotar o pedido da filha.

Se Emily tinha se sentido incomodada por ter sido ignorada pelo pai, ela preferia ter voltado alguns minutos e continuado sozinha do que suportado os minutos seguintes. Como se ela nem estivesse presente, Robert e Claire passaram a tagarelar sem fim sobre clientes, termos técnicos e cálculos numéricos que Emy desconhecia por completo. Mesmo com todo seu esforço, a caçula não conseguiu aguentar por muito tempo e tentou forçar sua entrada na conversa.

- Então, onde podemos jantar essa noite? Algum lugar animado?

- Ah, hoje não vai dar...

- Aaah, que pena. – Emily interrompeu a irmã e abriu um sorrisinho satisfeito. – Não tem problema, o papai e eu vamos aproveitar assim mesmo.

- Não vai dar... – Claire repetiu com mais ênfase. – Porque o papai e eu temos um jantar com um grande potencial cliente.

- É hoje? – Bobby puxou o celular para conferir a data, mas ele não parecia decepcionado por ter um conflito na sua agenda profissional com a pessoal, apenas confuso por ter deixado aquela data passar. – Ainda bem que você me lembrou, querida! Eu não sei o que faria sem você.

- Não se preocupe, eu sei que a sua cabeça está cheia por causa da fusão, papai. Pode deixar que eu cuido de tudo. E claro, eu posso deixar alguns panfletos de restaurantes que possam entregar a sua comida no restaurante, Emy. Ninguém quer ver você passando fome, mas eu sei que esses jantares formais não combinam com você.

- Talvez não seja uma má ideia eu ir com vocês! Quer dizer, eu preciso começar a entrar no ritmo também, não é? – Diante dos olhares confusos do pai e da irmã, Emily apoiou os cotovelos sobre a mesa e gesticulou, animada. – Bom, eu estava esperando o momento certo para contar, mas já que estamos aqui... Acho que em breve vamos poder começar a falar sobre a minha mudança para Nova York, não é? Eu decidi fazer minha pré-inscrição para a Cornell. Sei que o primeiro ano é obrigatório viver nos dormitórios, mas acho que podemos resolver isso para eu poder morar com você, papai!

- Como é? A sua mãe está sabendo disso, Emily? Ela não me falou nada.

- Bom, eu achei que estivesse meio implícito, né? É meu último ano, eu preciso escolher uma faculdade, e claro que Cornell está no topo da minha lista. Foi onde você estudou, pai!

- Ahn, só temos um probleminha, Emily... – Claire pigarreou e arqueou as sobrancelhas para encarar a irmã. – A Cornell pode ser a sua prioridade, mas isso não significa que você será aceita. Quer dizer, é uma Ivy League... Com as suas notas, você teria sorte por considerar a Columbia.

Os olhos de Emily se estreitaram para encarar a irmã de volta. Não que a Columbia fosse uma escolha ruim, mas todos sabiam que a universidade costumava ter uma fama de festeira e era a menos séria das universidades Ivy.

- Eu tenho uma extensa lista de atividades extracurriculares, eu sei que isso também conta.

- Balançar pompons e organizar festas não é o que a Cornell está procurando.

Emily fazia parte do time de líderes de torcida desde o primeiro ano e era excelente no que fazia. Ela tinha a liderança da equipe como alvo para o seu último ano e tinha certeza que poderia trazer alguns títulos importantes para a escola com algumas movimentações. Além do mais, presidir o comitê de festividades poderia parecer um trabalho fútil, mas exigia muito tempo e uma grande habilidade de gestão. Mas claro que Claire enxergava todas as suas atividades como baboseiras e perda de tempo.

- Eu faço muito mais do que balançar pompons e organizar festas, Claire.

- Claaaaro, você também é especialista em combinar lookinhos ou tentar bater o recorde penteando os cabelos e fazendo maquiagem na frente do espelho.

- Você deveria tentar de vez em quando. Está precisando bastante!

Mesmo diante da troca de farpas das filhas e das trocas de olhares perigosos, Robert rapidamente desviou sua atenção para o celular quando surgiu uma ligação. E foi sem se importar em nada com aquele conflito que ele pediu licença e se afastou da mesa mais uma vez.

***

Não havia nada de errado com Colchester. Era uma cidade pequena, sem grandes movimentações e até um tanto tediosa, mas era um lugar bonito e bom para se viver. A casa que Robert tinha deixado para trás era grande, aconchegante e bem localizada, com uma vista impecável diante para um lago. Não era a maior mansão da cidade, mas pertencia a uma região mais nobre e estava bem conservada.

Mas o simples fato de estar de volta a casa deixava Emily deprimida. Ela sentia falta do pai, das férias, da França. E agora era preciso encarar a realidade, uma realidade em que ela vivia apenas com a mãe e ainda tinha um ano inteiro para viver naquela cidadezinha pacata. Ao menos naquele ano ela teria uma novidade para lhe distrair.

- Esse era o quarto da Claire. Agora é todo seu. – Hilary soou empolgada quando abriu a porta do quarto e ligou as luzes.

Assim como o quarto de Emily, o cômodo era amplo, com janelas grandes e com vista para o lago. A principal diferença estava na decoração. Enquanto a caçula tinha espalhado rosa e vermelho para todos os cantos, lotado com fotografias dos seus amigos e toneladas de almofadas sobre a cama, o quarto que Liberty agora ocuparia estava mais neutro, com um mural de cortiça vazio e as prateleiras aguardando por novos livros.

- É, se estiver fedendo a barata de biblioteca, sinto muito. Já está vazio desde que a Claire foi para Nova York e a gente nunca conseguiu se livrar do cheiro.

Encostada no batente da porta, Hilary arqueou as sobrancelhas, sabendo que existia muito além de uma simples implicância de irmãs por trás daquela alfinetada. Mas como aquele não era o momento de tentar arrancar nada da filha, a mulher respirou fundo e abriu um sorriso largo.

- Eu vou pedir uma pizza para gente e deixar vocês duas mais à vontade.

- Pizza? Manhêêê! Eu te falei que ganhei dois quilos em Paris! Não dá para pedir uma salada?

- Não. E agora vou pedir com queijo extra e borda recheada.

- EU TE ODEIO E VOCÊ ESTÁ ARRUINANDO A MINHA VIDA! – Emily ainda enfiou a cabeça para o corredor enquanto gritava, mas Hilary apenas riu seguindo para as escadas até o andar inferior. – Ela é uma tragédia, sério! Uma mulher divorciada nessa idade nem deveria pensar em carboidratos!

- Vermont - 19d006067738bc39c52455b9d893a0199893e46a

Embora nem se lembrasse da última vez que tinha encontrado Liberty pessoalmente, Emily estava parecendo bastante à vontade. Mesmo com uma personalidade um pouco mais mimada e um tanto fútil, a menina tinha aprovado a ideia de ter mais uma pessoa naquela casa. Só que era difícil ignorar que suas expectativas tinham sido um tanto diferentes enquanto seu olhar deslizava pelas roupas simples ou o corte de cabelo comum da prima. Não que Emy fosse julgar ou menosprezar a garota, ela precisava apenas de alguns minutos para se “adequar” a realidade.

- Então, bem-vinda ao marasmo de Colchester! Mas não precisa se assustar, até dá para encontrar coisas legais por aqui! Eu vou te levar até o clube aos finais de semana. A galera também gosta de fazer passeios para as cidades vizinhas... Hmmm, quanto você veste? Eu acho que a minha saia deve caber em você... Para o teste de amanhã! As meninas da torcida vão adorar te conhecer! Eu vou te apresentar para TOOOODO mundo, pode deixar!
Emily Sinclair
Emily Sinclair
Admin

Mensagens : 52
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Dexter Thompson Sex Mar 01, 2024 4:51 pm

As batidas na porta foram suaves e educadas, apenas para chamar a atenção de quem estivesse dentro do quarto. Como ainda estava escuro lá fora e a o silêncio predominava na casa inteira, Justin Thompson não queria acordar a esposa ou o filho mais novo. Era óbvio que aquele gesto tão sutil não teria o poder de despertar ninguém que estivesse mergulhado em um sono reconfortante, mas o que Justin não esperava era que seu filho mais velho também estivesse dormindo.
 
Depois das batidas suaves, Justin aguardou alguns segundos e permaneceu atento a qualquer movimentação no interior do quarto, mas ainda era o silêncio que reinava. Ele tentou mais uma vez, e uma ruguinha de confusão surgiu entre as suas sobrancelhas quando ele ergueu o braço e consultou a hora no seu smartwatch. Eram 4:55 da manhã, o que significava que já tinham se passado cinco minutos do horário combinado.
 
- Dexter? Dex? Anda logo, não podemos nos atrasar. Você sabe que cada minuto conta.
 
Nada. Silêncio. Nem mesmo sombras passando por baixo da porta. Com um semblante intrigado, Justin girou a maçaneta e entrou no quarto do filho. As cortinas ainda estavam fechadas, as luzes apagadas e o volume por baixo das cobertas mostrava que Dexter não tinha despertado ainda.
 
Não havia nada de errado com um adolescente, no meio da madrugada, em plenas férias de verão, dormindo confortavelmente. Mas aquela cena fez o semblante de Justin se fechar. Foi possível ver a veia saltando no seu pescoço e ele apertou os lábios com força enquanto respirava fundo. Com passos duros, ele se aproximou da cama do filho e foi com um único movimento que arrancou as cobertas que envolviam Dexter.
 
- DEXTER!!! Mas que merda é essa??? Você não ouviu o despertador? Já são quase cinco da manhã!
 
Em um pulo, o coração de Dexter já estava disparado antes mesmo que ele abrisse os olhos. Os cabelos volumosos estavam completamente atrapalhados e seus olhos estavam inchados pelo sono, mas sua mente precisou trabalhar rápido para entender o que estava acontecendo.
 
- O que fooooi??? Onde é o incêndio???
 
- Eu vou mesmo tacar fogo na sua cama se você não levantar esse seu traseiro daí agora mesmo! – Justni ergueu o pulso e mostrou o visor digital do seu relógio. – Olha a hora!!! Você está atrasado para o treino!
 
- O que...? – Dexter pareceu confuso e puxou o próprio celular para conferir as horas. – Mas eu ainda estou de férias!
 
Dexter chegou a se arrastar para fora da cama e foi conferir o tempo pela janela. O céu ainda era uma imensidão escura demais, mas mesmo que ainda não tivesse sinal do nascer do sol, já era possível sentir a temperatura elevada, típica daquela estação do ano. Como tinha dormido sem camisa, Dex precisou reagir rápido quando o pai lhe arremessou uma roupa na sua direção, e com seus bons reflexos, o rapaz a agarrou sem dificuldade.
 
- O seu cérebro pode estar de férias, mas o seu corpo não entende o que é isso! Você precisa treinar ou vai voltar as aulas completamente fora de forma! É isso o que quer? Perder o campeonato no seu último ano porque estava com preguiça demais para sair da cama!
 
Justin não era exatamente um pai agressivo que desprezava o filho ou se esforçava para tortura-lo gratuitamente. Pelo contrário, era exatamente a imensa expectativa que tinha sobre Dexter e o futuro promissor como jogador de futebol americano que acabava pesando e fazendo com que o Sr. Thompson fosse mais rígido do que o necessário na rotina do seu primogênito.
 
- Qual é, pai! Só hoje! A minha cabeça está estourando!
- Vermont - 8b2fa296438677116425a3735c0eeaf56f11d04d

Dexter não tinha problemas com aquela rotina mais puxada. Justin controlava a sua alimentação, seus horários de treino, acompanhava de perto a sua evolução e sua performance. E seria mentira dizer que ele se irritava com tudo aquilo. Poderia ser um pouco chato, mas Dex sabia que o pai estava fazendo tudo aquilo para o seu bem, e ele também sabia que precisava se esforçar para garantir sua vaga em uma boa universidade. Porque se dependesse das suas notas, era pouco provável que Dex fosse muito além de uma simples faculdade comunitária.
 
Mas como qualquer adolescente comum, Dex também queria ter uma rotina simples, pelo menos naquelas semanas de férias. Curtir com os amigos, sair para festas, perder tempo com garotas e até alguns copos de bebida. Com uma posição de destaque dentro do time de futebol da escola, dono de uma aparência invejável e de um sobrenome altamente conhecido em Colchester, Dexter não tinha dificuldade nenhuma para se destacar nos eventos sociais. Aliás, ele era sempre uma figura bastante requisitada e popular em qualquer grupinho da Mount Mansfield Union High School e durante as férias era o melhor momento para aproveitar toda aquela fama.
 
- Vermont - F6960529a4251a4bd3c4359e894d6bbace8c9b49
 
- O nome disso é ressaca. Eu nem vou contar para a sua mãe que você bebeu ontem porque é capaz dos gritos dela chegarem até Burlington, então se vista logo! São sete quilômetros, e só vou pegar leve hoje por causa dessa ressaca, mas você ainda estará em déficit para fechar a planilha de corrida do mês!
 
Com um gemido derrotado, Dexter enfiou a camisa pela cabeça e puxou os tênis largados sob a cama antes de se entregar ao treino, sabendo que não tinha outra saída.
 
***
 
O sol já tinha despontado no horizonte e aumentado ainda mais a temperatura quando Dexter voltou a enxergar a mansão dos Thompson ao fim do treino. Os sete quilômetros iniciais tinham se tornado dez, com alguns trechos de corrida com inclinação. Normalmente Dex fazia aquele trajeto com mais facilidade, mas o cansaço por ter dormido tarde depois de uma festa agora se refletia naquele esgotamento físico.
 
Suas bochechas estavam um pouco vermelhas e algumas mechas dos cabelos cacheados grudavam na sua testa e na sua nuca. Depois de diminuir o ritmo, Dexter aceitou uma garrafa de isotônico oferecida pelo pai e apenas caminhou pelos metros que restavam até a entrada da casa.
 
Para um homem de quase meia idade, era impressionante como o Sr. Thompson conseguia acompanhar o ritmo do filho. Além de ter sido atleta na sua juventude, Justin era o tipo vaidoso que sabia muito bem como cuidar da própria imagem. Em Colchester, Justin Thompson era uma espécie de celebridade. Apresentador de um programa local sobre esportes, não havia um único cidadão na cidade que não se derretesse pelos seus encantos. E claro que, como tal, Justin sustentava uma família perfeita e impecável.
 
Embora também não fosse mais uma mocinha, Alma Thompson era uma figura que chamava atenção por onde passava. Com cabelos longos, um corpo escultural que ela não costumava esconder, reforçando com roupas curtas e decotadas. E claro, muito além da aparência bela e chamativa, a Sra. Thompson tinha uma personalidade forte, um vozeirão alto, era risonha e simpática, mas sem filtrar o que pensava.
 
O casal Thompson havia tido o primeiro filho, Dexter, ainda muito novos e recém-casados, então a diferença de idade com Eric, o filho caçula, era de quase dez anos. E era impressionante como os dois garotos se davam tão bem, em exemplo de cumplicidade e implicância que era difícil de encontrar em qualquer lar.
 
Dexter estava acostumado a ouvir dos amigos o quanto todos estavam entediados e queriam ir embora de Colchester, então muitas vezes ele se sentia constrangido em dizer que amava aquele lugar. A calmaria, as belezas naturais, as mudanças climáticas. Talvez fosse a sua boa vida, a popularidade da família e o conforto em que viviam, mas Dex sentia que aquele era o melhor lugar do mundo. Começando pela sua casa.
 
- Vermont - 10
 
A construção era antiga, mas os Thompson tinham cuidado de toda manutenção e reforma necessária para que a imensa casa continuasse bonita e principalmente com as características de um lar feliz. O jardim estava sempre bem cuidado por um jardineiro, a piscina aquecida era um atrativo extra para muitos dos seus amigos que vinham visitar e todos os cômodos eram bem decorados e amplos.
 
Dex ainda estava com o suor escorrendo pelo rosto quando entrou pela porta da cozinha, acompanhado pelo pai. Usando um robe lilás sobre a camisola, Alma girou a cabeça na direção do marido e do filho mais velho com um olhar perdido e depois se inclinou na direção do teto.
 
- Queeee??? Vocês dois já saíram e estão voltando? Eu achei que você ainda estivesse dormindo, cariño!
 
- O papai me levou para correr.
 
Dexter passou pela mesa de café da manhã, depositou um beijo sobre os cabelos da mãe e bagunçou os cachos do irmão mais novo, ainda vestindo pijamas. Enquanto o rapaz se aproximava da fruteira para pegar uma banana, Justin também se inclinou na direção de Alma e depositou um beijo sobre os lábios dela, cuidadoso para não sujar a esposa. Mas Alma sequer moveu os lábios e estreitou os olhos enquanto encarava o marido com um olhar homicida.
 
- Justin, amor... Nós não conversamos sobre deixar o Dexie descansar durante as férias?
 
- Foi só um treino leve, docinho! Ele não pode perder o ritmo, o corpo dele não sabe que está de férias! Você sabe como são essas coisas!
 
- MAS QUEEEE! Ele é só um niño, Justin!!!
 
Mesmo acostumado com os gritos da mãe ou com a mistura do espanhol e o inglês que acontecia frequentemente naquela casa, Dexter encolheu os ombros e trocou um olhar divertido com Eric quando os pais começaram a mergulhar em uma discussão um tanto exaltada e igualmente hilária. Porque era ridículo assistir o popular e rigoroso Justin Thompson se encolhendo diante dos gritos da mulher.
 
- Ele não é um garotinho, mesmo que você ainda o trate dessa forma, Alma! E por que está gritando??? O treino foi ótimo, conta para ela, Dex!
 
- QUEM ESTÁ GRITANDO AQUI? EU NÃO ESTOU GRITANDO, ESSE É MEU TOM DE VOZ NORMAL! VOCÊS ACHAM QUE ESTOU GRITANDO???
 
Foi ainda mais hilário quando os dois filhos de Alma também se encolheram, mas sem conseguir esconder os lábios espremidos de quem pretendia segurar o riso. Contrariada ao precisar aceitar que estava mesmo gritando, Alma fez um biquinho e se encolheu no robe, ficando de pé para conseguir falar com o marido.

- Vermont - A351c35e0c6ddeb04a2fa65daf51c8ee2c3b02db 
 
- Eu só estou dizendo que você não precisa ser tão duro assim!
 
- E você não precisa ser tão mole assim. Só falta você mastigar a comida e colocar na boca desses meninos para eles não se engasgarem, Alma! Os dois precisam ter disciplina para encarar a vida e serem homens fortes!
 
- Aaaaaarg, que papo mais machista!
 
- Mãe, pai, relaxem, tá legal? – Dexter abriu os braços e chamou a atenção para si. – O papai tem razão, o treino não foi tão ruim assim. Eu só preciso de um analgésico e um banho gelado.
 
- UM ANALGÉSICO??? JUSTIN, VOCÊ DEIXOU O MEU BEBÊ CORRER COM DOR??? QUE TIPO DE MONSTRO É VOCÊ???
 
***
 
A rotina com a volta das aulas costumava ser mais puxada. Além dos treinos oficiais do time e das planilhas extras de exercício que Justin construía para o filho, Dexter precisava administrar também as aulas e a sua vida social. E de tudo aquilo, suas notas escolares não costumavam entrar como prioridade.
 
Não que Dexter fosse completamente relaxado ou displicente com a parte acadêmica da sua vida, mas não importava o quanto ele se esforçasse, parecia impossível entregar um bom trabalho ou realizar uma boa prova. Quando se colocava diante dos livros, Dex se via tomado por um sono incontrolável, o celular acabava se tornando um atrativo maior e em questão de minutos ele se esquecia das fórmulas e cálculos para se concentrar nas redes sociais.
 
Mas a melhor parte de estar de volta para a MMU com certeza era o convívio diário com seus amigos. Hunter Timmons e Chad Clifford eram os seus melhores amigos desde que Dexter podia se lembrar. No começo, era a paixão pelos esportes que tinha aproximado os três, ainda crianças. Mesmo que Hunter e Chad preferissem o basquete e que Hunter fosse o capitão do time de futebol, eles sempre tiveram assuntos em comum e a amizade surgiu com naturalidade, criando raízes profundas.
 
Fora da sua família, aqueles dois rapazes eram quem Dexter considerava serem suas pessoas favoritas no mundo todo. As risadas vinham com facilidade, e mesmo se tratando de três adolescentes, era impressionante o respeito e a admiração que tinham um com o outro, sabendo que poderiam contar com eles sempre que precisassem.
 
- Tá beleza, vamos ver aqui uma coisinha...
 
Dexter interrompeu os passos antes que os três entrassem na propriedade da escola e puxou o celular. Já sabendo o que ele queria fazer, os outros dois imitaram o gesto e abriram o aplicativo da escola com a grade de aulas que cada um tinham recebido. Como se tratava de um colégio de elite, as disciplinas iam muito além da separação entre Matemática, Física ou Biologia. A maioria das turmas eram comuns para todo o grupo, mas algumas delas eram separadas pelos níveis “Básico” ou “Avançado”. E era ali que entrava a maior separação de Dexter com os amigos.
 
Chad flutuava entre alguns níveis, mas tinha predominantemente as turmas mais avançadas. Enquanto Dexter raramente se empenhava para sair dos níveis básicos. As regras também eram simples: qualquer aluno poderia se inscrever na turma que desejasse, mas era preciso manter as notas alvo ou obrigatoriamente seria “rebaixado” do Avançado para o Básico. Assim como um aluno que se destacasse demais nas turmas básicas poderia ser convidado para uma turma Avançada.
 
- Beleza, estamos juntos em todas as aulas de segunda, quarta e quinta. Mas o Chad pegou a turma Avançada de Química... Safadinho.
 
Dex interrompeu a análise para fazer o gesto de fumar um baseado no ar, insinuando de onde vinham os talentos de “Química” do amigo. Depois de levar um soquinho no ombro, Thompson continuou.
 
- O Tim e eu estamos juntos na terça também. Mas sexta eu tenho Laboratório de Tecnologia com o Sr. Alfred.
 
- Que porra é essa, Dex? Turma avançada de tecnologia? Desde quando você se interessa por isso?
 
- Eu preciso aumentar minha pontuação para continuar no time e todos obrigatoriamente precisam de pelo menos duas turmas avançadas. Essa era a mais fácil! - Diante dos olhares descrentes dos amigos, Dexter explicou seu ponto de vista. – Qual é! É basicamente saber mexer em um computador! E eu sou o ninja das redes sociais, lembram aquele vídeo que editei para o convite da festa que a Emy organizou no final do ano passado?
 
- Eu acho... Só acho mesmo... Que o Laboratório de Tecnologia vai um pouquinho além dos seus talentos com as redes sociais ou aquela vez que você “consertou” o notebook da sua mãe com um soquinho.
 
- Bobagem! Vocês vão ver só, tudo sob controle! – Dexter enfiou o celular no bolso e se colocou entre os dois amigos, deslizando um braço por cima de cada ombro enquanto abria um sorriso para a grande escola diante deles. – Preparados para o último ano? Porque eu prometo que esse vai ser o meu melhor reinado!
 
- Pffff, lá vem você de novo com essa história de reinado. – Chad caçoou, trocando um olhar debochado com Hunter.
 
Mas, ao invés de rebater os amigos, Dexter apenas endireitou o tronco e abriu um sorrisinho torto, deixando que a “resposta” viesse das outras pessoas. E a cada passo, não havia uma única pessoa que não acenasse de longe, arrastando as vogais para dizer “Ooooi, Deeex” ou “Como foi o verão, Dexter?”.
 
***
 
- Chad, cara... Você está fazendo aquilo outra vez.
 
- Aquilo o que? – Chad sequer desviou o olhar do outro ponto do refeitório enquanto afundava suas batatinhas no potinho de molho.
 
- Aquilo de derrubar sua baba toda vez que ela está por perto. Tim, me ajuda aqui!
 
Como estava ao lado de Chad, foi Hunter quem segurou o queixo do amigo e o obrigou a desviar a atenção do ponto onde Emily Sinclair estava. E mesmo com as bochechas coradas, o rapaz fechou o semblante e tentou se defender.
 
- Eu só estava tentando descobrir quem é a aluna nova! Estou fazendo um favor para você, já que a novata vai pra sua lista!
 
- Não sei, não. Esse lance de ruivas não é muito a minha praia, vocês sabem que eu prefiro...
 
- É, loiras platinadas, você deve saber até o número da tinta certa que elas usam no salão, porque são TODAS iguais.
 
- Que calúnia! – Foi a vez de Dex se defender, interrompendo o gesto de levar um garfo de macarrão até a boca. Mas logo denunciou a brincadeira com um sorrisinho torto. – Todo mundo sabe que eu prefiro as loiras naturais.
 
- Quer uma boa notícia? – Chad voltou seu olhar até a fila onde Emily estava, pegando seu almoço. – A novata é beeeem interessante. A má notícia é que não é loira.
 
Dessa vez Dexter se rendeu a curiosidade de virar a cabeça na direção dos cabelos vermelhos de Emily. Ele estreitou um pouco os olhos até notar aquele único rostinho desconhecido, o que fazia com que Liberty praticamente tivesse uma tatuagem de “novata” na testa. Como se estivesse diante de uma vitrine analisando um produto exposto no mercado, Dex tombou a cabeça para o lado e franziu o queixo, soltando apenas um “hmm”.
 
- Heey, Emily! – Chad acenou quando a ruiva passou próxima da mesa ocupada pelos rapazes. – Quer sentar aqui? Tem espaço para vocês!
 
Não era bem uma verdade. Uma mesa ocupada por Dexter Thompson não costumava ficar com lugares vagos. Além de alguns colegas de time, outras garotas com roupas curtas e sorrisinhos insinuantes se enfileiravam por perto, ansiosas por um pouco de atenção. Mas quando Chad afirmou que teria espaço, rapidamente algumas pessoas começaram a se espremer para surgir dois lugares.
 
Com um narizinho empinado e um ar de dúvida, Emily analisou os rostos ao redor enquanto decidia se optaria pela boa convivência com o ex-namorado ou faria uma ceninha. Por fim, ela fez um gesto para que a morena ao seu lado a acompanhasse e as duas colocaram suas bandejas nos lugares novos.
 
- E aí? Não vai apresentar sua amiga?
 
- Por que? Está tão interessado assim, Chad?
 
Embora tivesse cedido ao convite do ex-namorado, a entonação mais ríspida de Emily mostrava que os dois ainda não estavam em um bom momento, e foi para aliviar a barra do amigo que Dexter interviu, usando um dos seus melhores sorrisos.
 
- Oi! Eu sou o Dex. Dexter, mas todo mundo me chama de Dex. Não use a Emily como régua, nem todo mundo aqui na MMU parece prestes a jogar um balde de sangue sobre a cabeça de alguém em uma reprise de Carrie, a estranha. Você é a aluna nova, né? E aí, o que está achando de Colchester?
Dexter Thompson
Dexter Thompson
Admin

Mensagens : 50
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Liberty Bloomfield Sex Mar 01, 2024 8:54 pm

Logo de cara era possível notar que, apesar de algumas semelhanças, Hilary e Emily tinham em Colchester uma realidade bem distinta da rotina de Kate e Liberty em Seattle. Mãe e filha também moravam sozinhas no interior de Vermont e Emily não recebia muito suporte ou apoio do próprio pai, mas as semelhanças paravam por aí. Bem diferente do apartamento minúsculo que o salário de Kate podia bancar, Hilary dividia com a filha uma casa espaçosa e confortável em Colchester. E a vista para o lago também era bem diferente dos prédios e do céu acinzentado que Libby enxergava sempre que abria a janela do seu quarto em Seattle.

Ao invés de se incomodar com as diferenças, Liberty preferiu focar nas vantagens do seu novo lar. Sem as buzinas das avenidas movimentadas de Seattle seria ainda mais fácil se concentrar nos estudos. O ar mais puro do interior certamente reduziria as crises de alergia e Libby não precisaria mais usar o inalador para asma com tanta frequência. O fato de Colchester ser uma cidade tão pequena tornaria tudo mais fácil, Liberty perderia menos tempo no trânsito e teria ainda mais horas livres para se dedicar à tumultuada grade de horários naquele último ano no colégio.

Como de costume, a mente analítica da menina já estava totalmente focada naquela nova realidade e Libby estava tão concentrada nos próprios planos que ela não deu muita atenção a Hilary e Emily enquanto deslizava os olhos pelo quarto e reconhecia as vantagens daquele novo ambiente. E provavelmente foi por estar com os pensamentos tão distantes dali que a garota demorou a entender até onde a prima queria chegar com aquela conversa sobre saia, teste e torcida. Por alguns segundos, Liberty pousou os grandes olhos castanhos em Emily como se a prima tivesse acabado de falar alguma coisa em russo. Mas logo aquela expressão confusa foi substituída por um quase imperceptível semblante de diversão. Apenas os cantinhos dos lábios de Libby se curvaram e ela conseguiu conter a risada que queria sair de dentro dela diante da mera possibilidade de fazer um teste para se juntar às líderes de torcida do novo colégio.

- Vermont - Tenor

- Ahn... Eu agradeço, mas não pretendo fazer o teste, Emily. Com certeza eu não tenho o perfil para me tornar uma líder de torcida.

Existia mesmo um "perfil" no qual Liberty não se encaixava. O fato de ser tão baixinha era um ponto negativo para Libby, mas o que realmente fazia a garota não se encaixar no estereótipo das líderes de torcida era a sua imagem e principalmente a sua personalidade. Geralmente as meninas que se enquadravam naquele grupinho eram garotas populares, vaidosas, com corpos esculturais, cabelos longos e personalidades leves e divertidas. E Liberty certamente não via em si mesma nenhuma daquelas qualidades.

Não havia nada errado nas palavras escolhidas por Liberty, afinal nem todas as meninas desejavam o tão cobiçado papel de líder de torcida. Mas a verdade é que Bloomfield estava fazendo um grande esforço para não demonstrar o desprezo que ela sentia por aquela atividade. Não era nem um pouco justo fazer um pré-julgamento e concluir que todas as meninas que se interessavam pela torcida eram burras, vaidosas, egocêntricas, fúteis e superficiais, mas Emily definitivamente não estava ajudando a mudar a visão preconceituosa de Libby. As roupas da moda, os cabelos esvoaçantes, a maquiagem impecável, o papo sobre Paris e carboidratos só serviam para reforçar ainda mais a impressão negativa que Liberty tinha sobre as líderes de torcida.

Aliás, o pré-julgamento sobre Emily havia começado antes mesmo que Libby pisasse em Vermont. Por tudo o que Hilary falava sobre a filha e pelas redes sociais repletas de fotos de viagens, roupas e festas, Liberty já tinha decidido que ela e a prima não seriam boas amigas antes mesmo de conhecer Emily. Era óbvio demais para Libby que as duas tinham personalidades distintas e objetivos totalmente diferentes para seus respectivos futuros. Mas isso não significava que Liberty pretendia encarar a prima como uma adversária. Muito pelo contrário, tudo o que Libby queria era paz naquele último ano no colégio. E morar sob o mesmo teto de uma garota popular que poderia infernizar a vida dela não estava nos planos de Liberty. As duas não precisavam ser amigas inseparáveis, mas Libby estava disposta a ser gentil, cuidadosa com as palavras e paciente para não declarar uma guerra contra a garota mais popular do seu novo colégio.

- Não me entenda mal, eu não tenho nada contra as líderes de torcida. Mas é que me falta a habilidade necessária para fazer o que vocês fazem, entende? Eu não sou alta e nem flexível. Na verdade, eu sou muuuuito atrapalhada, uma verdadeira tragédia! Acho que quebraria o pescoço na primeira pirueta que tentasse fazer!

Diferente de qualquer estudante prestes a entrar num novo colégio, Liberty não estava preocupada e nem ansiosa para fazer novos amigos, para se enturmar ou ser convidada para festinhas ou passeios. Qualquer novata agarraria com unhas e dentes a chance de se tornar amiga de uma garota popular como Emily, mas Libby logo deixou bem claro que a maior parte dos seus planos não incluía a prima. As duas eram tão diferentes que Liberty parecia ter se inscrito em todas as atividades extracurriculares que Emily riscou do seu quadro de horários.

- Além disso, eu já preenchi todos os meus horários. Além da grade obrigatória, eu me matriculei para a monitoria e nas aulas de espanhol avançado, xadrez e pintura. Como eu sei que o meu currículo ficaria incompleto sem uma atividade física, eu também me inscrevi para a turma de cross country...

Nem foi preciso que Emily dissesse nada. Só a caretinha que surgiu no rosto da garota já deixou bem claro que o cross country definitivamente não era uma das atividades mais populares do colégio, principalmente dentre as meninas. Uma atividade ao ar livre, sob o sol e que vinha acompanhada pelo risco de se sujar na natureza já bastava para afastar qualquer patricinha mimada e era justamente essa a "vantagem" que Libby mais gostava naquela modalidade esportiva.

- Mas as aulas extras que eu estou esperando com mais ansiedade são as de robótica e o laboratório de tecnologia! Na minha antiga escola, as aulas de informática eram basicamente para aprender digitação e códigos do excel, mas eu vi que na MMU tem professores de programação e análise de softwares. Eu já tenho o esboço de vários app's que criei sozinha, mas preciso de um orientador para me ajudar a corrigir alguns bugs. Quero estar com pelo menos um dos meus projetos totalmente pronto quando fizer a minha inscrição para Princeton!

Princeton ocupava atualmente o terceiro lugar no ranking das melhores universidades da Ivy League, perdendo apenas para Harvard e Yale. Mas havia duas razões para que Libby colocasse Princeton no topo das suas prioridades. Em primeiro lugar, os cursos de informática e tecnologia de Princeton eram os melhores do país e vinham recebendo as notas mais elevadas nos últimos anos. Além disso, Jeff Wooton era um ex-aluno de Princeton. Talvez num gesto inconsciente, Liberty queria seguir os mesmos passos do pai na tola esperança de que isso finalmente fizesse Jeff sentir orgulho dela e mudar a maneira distante como tratava a filha.

Independente das motivações da garota ou da posição de Princeton no ranking universitário, o ingresso em uma das universidades da Ivy League era um grande desafio. E, para alguém que vivia numa realidade tão humilde quanto Liberty, a única forma de realizar aquele sonho era através de uma bolsa de estudos integral. Além das notas impecáveis, Libby tinha que se esforçar para ter um currículo bem completo e se preparar para ter um excelente desempenho na entrevista. Portanto, se Liberty quisesse mesmo ter uma mísera chance de ser aceita em Princeton, aquele último ano em Colchester precisava ser perfeito. Diferente de qualquer garota de dezessete anos, ela não estava ali para se divertir, fazer amigos ou se interessar por garotos. O ÚNICO objetivo de Libby era ir para Princeton e a garota estava totalmente focada naquele grande desafio.

- Eu realmente te agradeço por estar sendo tão legal comigo, Emily. Mas eu não vou ter tempo para clubes, passeios ou festas. Você entende, né? Princeton jamais vai me dar uma bolsa integral se as minhas notas e o meu currículo não forem perfeitos e é só nisso que eu pretendo me focar neste ano.

***

Depois de tantas pesquisas e de já ter memorizado o mapa e todos os programas oferecidos pelo colégio, Liberty não parecia uma típica novata completamente perdida quando pisou pela primeira vez no Mount Mansfield Union High School. Todos os rostos ao seu redor eram desconhecidos, mas ainda assim Libby se sentiu estranhamente à vontade em todas as aulas que frequentou naquela primeira manhã.

Para construir o currículo perfeito que ela tanto almejava, Libby obviamente escolheu os níveis avançados de todas as disciplinas para as quais se matriculou. Logo nas primeiras aulas já foi possível notar que o nível de cobrança do MMU era infinitamente superior ao antigo colégio público que Bloomfield frequentava em Seattle, mas isso não intimidou a novata. Pelo contrário, Liberty teve ainda mais certeza de que mudar-se para Colchester tinha sido uma ótima decisão e um importante passo que a colocaria ainda mais perto de Princeton.

Libby estava longe de ser uma Hermione Granger que sacudia a mão freneticamente no ar a cada pergunta feita pelos professores, mas não foram necessárias muitas aulas para que a novata mostrasse que era inteligente e competitiva. Depois que Liberty foi a única aluna que conseguiu solucionar uma equação complexa na aula de Matemática e também foi a primeira a terminar o teste surpresa de Física, um certo burburinho já corria pelo colégio sobre a “prima nerd da Emy”.

Era bem provável que uma garota popular como Emily não quisesse associar a sua imagem a uma nerd. Mas, para surpresa de Libby, a prima estava esperando por ela ao fim das aulas da manhã para que as duas almoçassem juntas. A única explicação era que Hilary estava forçando a filha a dar aquele apoio para a prima recém chegada à cidade, mas havia uma parte de Liberty que se sentia grata por não ter que enfrentar o refeitório sozinha naquele primeiro dia no MMU.

Como na maioria dos colégios, era bem fácil enxergar a divisão dos grupinhos nas mesas dos refeitórios. Os nerds ficavam mais no fundo e aproveitavam o intervalo do almoço para colocar alguma leitura em dia em seus respectivos tablets. Havia uma mesinha com a galera mais alternativa onde era possível ver alunos com piercings, cabelos coloridos e roupas despojadas. As líderes de torcida (obviamente uniformizadas) ocupavam uma das melhores mesinhas e é claro que elas tinham escolhido um lugar bem próximo dos atletas.

Depois de servir a sua bandeja com o almoço, Libby já estava reunindo coragem para enfrentar as conversas fúteis da mesinha das patricinhas desmioladas quando foi surpreendida pelo convite de Chad Clifford. O climinha estranho entre Emily e o rapaz já acendeu um sinal de alerta dentro da cabeça de Libby e não foi tão difícil assim para a novata concluir sozinha que existia uma situação mal resolvida entre aqueles dois.

- Oi. – também ignorando o clima estranho entre o casalzinho, Libby tentou se concentrar no restante da mesa – Eu sou a Liberty. Liberty Bloomfield. Eu cheguei em Colchester ontem, então acho que ainda é cedo para já ter uma opinião formada. Mas a primeira impressão da cidade é muito positiva. A do colégio também.

- Ah, você deve estar adorando o colégio mesmo... – na mesa ao lado, uma das garotas com traços orientais e uniforme da torcida se inclinou na direção da mesinha dos atletas para soltar uma alfinetada num tom irônico e venenoso – Já na primeira aula ela atropelou a turma inteira pra ser a primeira a entregar o teste surpresa e ganhar pontos extras com o professor de Física. Sabe como chamamos isso por aqui? Puxa-saco.

Aquela alfinetada seria o bastante para deixar uma garota tímida completamente travada e constrangida. Mas ao invés de reagir como um bichinho assustado ou tentar justificar o seu comportamento, Liberty apenas arqueou de leve as sobrancelhas e devolveu um olhar firme para a garota que a provocara, encarando-a de cima a baixo com um semblante desdenhoso antes de tomar a palavra.

- Vermont - Giphy

- É Pamela o seu nome, né? Me desculpe, Pamela. Me desculpe meeeesmo. – Libby conseguiu soar ainda mais debochada que a outra menina – Eu realmente não conheço todas as regras do MMU e ninguém me avisou que aqui os novatos precisam fingir que são otários. Da próxima vez eu vou fingir que não sei todas as respostas, só assim você pode ter alguma chance de ser a primeira a entregar o teste e ganhar os pontos extras.
Liberty Bloomfield
Liberty Bloomfield
Admin

Mensagens : 51
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Sex Mar 01, 2024 8:56 pm

- A sua prima é uma vaca fria e venenosa, Emily...

Por um breve momento, pareceu que Hunter estava ofendendo a novata em defesa de Pamela. E a menina coreana de fato virou o rosto na direção de Timmons com um nítido brilho de gratidão no olhar. Mas, contrariando as expectativas de Pamela, Hunter completou o seu discurso erguendo o polegar em aprovação, com um sorrisinho relaxado e divertido nos lábios.

- Vermont - 1f28e1609f5f141bf9f65a63013940cd

- Gostei dela! A propósito, eu sou o Hunter. – o rapaz estendeu a mão por cima da mesa para cumprimentar a novata – Este é o Chad e você já conheceu o Dexter. E o gigantesco elefante branco que divide a mesa conosco hoje é o fim do namoro recente e mal resolvido entre o Chadzinho e a sua prima. Geralmente é isso que rola quando um namoro termina com putaria, gritos e baixaria. Você deveria ter chegado em Colchester algumas semanas atrás, perdeu um graaaande espetáculo!

- Ah, saquei. – Libby novamente soou com ironia – Eu já tinha percebido, mas foi muito gentil da sua parte explicar a situação tão detalhadamente e aumentar ainda mais o constrangimento dos dois...

- Disponha, eu estou aqui pra isso!

Não era um segredo para ninguém que o namoro entre Chad e Emily não havia terminado bem. Aliás, era bem difícil esconder qualquer tipo de segredo em uma cidade tão pequena como Colchester. Mas era por ser um dos amigos mais próximos de Chad que Hunter sabia que o rapaz ainda estava mal e nutria esperanças de uma reconciliação. Mas nem isso fez com que Timmons conseguisse conter a piadinha maldosa sobre o ex-casalzinho.

- Então vocês são atletas? – a mudança de assunto foi uma tentativa de Liberty em tirar o foco da situação delicada da prima – Futebol?

Não era difícil chegar à conclusão de que aquela era a mesinha dos atletas. Além da óbvia popularidade do trio de garotos, Chad e Dexter usavam jaquetas esportivas com as cores do colégio. E foi o ex-namorado de Emily que respondeu, visivelmente grato pela mudança de assunto.

- O Dex sim. Já eu estou no time de basquete. – Chad não perdeu a chance de implicar com o amigo – Faltaram uns vinte centímetros pro Dex ser um jogador de basquete decente, mas ele compensou isso com os músculos e a velocidade que um jogador de futebol precisa ter.

- E você? – Libby voltou a atenção novamente para Hunter e provavelmente usou a estatura do rapaz como parâmetro para fazer aquela suposição – Basquete também?

O elefante branco que simbolizava o fim conturbado do namoro entre Chad e Emily se transformou num pequeno bibelô perto da onda de constrangimento que se seguiu à pergunta de Liberty. A novata percebeu que havia dito algo MUITO errado quando todos arregalaram os olhos e seguraram o ar dentro dos pulmões, sem saber o que dizer. Depois de alguns segundos de um silêncio pesado, foi Timmons que respondeu e era notável que o sorriso nos lábios dele já não parecia mais tão leve e natural.

- Eu era do time de basquete. Não sou mais.

Hunter não viu nenhum problema em expor a intimidade de Emily e Chad e revelar detalhes sobre o fim do namoro do casalzinho. Mas a postura tagarela dele mudou quando o foco se voltou para os seus próprios problemas. E Liberty percebeu que o assunto era sério quando nenhum dos colegas se atreveu a fazer uma piadinha ou explicar melhor os motivos para a saída de Hunter do time.

Além da seriedade do tema, era evidente que os amigos temiam que Timmons reagisse mal. Embora fosse um rapaz divertido e bem humorado, nos últimos tempos Hunter já havia protagonizado várias brigas e explosões que mostravam que a personalidade dele já não era mais tão dócil e gentil como no passado. O garoto exemplar que era um motivo de orgulho para Colchester havia se transformado num grande problema e agora até os amigos mais próximos pareciam temer os rompantes de raiva do rapaz.

Mas, contrariando o clima tenso que se espalhou pela mesinha, aquele assunto delicado não fez Hunter explodir. Ao invés disso, Timmons alargou um sorrisinho mais irônico enquanto puxava a mochila largada no chão.

- Mas tudo bem. Relaxem. Eu estou tentando ser o cara que vê o copo meio cheio. Literalmente cheio, se é que me entendem... Existem pontos positivos em não estar mais no time, sabiam? – como resposta, Hunter tirou de dentro da mochila uma garrafinha térmica – Por exemplo, eu não poderia fazer isso se tivesse treino hoje à tarde.

Mesmo que Hunter não tivesse explicado o que havia dentro da garrafa, todos ao redor foram capazes de sentir um cheiro forte de álcool quando o rapaz retirou a tampa e tomou um gole generoso da bebida. As duas meninas obviamente ficaram chocadas, mas até mesmo os dois amigos mais próximos de Timmons se mostraram surpresos com a audácia de Hunter em levar (e consumir) uma bebida alcoólica dentro dos limites do MMU.

Mesmo que o pai do rapaz fosse um homem rico e bastante influente na região, nada evitaria que Hunter fosse expulso do MMU depois de quebrar uma regra tão importante como aquela. Ou que ele fosse preso caso o xerife o pegasse dirigindo embriagado pela cidade.

- Okaaaay... – como um bom amigo, Chad puxou a garrafinha para fora das mãos de Hunter e evitou que o rapaz tomasse um segundo gole – Você pode não ter treino, mas vai ter outras aulas no período da tarde. E, se você fizer essa merda, nós vamos apelidar o seu carro novo de Rapunzel porque o seu pai vai trancafiá-lo no alto de uma torre quando souber que você saiu por aí dirigindo bêbado, Tim!

Era notável que as intenções de Chad eram as melhores possíveis. Clifford só estava sendo um bom amigo ao evitar que Hunter se metesse em uma grande encrenca no colégio ou acabasse perdendo o presentinho que o pai lhe dera. Mas ao invés de um agradecimento, Timmons reagiu com um estreitar de olhos que fez o amigo congelar. E Chad apenas obedeceu quando viu Hunter estendendo a mão na direção dele, numa ordem muda para que a garrafinha fosse devolvida.

Os dois melhores amigos de Hunter apenas trocaram um olhar derrotado enquanto assistiam Timmons tomar mais várias goladas da bebida. E se nem Chad e Dexter sabiam mais o que fazer para frear o comportamento irresponsável e inconsequente de Hunter era porque o rapaz estava mesmo muito perto de se tornar um caso perdido.

Com uma sombra de preocupação cobrindo seu rosto, Chad tentou forçar um sorriso e se focar novamente nas meninas. Os olhos dele procuravam insistentemente pela ex-namorada, mas ele se esforçou para dirigir as perguntas às duas.

- E então? Animadas para o último ano? O que vocês escolheram para as grades extras? – Chad franziu de leve as sobrancelhas numa expressão reflexiva antes de completar – Aposto que a Emy vai batalhar pela liderança da torcida. E a novata, com esse jeitinho de nerd, provavelmente vai se juntar aos esquisitões da robótica.

- Touché, Sherlock! – ao invés de ofendida, Libby respondeu com naturalidade – O grupo de robótica e o laboratório de tecnologia estão no topo da minha lista de prioridades para este ano.

- Uuuuh, é mesmo? – Chad trocou um olharzinho debochado e sugestivo com Dexter – Você também curte redes sociais, edições de vídeos...?

- Ahn... não mesmo. Mas isso nem faz parte do programa das aulas, estamos falando de tecnologia AVANÇADA! – Liberty fez uma pequena pausa antes de emendar – Eu gosto de programação e desenvolvimento de softwares. Já escrevi o código e construí o arcabouço de alguns app’s, mas ainda preciso finalizar o projeto e imagino que essas aulas vão me ajudar a solucionar alguns bugs.

As sobrancelhas de Chad se ergueram e ele apertou os lábios para segurar uma risada e um comentário maldoso. Hunter, por outro lado, verbalizou para toda a mesa o pensamento que povoava a mente dos três rapazes.

- “É basicamente saber mexer em um computador...” – Timmons repetiu as palavras do amigo com um ar debochado – Onde a gente compra os ingressos pra ver o Dex, o “ninja das redes sociais”, ser atropelado, humilhado e devorado nas tais aulas de tecnologia avançada? – a garrafinha de bebida foi empurrada na direção de Thompson – Toma. Você vai precisar mais disso do que eu, cara.
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Emily Sinclair Seg Mar 04, 2024 3:00 pm

Existia uma pequena diferença de idade entre Emily e Claire, mas o verdadeiro abismo entre as duas era por causa das personalidades opostas. Mesmo assim, irmãos que não tinham muita coisa em comum ainda eram capazes de serem amigos. No passado, quando Emily era apenas uma criança, ela tinha admirado a irmã mais velha, encantada com a inteligência e o jeitinho sempre tão sério da primogênita. Mas conforme as duas foram crescendo, muito além de distanciamento, uma guerra foi declarada.

Era difícil voltar no tempo e apontar exatamente o momento em que tudo tinha desandado. Mas tudo se resumia nas críticas que uma apontava na outra. Claire começou a se incomodar com o jeitinho mais fútil e vaidoso da irmã, na atenção que ela chamava para si e como tudo parecia cair facilmente nas suas mãos só por distribuir sorrisos e elogios. Emy, por outro lado, se sentia julgada pela irmã e retribuía provocando a sua falta de estilo ou a obsessão com os estudos e o trabalho.

Por um instante, quando conheceu Liberty pessoalmente pela primeira vez, um alerta ecoou dentro da cabeça de Emily. A sua prima foi educada e cuidadosa o bastante para não demonstrar o mesmo grande desprezo que Claire sempre exibia, mas Emy podia jurar que tinha visto através dos olhos castanhos da prima um certo julgamento ao fazer o convite para o teste de Líder de Torcida. Ao invés de se armar e declarar uma guerra com a recém-chegada, Emily decidiu que daria mais tempo para as duas se conhecerem e que não mergulharia em um julgamento cego e precoce.

Para provar que Emily estava empenhada em fazer uma amizade com a recém-chegada, a menina fez questão de mostrar tudo da escola nova. As duas tinham grades um tanto diferentes, mas ainda teriam as disciplinas base em comum. E mesmo podendo ir diretamente até a mesa dos populares e reencontrar suas amigas, Emy fez questão de passar também a sua hora do almoço na companhia de Liberty.

- Fala sério, Tim, abaixa essa coisa!

Embora estivesse se esforçando para não soar muito duro, o olhar de Dexter deslizou pelo refeitório, se certificando de que não havia nenhum professor prestando atenção na movimentação da garrafa térmica de Hunter. E para tentar tirar o fogo daquela incômoda situação, ele abriu um sorriso largo na direção da novata.

- Não vai ser tããão ruim assim, tenho certeza. Aposto que antes de fecharmos o mês, os professores já vão estar liberando metade da aula para editar vídeos ou no máximo estudar como alavancar o alcance das redes sociais.

O sorrisinho relaxado de Dexter e o olhar que ele lançou na direção de Liberty era quase como uma promessa, como se a novata realmente estivesse esperando ouvir que as aulas de tecnologia não seriam tão complexas assim. Qualquer adolescente normal detestava cobranças e toneladas de responsabilidades, o que Dex não fazia ideia era que a bolsista procurava exatamente por um programa mais elaborado para o seu currículo.

O almoço continuou por alguns minutos e, vez ou outra, Dexter deixava seu olhar estudar Liberty em silêncio. Emily costumava ser uma menina muito observadora, especialmente para aquele tipo de assunto, mas a presença de Chad acabava prendendo todos os seus sentidos. E foi por causa do ex-namorado que ela decidiu se levantar da mesa um pouco antes do sinal tocar para avisar sobre a próxima aula.

- Vamos, Libby? Eu quero retocar a maquiagem antes de ir para o treino. Ainda não te mostrei qual o melhor banheiro feminino para usar. E não, você não pode usar qualquer um, confie em mim!

- Heey, Emy! - Dexter se virou quando as duas meninas se colocaram de pé. - Vai rolar a tradicional festinha de início de ano?

- Sinto muito, mas não. Não consegui a reserva do clube, mesmo tentando o verão todinho!

Festas e Emily Sinclair eram duas coisas que andavam frequentemente juntas. Mais do que curtir a música ou a badalação, Emy adorava organizar eventos e era um tanto chocante escutá-la dizer com tanta naturalidade que abriria mão de uma tradição "importante". Mas logo o sorrisinho empolgado denunciou que nem tudo estava perdido, antes que ela compartilhasse com os amigos. Já devidamente uniformizada com a roupa de líder de torcida, Emy deu um pequeno giro com uma das mãos na cintura para olhar os meninos.

- Vermont - F0ad9528520534a11612359eefe7135e6fd98a82

- Mas teremos uma festinha de boas-vindas para a Libby! Vai ser na minha casa, no final de semana. Mas serão para poucas pessoas, então não espalhem por ai, heein!

Depois de jogar um beijinho no ar, Emily deu as costas para a mesa e encaixou um braço no de Liberty. E diante do olhar perplexo da prima, ela deu de ombros e se explicou com bastante naturalidade.

- Eu até pensei em fazer uma festa surpresa, mas é difícil guardar segredos em Colchester. E é só uma festinha, Libby! Para você conhecer a galera! Não vai te matar socializar por umas três ou quatro horinhas, né?

Antes de saírem por completo do refeitório, Emily ainda lançou um olhar por cima do ombro e depois diminuiu o tom de voz para continuar a conversa com Liberty.

- Você acabou de conhecer As Meninas Superpoderosas. O Chad é a Lindinha. Loiro, olhos azuis, um amorzinho que até parece um anjinho. É um doce de menino... - Emily fez uma pausa e buscou pelo olhar da prima antes de confidenciar. - Mas é um poço de insegurança.

Chad Clifford tinha sido uma grande paixonite e Emily achou de verdade que ele seria o namorado perfeito. Lindo, dono do sorriso mais doce que ela já tinha visto, com um olhar carinhoso, que sempre a mimava com flores, presentes e paparicos. Com um jeitinho de menino adorável, mas que tinha colocado tudo a perder com crises infundadas de ciúmes.

- Nós namoramos por quase um ano. Claro, isso se você contar todas as idas e vindas. 

Emy rolou os olhos, mas logo abriu um sorriso para acenar para um grupinho de meninas que passava. Ela e Liberty já estavam entrando no banheiro e a ruiva se certificou de que o cômodo estava vazio antes de continuar.

- O Hunter é a Docinho, óbvio! Pode até parecer inofensivo, mas todo mundo aqui tem medo de pisar no calo dele. - Emily ficou um pouco mais séria e se encostou na bancada da pia para explicar aquela parte da história. - Ele era o garoto de ouro de Colchester, tinha um futuro promissor com o basquete. Mas sofreu um acidente doméstico e não pode mais jogar. As coisas mudaram muito desde então... Ele é um bom garoto, só está perdido. É uma sorte que tenha bons amigos como o Chad e o Dex.

Emily puxou a mochila do ombro e tirou de dentro um estojinho de maquiagem. O batom vermelho já estava em suas mãos quando ela abriu um sorrisinho malicioso que foi refletido na imagem do espelho.

- E claro, temos a Florzinha. No caso, o Dexter. Os três são os mais populares na MMU, mas tem um motivo bem especial para o Dex ser o mais queridinho e disputado por todas. Você pode não ter reparado nessa principal qualidade dele porque ele estava vestido, mas eu juro... O Dex sem camisa? Aquilo é humanamente impossível, parece um photoshop ambulante! Acho que é o fruto que ele colhe por ser tão rigoroso nos treinos, mas ninguém está reclamando, né?

No meio da tagarelice de Emily, foi possível escutar o apito sonoro avisando o fim do almoço e o início do próximo tempo. Apesar do seu jeitinho fútil, a preocupação que brotou no rostinho bonito da ruiva era a prova de que ela levava seus compromissos muito a sério.

- Ai, droga! Eu preciso correr! Se quiser mesmo ser capitã do time, preciso dar o exemplo e não me atrasar! Te vejo na saída, Libby!!!

***

Como o campo de futebol seria usado a tarde toda para a seleção de novos jogadores, as líderes de torcida tinham sido encaixadas no espaço da quadra onde normalmente aconteciam os jogos de basquete. Para sorte de Emily, a quadra não ficava tão longe e ainda não havia sinal da treinadora quando ela entrou tropeçando.

Assim como acontecia nas seletivas do futebol, nos treinos de corrida, na natação ou em qualquer esporte dentro da MMU, não era raro que algumas pessoas se reunissem nas arquibancadas para assistir a um treino ou uma seleção. E quando o time se resumia a uma dúzia de meninas bonitas usando roupas curtas, esse público acabava sendo massivamente masculino. Mas Emily não teve dificuldade alguma para reconhecer o rapaz loiro sentado em uma das fileiras mais altas.

- Vermont - E52f3b05931a8dee939810460a417365c6c462e4

Seria mentira dizer que seu coração ainda não dava um pequeno salto dentro do peito, principalmente quando Chad abria aquele sorrisinho doce. Mas a menina respirou fundo e se esforçou para continuar concentrada e principalmente para se lembrar dos motivos do fim daquele namoro.

A mochila de Emily foi deixada em um banco e ela apertou mais o elástico que prendia os cabelos vermelhos enquanto caminhava para a pequena concentração de meninas que aguardavam o início do treino. Mas sua visão periférica acabou captando um rosto conhecido na lateral da quadra.

Hunter não estava sentado em uma das arquibancadas e nem parecia muito interessado em babar nas líderes de torcida. Encostado em uma das paredes laterais, logo abaixo do placar desligado, mais uma vez ele estava concentrado na sua garrafinha térmica.

Um suspiro de pesar escapou e Emily balançou a cabeça, não só em reprovação, mas principalmente de preocupação ao assistir Hunter daquela maneira. Para quem já tinha visto os anos dourados de Timmons, era mesmo de partir o coração ver que ele estava se entregando daquela maneira.

O trio popular de meninos sempre tinha feito parte do ciclo social de Emily, mas ela tinha se aproximado ainda mais deles durante o namoro com Chad. Mesmo assim, a amizade dos meninos era quem costumava sustentar as rebeldias de Hunter, então Emy estava pronta para ignorá-lo e seguir com a sua vida quando notou a chegada do treinador de basquete.

O time de basquete usaria a quadra no horário após o treino das líderes de torcida, e provavelmente o homem só estava ali porque tinha confundido os horários. Mas ele também conhecia Hunter o bastante para saber que o rapaz não estava no seu estado completamente normal.

Chad estava do outro lado da quadra, enquanto Emily estava há poucos passos de Timmons. Foi apenas para evitar um flagra e mais uma dose de drama na vida de Hunter que a ruiva, um tanto aflita, se entregou ao impulso de girar sobre os calcanhares e seguir na direção do ex-jogador de basquete. Seu sorriso estava congelado nos lábios e ela falava entredentes, para que apenas Hunter escutasse.

- O que você está fazendo, Hunter? Esse negócio aí não acaba nunca, é?

Quem olhasse de longe, acreditaria que Emily e Hunter estavam apenas conversando. E foi com sutileza que a menina ergueu a mão e puxou a garrafinha térmica para si bem a tempo da chegada do treinador.

- Timmons? O que está fazendo aqui?

- Aaah, treinador Whitney! - Com seu sorrisinho simpático, Emily se colocou ao lado de Hunter, mantendo-se praticamente abraçada a garrafa térmica. - O Huntie veio só trazer a minha água que eu esqueci no refeitório. Eu não posso ficar desidratada durante o treino, né? Muuuito obrigada, Hunter!
Emily Sinclair
Emily Sinclair
Admin

Mensagens : 52
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Dexter Thompson Seg Mar 04, 2024 4:34 pm

- Nós vamos enfrentar a South Burlington no primeiro jogo da temporada. Você sabe o que isso quer dizer?

Mesmo com o suor escorrendo pelo rosto, com os cabelos grudados na testa e com o uniforme sujo de terra, Dexter conseguiu parecer irresistível quando abriu um sorrisinho tranquilo para o seu colega de time. Ele terminou de dar uma generosa golada na sua bebida isotônica e só depois deu de ombros, respondendo com tranquilidade.

- Que eles vão ser humilhados no primeiro jogo da temporada.

Não era de propósito. E a verdade era que Dex nem percebia o quanto ele soava um tanto convencido e até um pouco arrogante. Mas era difícil não esbanjar confiança quando praticamente a cidade inteira lhe colocava em um pedestal. As garotas babavam por onde ele passava, os rapazes invejavam sua performance em campo e até os adultos fora da MMU conheciam o filho do famoso apresentador local. Era como se, em Colchester, Dexter fosse o centro do universo.

O rapaz forte que também vestia o uniforme do time de futebol ao seu lado não parecia tão tranquilo. Mesmo corpulento e sendo um excelente jogador da linha de defesa, Oswald Pittsburg enxergava um cenário muito mais realista do que o colega.

- Qual é, Dex! Você assistiu os jogos deles na última temporada? E eu ouvi dizer que o Jordan foi transferido para a South Burlington, o que significa que agora eles também estão com um excelente linebacker.

Jordan era um jogador notável, mas que pertencia a um time fraco que sequer tinha chegado até as quartas de final no campeonato do ano anterior. Depois do divórcio dos pais, foi transferido para uma escola em Burlington. Se ele realmente estivesse agora na Burlington South, significava que um time superior tinha acabado de conquistar uma grande vantagem. Mas nem isso abalou a confiança de Dexter.

- Relaxa, cara! E daí que eles têm o Jordan? - Dexter voltou a dar de ombros, mas dessa vez com o propósito de mostrar a braçadeira vermelha que apenas ele trazia amarrada em um dos braços. - Vocês tem o melhor quarterback e capitão. Acha mesmo que eu vou deixar de vencer no meu último ano? O título é nosso, só confia!

A função do capitão era obrigatoriamente passada para um aluno do último ano. Não importava o quanto Dexter tivesse treinado, se esforçado e trazido bons resultados para o time, como um aluno do segundo ano, Dex tinha ocupado apenas a posição de um jogador. Mas não tinha sido nenhuma surpersa para ele e nem para os seus colegas que o treinador tivesse lhe dado aquele título no início do treino. Era o que todos sempre esperavam de Dexter, que ele sempre fosse o melhor.

Como sempre acontecia depois de um treino, Dex sentia seu corpo energizado. Mesmo com o cansaço e os músculos doloridos, a sensação de que o dia estava mais bonito e que tudo era melhor lhe enchia pro dentro. Os cabelos estavam molhados depois de um banho e ele tinha trocado o uniforme para novamente vestir a jaqueta esportiva. A maioria dos alunos já começava a se organizar para ir embora, mas a verdade era que Dexter preferia adiar um pouco mais aquele momento de voltar para casa. Por mais que vivesse em uma família unida e feliz, saber que teria as cobranças do pai e mais uma rotina rigorosa a seguir era desanimador.

Tentando ao máximo adiar seu tempo na escola, a intenção de Dexter era procurar pelos amigos, talvez sugerir uma saída para comerem alguma coisa e, com sorte, chegaria em casa apenas para o jantar. Como já conhecia muito bem aqueles corredores, Dex deixou que seus pés seguissem no modo automático, mas parou assim que viu um rosto diferente. Ele ainda levou alguns segundos para reconhecer a prima de Emily, mas quando Liberty notou a presença dele, Thompson já trazia seu sorriso relaxado nos lábios.

- Hey, New York! - Como o apelido soou confuso e sem sentido aos ouvidos da garota, Dexter ergueu uma das mãos de maneira teatral antes de se explicar. - É Liberty, não é? Achei que fosse alguma homenagem sobre a estátua. E aí, está perdida?

Era normal que uma aluna nova ainda estivesse se ambientando com o enorme campus da MMU, mas Dexter soou bastante prestativo. Mesmo que fosse o típico cara popular acostumado com o mundo beijando seus pés, ele não era gratuitamente grosseiro com as pessoas. Em Colchester, Dex tinha aprendido que era preciso ter senso de comunidade. Era uma das coisas que ele tanto gostava de viver ali, e isso se refletia na relação íntima e praticamente de família que existia entre ele, Chad e Hunter. Mas não era apenas seus amigos próximos que costumavam ser tratados com gentileza e simpatia.

- Ahn, eu não tenho certeza, mas acho que o teste para as líderes de torcida seria na quadra de basquete.

Como boa parte da grade tinha sido separada para atividades físicas naquela tarde, era fácil concluir que Liberty estivesse procurando pelo caminho de algum dos pontos esportivos. Mas a principal dica era que a menina já não usava as mesmas roupas comuns do início da tarde e que tinha trocado os sapatinhos por um par de tênis de corrida.

- Ou se for o clube de ginástica olímpica, é no segundo andar. A natação fica na área externa, posso te mostrar. Eu acabei de sair do treino de futebol, a galera do cross country vai usar o campo agora para se organizar, mas posso te mostrar o caminho de onde você estiver indo. A não ser que você já tenha construído algum amigo robô com inteligência artificial.

A piadinha era apenas uma referência ao nível avançado das aulas que Liberty esperava ter, em comparação ao quão leigo Dexter era. Mas sem que ele percebesse, aquilo também soava como um tipo de provocação, como se garotas como Liberty pudesse fazer amizade apenas com robôs construídos por ela mesma.
Dexter Thompson
Dexter Thompson
Admin

Mensagens : 50
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Liberty Bloomfield Ter Mar 05, 2024 12:38 pm

Em Seattle, a rotina de Liberty não era monótona ou solitária. Embora Bloomfield nunca tivesse sido a garota mais chamativa ou popular do seu antigo colégio, Libby tinha um grupinho de amigos fiéis com quem ela podia contar. Não era raro que eles saíssem para comer ou para se divertir, as conversas e as risadas brotavam naturalmente e Liberty se sentia totalmente à vontade na companhia daquelas pessoas justamente porque eles eram muito parecidos, tinham temperamentos semelhantes e vários interesses em comum.

Consequentemente, Libby não descartava a possibilidade de se encaixar num grupinho semelhante em Colchester. Apesar de estar totalmente focada nos estudos naquele último ano, Liberty não pretendia fugir da chance de construir laços de amizades com os novos colegas, de dividir experiências e ideias com pessoas parecidas com ela. O que Bloomfield jamais imaginou foi que, sem fazer nenhum esforço e sem sequer desejar isso, ela seria praticamente sugada para dentro do grupinho mais popular da MMU.

Todos os colégios possuíam pelo menos um grupinho como aquele. Emily Sinclar, Chad Clifford, Hunter Timmons e Dexter Thompson eram os populares, aqueles que o resto do colégio admirava, invejava e paparicava. Atletas, vindos de famílias ricas e importantes, influentes, atraentes, manipuladores. Enquanto boa parte do colégio enxergava os membros daquele grupinho como reis e rainhas, Libby sempre fizera parte dos poucos alunos que analisavam aquela situação com mais maturidade e senso crítico. Na visão dela, pessoas como Emily e os amigos da prima eram apenas adolescentes tolos, imaturos e superficiais que viviam o seu “reinado” no colegial e depois passavam o resto de suas vidas fracassadas se lamentando por terem deixado aqueles dias de glória para trás.

Talvez fosse uma visão cruel e até preconceituosa, mas a verdade é que Liberty se sentia intelectualmente superior e jamais perderia o seu tempo bajulando os populares ou se esforçando para fazer parte de um grupinho como aquele. O problema é que Libby não teve muita escolha quanto a isso. Num piscar de olhos e sem que a novata fizesse nenhum esforço para isso, Bloomfield já estava almoçando com os populares e ouvindo sobre uma festinha de boas-vindas.

- Uma festa??? – Libby já estava sozinha com a prima quando reencontrou a própria voz – Acho que você não entendeu quando eu disse que quero me focar cem por cento em Princeton este ano, Emily! Perder “três ou quatro horinhas” vai ser uma catástrofe! Eu não tenho todo esse tempo sobrando na minha agenda! Eu vou ter que tirar esse tempo das minhas horas de sono, sabia!?

Não era um exagero de Liberty. A garota de fato havia cronometrado TODO o seu tempo dos próximos meses, incluindo as horas que ela “perderia” dormindo, comendo ou tomando banho. Matriculada em todas as disciplinas do nível avançado, fazendo várias atividades extracurriculares e dedicando muitas horas do seu dia para estudos e projetos individuais, Libby não havia reservado nenhum tempo para qualquer tipo de lazer. Além disso, uma festinha com os populares de Colchester certamente não se encaixaria na definição de diversão para a novata.

Para Liberty, aquilo seria apenas uma tortura e uma grande perda de tempo, mas que outra saída restava a ela? Além de não querer ofender Emily ou declarar uma guerra contra a própria prima, Libby também não tinha para onde fugir já que a tal festa aconteceria na casa onde ela morava agora.

No banheiro, enquanto Libby assistia a prima retocar a maquiagem e tagarelar sobre os garotos, ela teve ainda mais certeza de que jamais se encaixaria naquele grupinho. Emily não parecia ser uma garota maldosa, mas ela era vaidosa, fútil e vazia demais na visão de Bloomfield. E Chad, Dexter e Hunter até podiam ser populares, divertidos e ridiculamente bonitos, mas eles também não pareciam reunir as qualidades que Liberty mais valorizava nos rapazes (tanto nos amigos quanto nos garotos com quem Libby costumava sair). Era óbvio que a novata era uma peça totalmente solta naquele grupinho e Liberty já tinha enxergado isso, mas como Emily ainda parecia disposta a forçar aquele encaixe, a prima se viu obrigada a ser ainda mais direta com ela.

- Você já espalhou a notícia sobre a festa, então eu não pretendo fazer uma ceninha e nem ser rude com os SEUS convidados, Emily. Mas eu vou ficar na tal festa só por UMA hora e depois vou pro meu quarto estudar, está bem? Eu realmente não posso e nem quero perder tempo com esse tipo de coisa, então da próxima vez é melhor me consultar antes de me incluir nas suas ideias.

***

Computadores de última geração, motores, ferramentas, placas, conectores, sensores, microfones e câmeras. Logo na primeira aula no laboratório de robótica, Liberty já percebeu que aquela seria a sua atividade favorita dos próximos meses. O professor era um engenheiro extremamente graduado na área de automação e a complexidade dos algoritmos e dos projetos que ele apresentou aos alunos naquela aula de introdução já deixou bem claro que aquilo não seria algo amador, que aquela atividade não seria apenas um bando de adolescentes construindo maquetes ou brinquedinhos eletrônicos.

- E aí, novata? Eu confesso que não esperava encontrar você aqui depois que te vi dividindo a mesa do almoço com três neurônios...

O comentário veio do colega com quem Liberty estava dividindo a bancada depois de um sorteio realizado pelo professor. A proposta era que os alunos trabalhassem em duplas durante todo o ano e, além das atividades obrigatórias programadas pelo professor, cada dupla teria que apresentar um projeto próprio no último mês de aulas. No jaleco branco do garoto estava bordado o nome “M. Martinez” e ele havia se apresentado como Michael, e isso era tudo o que Libby sabia sobre ele até então. Mas como o garoto usava um tom mais leve e divertido, Liberty não encarou aquilo como uma ofensa ou provocação.

- Os Três Neurônios? Chad, Dexter e Hunter...? – Libby esperou que Michael confirmasse com um movimento de cabeça – Hm. É algum apelido no estilo “Os Três Mosqueteiros”?

- Vermont - 010f80ea61e4b97f76606562e23a1bd9ccec83e3

- Ah, não. – Martinez abriu um sorrisinho mais ácido enquanto explicava – Eles estão mais para “Os Três Patetas”, mas isso não é exatamente um apelido. É literalmente a contagem final de neurônios que encontraríamos se abríssemos as cabeças dos três. Mas eu estou pensando seriamente em baixar essa contagem para dois porque eu acho que o álcool já matou o único neuroniozinho que restava pro Timmons.

O risinho anasalado de Liberty denunciou que ela havia se divertido com aquela alfinetada. Era evidente que Martinez tinha uma visão muito mais parecida com a dela sobre o grupinho dos populares. Aquela conversinha paralela foi interrompida por alguns segundos enquanto o professor passava algumas instruções sobre os projetos daquele ano, mas bastou surgir mais uma pausa para que Michael voltasse a puxar assunto com a novata.

- Já tem alguma ideia para o nosso projeto final? Sei que temos um ano inteiro pela frente, mas eu gosto de programar as coisas com antecedência. Eu pensei em tentar construir um drone, ou talvez um robô aspirador...

- Que tal algo mais voltado para IA? Eu também gosto muito de computadores e programação, então pensei em unir as duas áreas. Um ano é pouco tempo, então não pode ser um projeto complexo demais, mas acho que é possível construir um pequeno computador programado para interagir e responder perguntas simples.

- Tá. – o arquear de sobrancelhas de Michael não escondeu o quanto ele estava admirado com a proposta e o nível de conhecimento da novata – Já saquei, você curte mais o lance tecnológico. E eu gosto mais de mecânica. Então você fica responsável pelo “cérebro” do nosso robô e eu vou me dedicar ao corpo. Não quero que ele seja só um monitor bobo programado para responder perguntas, ele vai ter um corpo de verdade, vai se movimentar, carregar objetos e interagir com o ambiente. Vamos precisar de sensores de voz e movimento, microfones.

- Um robozinho humanoide? – foi a vez de Libby arquear as sobrancelhas, mas o brilho nas íris castanhas denunciava que a menina estava gostando da ideia – Não acha que é um projeto audacioso demais para tão pouco tempo de trabalho?

- Eu te garanto que consigo fazer a minha parte. E acho que você também não vai ter problemas para fazer a sua, não é? – o sorrisinho de Martinez se tornou mais convencido – Então o meu único medo é que o nosso robô fique tão fodão que ganhe vida própria, se torne um vilão e destrua o universo.

- Nããão, o Rob será bonzinho! Nós vamos educá-lo direitinho!

- Rob??? Você já deu um nome pra ele sem me consultar? – a risada de Michael foi ainda mais ampla – Tudo bem, não vamos brigar por isso. Você foi a “mãe” que gerou essa ideia, então acho que isso te dá o direito de escolher o nome dele.

***

Ao contrário da maioria dos nerds, Liberty não abominava tanto a ideia de gastar parte do seu tempo numa atividade física. Embora não fosse muito habilidosa com esportes ou dança, Libby reconhecia a importância de se exercitar. Além dos inegáveis benefícios para a saúde, os hormônios liberados durante o esforço físico eram essenciais para o bom funcionamento do cérebro e contribuíam para a sensação de bem estar. Liberty sentia que sua mente funcionava muito melhor depois de uma corrida ou uma caminhada ao ar livre, então não era exatamente uma tortura para a menina reservar um espaço na sua agenda para o cross country.

O fato daquela ser uma atividade pouco popular entre os alunos da MMU era mais um motivo para que Libby estivesse tão satisfeita com a sua escolha. Não haveria um teste de seleção ridículo, nem disputas ou guerras de ego. Bloomfield poderia simplesmente inundar seu cérebro com endorfinas sem ter que se preocupar com roupas, maquiagem ou com uma plateia assistindo a “performance” dela.

No fim da tarde, Liberty estava justamente procurando pela saída que a levaria até o campo onde ela se encontraria com os demais alunos matriculados no cross country quando o caminho dela se cruzou com Dexter Thompson.

Era impossível olhar para Dexter e não se lembrar de tudo o que Emily falara sobre ele e sobre os motivos que faziam Thompson ser um dos caras “mais disputados” de Colchester. O capitão do time de futebol era mesmo um ponto fora da curva no quesito beleza. Além dos traços bonitos e do sorrisinho charmoso, Dexter tinha os cabelos grossos e com ondulações perfeitas, uma voz grave e gostosa e, mesmo que o rapaz estivesse usando a jaqueta, era fácil notar os ombros largos e o peitoral bem definido. Libby não seria hipócrita de dizer que não achava Thompson estupidamente atraente, mas era a personalidade dele que estragava tudo.

Ao longo de sua vida, Liberty já tinha conhecido vários caras como Dexter Thompson, então ela já não tinha tantas expectativas com relação a ele. Além de saber que garotos como Dex só se interessavam por meninas populares, com cabelos loiros esvoaçantes e corpos esculturais, Libby também conseguia enxergar muito além da aparência física deles. Caras como Dexter Thompson costumavam ser burros, vazios, mal educados, ofensivos e arrogantes. E, embora aquela não tivesse sido a intenção de Dex, foi exatamente assim que ele soou ao fazer a piadinha sobre o robô.

Normalmente Libby costumava ignorar a opinião e as provocações de pessoas como Dexter, mas naquela tarde a alfinetada doeu mais do que deveria porque Liberty tinha literalmente acabado de criar um projeto sobre um robô humanoide com inteligência artificial. Thompson não fazia ideia de que tinha tocado numa ferida, então o rapaz provavelmente não entendeu a reação de Libby no instante em que os olhos castanhos da menina se estreitaram. Dexter não era tão alto quando comparado aos dois amigos jogadores de basquete, mas ele ainda tinha vários centímetros de vantagem sobre uma menina tão baixinha quanto Liberty, então essa diferença nas estaturas obrigou a novata a erguer o queixo para conseguir encará-lo.

- Bom, eu ainda não construí um “amigo” robô, mas eu com certeza consigo fazer isso se eu quiser. Diferente de você, não é?

Mais cedo, durante o almoço, Liberty havia guardado aqueles comentários maldosos para si mesma porque ela não via motivos para ofender gratuitamente uma pessoa que ela acabava de conhecer. Mas agora que Libby pensava que Dexter havia iniciado as provocações, ela não conseguiu colocar freios na própria língua.

- Não dá pra esperar muito de alguém que pretende usar aulas de informática avançada pra editar vídeos ou perder tempo com redes sociais, não é? Você ainda não sacou que esse seu reinado... – Libby mexeu os braços indicando o colégio e a posição privilegiada que Dexter ocupava na MMU – ...não é vitalício, né? Com certeza você será o rei do baile este ano, mas é exatamente aí que tudo termina. Daqui a alguns anos, você vai ser só mais um perdedor com uma vidinha medíocre e toooodos os amigos que te tratam como um rei agora vão desaparecer quando perceberem que só restou um monte de merda. Quando esse dia chegar, me procure, Thompson. Talvez eu te venda um dos meus “amigos robôs” pra você não se sentir tão sozinho.
Liberty Bloomfield
Liberty Bloomfield
Admin

Mensagens : 51
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Ter Mar 05, 2024 2:04 pm

Aquele era para ser o melhor ano da vida de Hunter. Capitão do time de basquete da MMU, o rapaz tinha tudo para ganhar o troféu de melhor jogador do campeonato estudantil a nível nacional. Isso certamente garantiria a Hunter a chance de jogar em uma grande universidade. E aqueles seriam os primeiros passos para que Timmons se tornasse um atleta profissional, entrasse em uma equipe importante e chegasse à NBA.

Aqueles planos estavam traçados desde que Hunter era um garotinho. Nunca houvera um “plano B” simplesmente porque Timmons amava demais o basquete para pensar em guiar a sua vida em qualquer outra direção. Então o chão havia desaparecido sob os pés de Hunter no instante em que ele perdeu tudo. E agora era muito difícil para o rapaz reencontrar um propósito ou um novo rumo para o seu futuro.

Aos quinze anos, quando recebeu a pior notícia da sua vida, Hunter obviamente se entregou ao choro e ao desespero. Por vários dias, o único filho dos Timmons se fechou em sua própria melancolia, derramou mais lágrimas do que ele admitiria e se esforçou para acordar na esperança que tudo aquilo fosse apenas um grande pesadelo. Mas não demorou muito para que a tristeza e a negação se transformassem em raiva.

Raiva dos pais por terem sido tão descuidados, raiva de si mesmo por ter sofrido um acidente tão ridículo, raiva do mundo por ter tirado dele a sua maior alegria. Com o passar dos meses, aquela revolta cresceu ainda mais até se transformar num monstro que Hunter já não conseguia mais controlar. Mas a grande verdade é que aquele se tornou também um mecanismo de defesa que Timmons usava agora para suportar a dor e esconder a tristeza. Hunter preferia o papel de “rapaz problemático” do que incorporar o “coitadinho” por quem todos sentiriam compaixão.

O único problema é que a máscara que Hunter usava para enganar o resto do mundo caía sempre que o rapaz se olhava no espelho. Sempre que estava sozinho com os próprios sentimentos e pensamentos, Timmons não era capaz de ignorar a dor que ainda o consumia por dentro. E era exatamente esse sentimento de dor e de perda (e também o efeito do álcool) que moveram as pernas de Hunter inconscientemente na direção da quadra naquela tarde.

Hunter sentia uma saudade sufocante de estar naquele lugar, usando o uniforme do time, correndo pelo piso liso, saltando na direção da cesta, ouvindo a vibração da torcida. Não era raro que Timmons sonhasse que estava na quadra e, mesmo depois de dois anos afastado dos jogos, ele ainda era capaz de se lembrar com clareza da adrenalina deliciosa que antecedia as partidas, de cada jogada brilhante ou cada movimento habilidoso que só ele era capaz de executar.

Ao contrário dos rapazes que se aglomeravam nas arquibancadas, Hunter não estava ali para assistir ao treino das garotas ou para babar com a imagem das belas meninas sacudindo pompons e pulando com suas saias curtas. Inconscientemente, Timmons só queria estar ali mais uma vez, respirar o ar das quadras, ser inundado por lembranças de um tempo e de uma felicidade que nunca mais voltariam. Então provavelmente foi por isso que Hunter se irritou tanto quando Emily Sinclair brotou na sua frente e interrompeu seus pensamentos saudosos com uma bronca.

A chegada do treinador deixou ainda mais claro que as intenções de Emily eram as melhores possíveis e que ela só estava agindo como uma boa amiga e evitando que Hunter se metesse em mais problemas dentro do colégio. Mas o estreitar de olhos do rapaz mostrava que isso não tinha sido o bastante para exterminar a irritação dele com a atitude de Emily. Como seria uma grande burrice desmentir a garota e puxar a garrafinha de volta, Timmons preferiu voltar a atenção para o treinador. Um sorrisinho frio e sem emoção antecedeu as palavras agressivas que Hunter dirigiu ao homem.

- Agora eu tenho que justificar a minha presença na SUA quadra, treinador? Achei que esse lugar ainda fizesse parte do colégio. Agora que eu não estou mais no seu time eu não posso nem assistir aos treinos das arquibancadas?

- Não foi isso que eu disse, Timmons. Pelo contrário, eu estava me perguntando se você faria o teste pra voltar pro time este ano...

Os médicos não tinham proibido Hunter de retornar às quadras. Depois da cirurgia e de alguns meses de fisioterapia, o rapaz foi liberado para fazer atividades físicas regularmente e Timmons poderia ter retornado para o time do colégio se quisesse. Ele ainda era capaz de correr e de saltar, a prótese no joelho funcionava bem como qualquer outra articulação do corpo de Hunter e ele só precisava tomar mais cuidado para evitar lesões ou uma carga de força maior na perna esquerda. Aquele “detalhe” obviamente impediria Hunter de realizar o seu sonho de se tornar um atleta profissional de alta performance em uma grande liga nacional, mas nada impedia o rapaz de usar o esporte que ele tanto amava como uma atividade recreativa, um momento de lazer.

Só que isso não era mais o bastante para satisfazer o rapaz. Como alguém que prefere puxar um curativo doloroso de uma só vez, Timmons preferiu arrancar o basquete da sua vida do que continuar se iludindo com um sonho que nunca mais iria se concretizar. E o rapaz estava tão certo daquela decisão que a insinuação do treinador sobre um retorno dele para as quadras foi recebida com uma gargalhada de deboche.

- Você achou que eu faria um teste? É sério, cara? O seu time está tão fodido este ano que você aceitaria até um jogador com o joelho bichado na sua equipe?

No passado, Hunter não costumava usar aquele tom desrespeitoso com o treinador ou com os professores. O álcool até poderia estar colaborando um pouco para o comportamento atrevido e agressivo de Timmons naquela tarde, mas o maior combustível que movia o rapaz naquele momento era mesmo a raiva e a revolta que o acompanhavam desde o acidente.

- É, eu sei. Eu posso amputar uma das pernas que ainda assim vou jogar melhor que a maioria dos caras nesse seu timinho de merda. Mas, diferente de você, eu não me contento com pouco, Whitney. Se eu não posso mais ser o melhor, eu prefiro não ser nada. Não tenho vocação pra ser mediano, pra me sentar no banco de reservas e muito menos pra ser derrotado. Porque você sabe que este ano o seu time não vai passar da primeira fase, não sabe? Vocês são mesmo uma merda das grandes!

Provavelmente um outro aluno seria severamente punido por aquele comportamento desrespeitoso com um funcionário do colégio, mas Hunter vinha sendo poupado de consequências mais sérias por causa do sobrenome Timmons e de toda a influência que o pai dele possuía em Colchester. O treinador Whitney sabia que não conseguiria expulsar da MMU o único filho de Henry Timmons e que não valia a pena entrar numa queda de braço que ele certamente perderia. Mas nem por isso o homem abaixou a cabeça ou recuou como um bichinho assustado.

- Esta quadra não é minha, mas eu ainda sou a maior autoridade do time durante os treinos e as partidas, Timmons. E isso me dá o poder de decidir quem vai participar da equipe e quem vai sentar nas arquibancadas. E eu não quero você aqui hoje, garoto. Leve as suas críticas, o seu pessimismo e a sua inveja para bem longe dos meus jogadores.

- Inveja??? - mais uma risada sem emoção saiu pela garganta de Hunter - Acha mesmo que eu tenho inveja deles? Nenhum deles chega aos pés da minha genialidade! Você sabe disso, Whitney.

- Só o que eu sei é que todos eles ainda tem uma chance de um futuro no basquete. Mas não podemos dizer o mesmo sobre você, não é? - Whitney completou com uma explicação diante do olharzinho chocado de Emily - Eu não estou me referindo ao joelho. O que realmente arruina todas as suas chances é esse comportamento destrutivo, desrespeitoso e indisciplinado, Timmons. É isso que fez você deixar de ser um atleta exemplar.

- Vai se foder, seu velho arrombado! Eu não vou ficar aqui ouvindo lições de moral de um grande perdedor como você! Se você fosse tão bom assim, não teria terminado a vida como um professorzinho de colegial. É o papel mais baixo e vergonhoso que alguém pode assumir no mundo dos esportes!

A entonação mais alta de Hunter fez com que várias cabeças se voltassem na direção deles, mas o rapaz não perdeu tempo analisando a reação das outras pessoas. Sem se importar com aquela plateia, Timmons ergueu o dedo do meio na direção do treinador, lançou um olhar irado para Emily e girou sobre os calcanhares, marchando para fora da quadra com passos pesados e um semblante carregado no rosto.

***

A discussão com o treinador não foi a primeira e nem a única ceninha protagonizada por Hunter Timmons nos últimos tempos. Os colegas já tinham perdido as contas de quantas vezes Hunter foi expulso das aulas após desrespeitar algum professor, ou das vezes em que o rapaz se meteu em alguma briga nos intervalos ou após as aulas. Em uma das brigas mais memoráveis, Timmons havia se atracado no estacionamento contra dois colegas depois de uma discussão ridícula e, mesmo estando em desvantagem numérica, Hunter havia levado a melhor. Enquanto ele saiu do embate com poucos arranhões, os outros dois rapazes precisaram ser encaminhados para a enfermaria do colégio.

Alto, forte, com um físico de um atleta treinado desde a infância para ter uma performance acima da média. Só isso já dava uma grande vantagem a Hunter em qualquer tipo de briga. Mas o que realmente o tornava ainda mais destrutivo e perigoso era a raiva. A adrenalina o cegava, a irritação fazia com que Hunter explodisse por qualquer bobagem. Timmons simplesmente perdia o controle quando ficava furioso, e o problema é que ele estava sempre infeliz e irritado nos últimos tempos. Além disso, o álcool vinha sendo um catalisador que agravava ainda mais as explosões do rapaz. E foi aquela perigosa combinação de raiva, frustração e bebida alcoólica que fez com que Hunter procurasse por mais um embate naquele dia.

Foi como um predador faminto que Hunter se escondeu no estacionamento do colégio e esperou pacientemente pelo melhor momento para executar aquele ataque. Já tinha anoitecido quando algumas meninas da torcida saíram pela porta lateral da quadra e começaram a se dispersar. Mesmo na penumbra da noite, não foi nada difícil para Timmons reconhecer os fios ruivos da ex-namorada de Chad e foi na direção dela que ele deslizou silenciosamente. Distraída e ainda empolgada com o treino das meninas, Emily só percebeu que estava sendo encurralada quando já era tarde demais. A menina chegou a soltar um gritinho assustado quando uma mão forte a segurou pelo braço e a puxou para trás de um dos carros parados nos fundos do estacionamento. Ver que se tratava de um dos colegas até poderia fazer Emily relaxar, mas a expressão furiosa que Hunter exibia não permitiria que a garota sentisse nenhum tipo de alívio.

- Quem você pensa que é pra se meter na minha vida, Sinclair? Cadê a porra da minha garrafa!?

Depois de ver Hunter explodindo tantas vezes (e de ver o quanto ele conseguia ser violento), ninguém julgaria Emily por se sentir intimidada naquela cena. Além da ridícula desvantagem física que ela teria contra um rapaz com o dobro do tamanho dela, era evidente que Timmons ainda estava muito alterado pelo álcool. O vozeirão grave dele estava arrastado e carregado de raiva e ele assumiu uma postura ainda mais intimidante e ameaçadora quando usou a mão livre para apontar o dedo indicador na direção do rostinho da colega.

- Você está muito mal acostumada a lidar com caras frouxos como o Cliff! Mas não me interessa se aquele otário era um escravoceta que deixava você comandar a vida dele! Você está muito enganada se acha que pode fazer o mesmo comigo! Não se meta na minha vida! Eu não pedi a sua ajuda, não quero os seus conselhos e nem preciso de uma babá! Me devolve a merda da garrafa agora!
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Emily Sinclair Ter Mar 05, 2024 5:24 pm

Um pequeno burburinho começou a percorrer pela quadra depois que Hunter saiu. O treinador tinha o rosto vermelho e parecia que uma veia saltaria da sua testa, mas Emily manteve o olhar preso nas costas do colega até que ele tivesse desaparecido por completo. Só depois, com um semblante carregado de preocupação, ela deslizou as íris castanhas até encontrar Chad.

- O que foi isso?

A pergunta de Chad soou assim que o rapaz deixou as arquibancadas e conseguiu alcançar a ex-namorada. Com um suspiro pesado e ainda abraçando a garrafa térmica, Emily balançou a cabeça em reprovação. Claro que ela não podia passar a mão na cabeça de Hunter e concordar com aquele comportamento agressivo, mas ao invés de julgá-lo, a ruiva só se sentia invadida por uma grande angústia. Os dois poderiam não ser tão próximos quanto o trio de meninos, mas Hunter e Emily sempre tinham convivido juntos, faziam parte do mesmo ciclo de amizade e era óbvio que a garota não conseguia ser indiferente.

- Eu não sei se o problema foi porque eu tirei a garrafa dele ou se foi porque o treinador Withney sugeriu que ele poderia voltar ao time.

Os olhos claros de Chad estavam presos na porta por onde Hunter tinha saído e uma ruguinha profunda surgiu entre as sobrancelhas. Inconscientemente ele repetiu o gesto de balançar a cabeça como Emily, mas foi muito bem pensado quando ele ergueu uma das mãos e deslizou sobre o ombro dela, de maneira protetora.

- Não foi nada disso. Todo mundo sabe qual é o problema do Tim. - Depois de uma pequena pausa, o rapaz se esforçou para abrir um sorriso e voltou sua atenção para a ruiva. - Mas não se preocupe com isso agora. Você tem o treino agora e pelo que ouvi dizer, suas amigas estão ansiosas para oficializar a nova capitã.

***

Não tinha sido fácil se concentrar no início do treino depois dos acontecimentos entre Hunter e o treinador de basquete, mas com o tempo, a música animada, os giros, saltos e piruetas conseguiram tomar conta da mente de Emily. E quando, ao final do treino, a treinadora lhe deu os parabéns por ser escolhida a nova capitã, Sinclair não conseguiu mais conter o sorriso.

Alguns fios ruivos até tinham escapado do penteado depois de tantos movimentos físicos, mas isso não afetava em nada a boa aparência de Emily. Como as temperaturas ainda estavam agradáveis, a menina não se importou de sair ainda com o uniforme de líder de torcida, com a mochila pendurada em um dos ombros. E ela tinha uma felicidade genuína estampada no rosto quando puxou o celular e tentou fazer uma ligação.

Distraída enquanto tentava ligar para o pai, Emy não notou nada de anormal no estacionamento. Seu sorriso vacilou quando a chamada rapidamente foi encaminhada para a Caixa Postal, mas ela ainda tentou se manter animada enquanto digitava uma mensagem para o Sr. Sinclair, contando sobre a novidade. E foi no meio da escolha dos emojis que a ruiva foi surpreendida pelos braços de fortes de Hunter.

Qualquer garota se sentiria apavorada ao ser encurralada daquela maneira. As estatísticas mostravam o quão perigoso era para uma mocinha andar sozinha por aí, principalmente diante de um rapaz embriagado e claramente alterado. Mas no instante em que reconheceu Hunter, Emy relaxou os ombros. Não porque era um rosto conhecido, mas porque ela se sentia confiante o bastante de que ele não iria ultrapassar os limites.

- Claaaro. Da próxima vez eu vou deixar o treinador encontrar o seu elixir precioso e assistir de camarote quando te chutarem para fora da MMU!

Ao invés de amedrontada, Emily respondeu com firmeza e rolou os olhos enquanto puxava a mochila para frente. O zíper foi aberto e ela puxou sem nenhuma delicadeza a garrafinha que tinha "confiscado" de Hunter. No instante em que o rapaz avançou para pegá-la, ela recuou alguns centímetros com a mão e o encarou com ainda mais firmeza.

- Eu não vou perder tempo com sermão, definitivamente não estou aqui para te dar conselhos! Você sabe muito bem o que faz com a sua vida e a escolha é toda sua, Hunter.

Depois daquele aviso, Emily finalmente entregou a garrafa para o rapaz. E apenas com o peso mais leve, Hunter já notaria que a ruiva tinha se livrado de toda a bebida e que a garrafa estava vazia e devidamente lavada, para se livrar do cheiro de álcool. Foi enquanto Timmons abria a tampa para conferir o que ele já desconfiava que Emy se aproveitou daquele instante de distração.

Como os dois estavam praticamente colados, ela só precisou usar a mão livre para fisgar a pontinha do chaveiro que ele tinha no bolso da calça. Antes que Hunter pudesse reagir, a chave da picape foi empurrada para dentro do seu top, de maneira que ele precisaria ser MUITO invasivo para conseguir recuperar o que era seu.

- Eu disse que você sabe muito bem o que faz com a sua vida e a escolha é sua. Mas não disse que vou deixar outras pessoas em risco por causa da sua irresponsabilidade. Você não vai dirigir, não nesse estado!

O Sr. Timmons tentava comprar o filho com presentes, livrando-o das suas responsabilidades e colocando Hunter dentro de um mundo de plástico-bolha como se ele fosse um bibelô frágil. Os amigos mais próximos de Hunter também evitavam certos assuntos e não gostavam de contrariá-lo para não fazer o rapaz explodir. Mas Emily, mesmo sendo mais magra e mais baixa, o encarou com uma firmeza assombrosa enquanto cruzava os braços.

- Você pode ir andando para casa, se preferir, ou parar de agir como um lunático e me deixar te dar uma carona. - Mesmo que eles já estivessem praticamente colados, Emily aproximou mais o seu rosto, com um olhar estreito. - Ou você quer mostrar que é o machão batendo em uma garota?
Emily Sinclair
Emily Sinclair
Admin

Mensagens : 52
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Dexter Thompson Ter Mar 05, 2024 6:06 pm

Como um cara popular e imensamente querido, Dexter estava acostumado com bajulações e elogios mesmo sem fazer o menor esforço para ser simpático. Não era raro que as garotas parassem no corredor para elogiar o seu cabelo ou comentar sobre a escolha de uma camisa, ou colegas que interrompiam as aulas para passar recadinhos sobre sua performance em algum jogo. Nas redes sociais, aquilo ia muito além e os números mostravam o quanto o mundo parecia ser muito mais fácil e receptivo para alguém como ele.

Mas Dex também era um rapaz, e tendo como melhores amigos Hunter Timmons e Chad Clifford, ele estava mais do que habituado com zoações, provocações e implicâncias. A pequena família que os três formavam era movida por sentimentos profundos, sinceros, mas também por muitas brincadeiras que apenas pessoas muito próximas eram capazes de entender e levar na esportiva.

Por um instante, quando Liberty estreitou o olhar, Dexter achou que lidaria com uma das tais brincadeiras que Chad e Hunter costumavam fazer. Como mandavam um ao outro ir à merda ou trocavam xingamentos em meio a risadas. Só mais alguns segundos depois foi que Dex percebeu que isso não fazia sentido. Para começar, a novata não parecia ser dona de uma personalidade irreverente e brincalhona. E mesmo que fosse, os dois não tinham muita intimidade para tanto.

O sorriso continuou nos lábios de Dexter, e ele parecia um cãozinho filhote quando tombou a cabeça para o lado, com um olhar confuso, enquanto tentava entender o que estava acontecendo ali. Claro que Thompson não estava acostumado que falassem daquela maneira com ele, mas  não era só por acusa da popularidade e das bajulações que ele ficou completamente perdido diante daquele ataque gratuito.

No almoço, quando Liberty foi apresentada ao grupo, tinha ficado óbvio que ela era muito diferente da prima. Mas Dex não excluía e nem julgava ninguém por suas preferências ou personalidade e isso fazia a maior diferença na forma com que ele era visto dentro do colégio. Emily tinha dito para a prima que era a aparência física de Thompson que o destacava na MMU, mas muito além disso, as pessoas se sentiam queridas porque recebiam atenção do cara mais popular de forma genuína.

Libby tinha parecido apenas uma novata nerd ansiosa pela grade acadêmica de uma nova escola, mas não tinha sido grosseira com ninguém. No máximo, tinha respondido por igual a uma provocação de Pamela. Ela não parecia ser o tipo de garota rude que distribuía patadas gratuitamente.

Dex tinha acabado de ser gentil e prestativo ao oferecer sua ajuda para que ela chegasse até o seu destino, já que Liberty ainda estava conhecendo o campus da MMU. Então foi chocante escutar uma resposta grosseira e até um tanto cruel, definindo não só quem ele era, mas também o seu futuro.

- Espera... Como é???

O sorriso de Dexter terminou de morrer diante das palavras ainda mais duras de Liberty, lhe chamando de perdedor com uma vida medíocre. Dex não costumava se importar com o que as outras pessoas falavam sobre ele, mas a grande verdade era que ninguém nunca tinha sido tão grosseiro antes.

- Tá, legal. Vamos por partes aqui...

Dexter parecia ter mesmo o raciocínio mais lento do que Liberty, porque ele precisou erguer as duas mãos no ar enquanto organizava seus pensamentos. Depois de pigarrear, ele forçou um ar mais sério, como se precisasse de ajuda diante daquele cálculo complexo.

- Você conseguiria construir um amigo robô? Que bom, porque se continuar assim, é só o que você vai conseguir mesmo. E qual é o seu problema com as mídias sociais? Para alguém tão ligado assim em tecnologia, você deveria entender que esse é o futuro! Aaaah, mas espera aí, o seu lance com o futuro é só fazer previsões superficiais sobre pessoas que você sequer conhece. Saquei.

Com um sorrisinho irônico nos lábios, Dexter cruzou os braços. Ele não gostava de ofender ou afrontar outras pessoas, mas nem mesmo seu jeitinho adorável e até um tanto político conseguia ignorar aquelas ofensas gratuitas.

- Eu não sei como eram as coisas em Nova York, ou sei lá de qual buraco do inferno você saiu... Mas eu sei que posso contar com os meus amigos sem precisar de "reinado" algum. Aliás, é assim que as coisas funcionam em Colchester. Aqui, nós somos uma família e cuidamos uns dos outros. Mas deve ser difícil para alguém como você entender isso, não é? A Tarzan dos robôs.

Depois de descruzar os braços, Dexter gesticulou com uma das mãos em um movimento curto, como se quisesse mostrar o corredor. E em nenhum momento ele abandonou aquele sorrisinho curto.

- Vermont - Tumblr_inline_qt7oa3NsRV1sm9guj_500



- Eu só estava tentando ajudar te mostrando o caminho para onde quer que você estivesse indo, mas acho que você pode resolver isso sozinha com os seus robôs, não é? Dá para ver que interação com humanos não é mesmo o seu forte. Mas boa sorte por aí, Nova York. Só cuidado para não esmagar nas baratas estúpidas que são os alunos da MMU enquanto você anda por aí.
Dexter Thompson
Dexter Thompson
Admin

Mensagens : 50
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Ter Mar 05, 2024 9:36 pm

- O que??? – o rosto de Hunter se contorceu numa careta exagerada, como se ele tivesse acabado de ouvir um grande absurdo – Comeu bosta, Sinclair!? Eu não vou te bater!

Aquilo podia ser algo óbvio e soar até como uma insinuação ofensiva aos ouvidos de Timmons, mas o rapaz só precisou de alguns segundos para enxergar a ceninha que ele estava protagonizando sob a ótica de Emily. Do ponto de vista dela, Hunter era um rapaz enorme, embriagado, que a encurralou num estacionamento escuro, estava segurando um dos braços da garota com força e apontando o indicador na direção do rosto dela. Sem a menor sombra de dúvida aquela era uma postura agressiva, covarde e ameaçadora.

Qualquer pessoa que assistisse aquela cena diria que Timmons era o tipo de rapaz que não teria problemas em erguer a mão para agredir covardemente uma menina como Sinclair, principalmente conhecendo a má fama que Hunter havia construído nos últimos meses. E foi por enxergar o papel lamentável que ele estava protagonizando naquela noite que Hunter recuou.

Uma sombra de constrangimento se passou pelo semblante de Timmons enquanto ele soltava o braço de Emily e recuava um passo. Por não saber mais o que fazer com as próprias mãos, Hunter as enfiou nos bolsos da jaqueta. Acostumado a ser bajulado ou temido, Timmons agora estava sem reação diante de uma pessoa que tinha coragem de contrariá-lo e de enfrentá-lo. E era ainda mais bizarro que tamanha coragem viesse logo de uma garota.

Era admirável o ímpeto e a firmeza de Emily em enfrentar um rapaz ridiculamente mais forte do que ela, mas a grande verdade é que Sinclair no fundo sabia que Hunter não era uma ameaça. Apesar dos rompantes de raiva e das explosões descontroladas, o velho Huntie que ela conhecia desde a infância jamais seria tão cruel, covarde e agressivo ao ponto de usar a sua força contra uma menina. Muito menos contra uma velha amiga.

Toda a raiva que Hunter sentia por Emily ter descartado a sua bebida e tirado as chaves da picape esfriou como se um balde de água fria tivesse sido derramado sobre a cabeça de Timmons. Tudo que ele sentia agora era uma amarga vergonha e um sincero arrependimento por ter se comportado daquela maneira tão agressiva ao ponto de fazer Emily pensar que ele poderia machucá-la.

- Eu não vou te bater. – Hunter repetiu a frase que já havia dito, desta vez numa entonação menos alterada e com uma expressão mais amena – E eu não acredito que você pensou de verdade que eu teria coragem de fazer isso, Emily.

A postura firme de Sinclair deixava bem claro que ela não pretendia recuar e que o arrependimento de Hunter não seria o bastante para fazê-la voltar atrás naquela decisão de tirar o carro dele naquela noite. Timmons podia até estar mais calmo depois daquela explosão, mas isso não mudava o fato de que o rapaz ainda estava bêbado demais para dirigir.

- Você não vai mesmo me devolver as chaves do meu carro, não é?

- Vermont - Tumblr_inline_o4yh4wk7wC1szaa83_250

Encostado no muro que rodeava o estacionamento do colégio, Hunter bufou e girou os olhos cor de avelã para cima quando recebeu uma resposta negativa de Emily. E foi justamente aquele movimento que permitiu que Timmons enxergasse as nuvens que se acumulavam no céu. Sempre chovia muito em Vermont e aquela parecia ser mais uma das noites em que uma quantidade absurda de água desabaria do céu.

- Não me fode, Sinclair. Se eu chegar em casa sem o meu carro, o meu pai vai encher o saco. – o rapaz teve que encontrar uma solução ao ver pelo olhar de Emily que ela não pretendia ceder – Eu aceito que você me leve pra casa, desde que seja no meu carro. Depois eu posso pedir ao motorista pra te trazer de volta... – uma longa pausa foi feita e Hunter teve que travar uma guerrinha de braço com o próprio orgulho antes de completar aquele pedido com uma postura mais humilde – Por favor...

Alguns segundos de reflexão antecederam a resposta afirmativa de Emily. A concordância da garota fez com que Hunter soltasse um suspiro aliviado e indicasse a picape estacionada há algumas vagas de distância. Nem mesmo Chad ou Dexter tinham recebido permissão para dirigir o carro novo do amigo, mas naquela noite Emily Sinclair ocuparia o lugar atrás do volante.

Numa atitude surpreendente para os padrões de um rapaz que colecionava conquistas e não costumava levar nenhuma garota a sério, Hunter desviou o olhar respeitosamente enquanto Emily abaixava o próprio decote para resgatar as chaves do carro. No assento do passageiro, Timmons fez uma caretinha de insatisfação enquanto via a amiga mudar o banco do motorista de posição para que suas pernas mais curtinhas alcançassem os pedais.

- Eu não acredito que vou deixar você dirigir o meu carro! Aliás, você sabe dirigir, né? Sinclair, eu vou me transformar no seu PIOR pesadelo se você arranhar ou amassar o meu bebezinho!

Por estar tão preocupado com os danos que uma motorista atrapalhada poderia causar no veículo, Timmons se esqueceu completamente daquele detalhe. Hunter só se lembrou de que havia deixado o som ligado no momento em que Emily girou a chave na ignição e a música automaticamente começou a ecoar dentro do carro.

Era uma canção bonita, com uma letra marcante e significativa. Definitivamente não existiam motivos para Hunter se envergonhar por estar ouvindo aquela música. O único problema é que ninguém jamais diria que Hunter Timmons gostava daquele estilo musical. Ao invés de uma banda de rock antiga ou um heavy metal repleto de gritos e palavrões, Emily começou a ouvir uma música mais pop, lenta e sentimental demais. E não era tão difícil assim notar que vários versos pareciam refletir a maneira como Hunter se sentia naquele momento tão delicado da sua vida.


Num gesto atrapalhado e visivelmente envergonhado, Hunter abaixou o volume da música até que a voz do cantor praticamente sumisse dentro do carro, mas Emily já tinha escutado o suficiente para perceber a letra significativa da canção.

- Sem pressão, mas eu te aconselho a acelerar um pouco mais. – apesar de ter usado aquela conversa como desculpa para abaixar o volume do som, o conselho de Hunter era bem sério – Se cair toda essa chuva que está armando, tem grandes chances de ficarmos presos na estrada de terra.

Colchester era uma cidade pequena e a casa dos Timmons não ficava tão longe assim do centro. Mas como era uma casa de campo localizada no mesmo terreno onde funcionava o grande haras do Sr. Timmons, era necessário pegar uma estradinha de terra para se chegar ao local.

- Vermont - Casa_t10

Não era raro que carros ficassem presos no barro que se formava na estrada sempre que chovia demais e nem mesmo uma picape com o motor potente como a de Hunter conseguiria vencer aquele obstáculo se uma grande tempestade caísse sobre a cidade naquela noite.

- Aliás, se cair toda essa chuva, talvez seja mais seguro que você fique num dos nossos quartos de hóspedes esta noite.
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Liberty Bloomfield Ter Mar 05, 2024 9:37 pm

Caras como Dexter Thompson não gostavam de ser contrariados, não aceitavam receber críticas e estavam acostumados a enxergar o resto do mundo de cima de um pedestal. Portanto, Liberty não ficou nem um pouco surpresa com a reação de Dex às alfinetadas dela.

O que a novata não parecia enxergar mesmo sendo tão inteligente era que nada daquilo era necessário, que Thompson não tivera a intenção de ofendê-la e que, embora o rapaz ocupasse o papel de um cara popular e tivesse muitos dos defeitos que ela desprezava, Dexter não se encaixava no estereótipo de um rapaz arrogante, egocêntrico ou grosseiro.

- Quer uma dica valiosa? Da próxima vez que quiser ajudar alguém, não seja tão arrogante e ofensivo. E nem tente ajudar quem não precisa da sua ajuda. Eu sei muito bem para onde tenho que ir e não preciso de um GPS. – Libby fez uma pequena pausa e abriu um sorrisinho atrevido antes de dar um novo significado para aquela sigla – Grande Perdedor Soberbo!

Sem tempo para alongar ainda mais aquela troca de insultos, Liberty apenas ajeitou a alça da mochila sobre o ombro antes de dar as costas para Thompson. Mesmo apressando os seus passos na direção do campo de futebol, os minutos que ela perdeu discutindo com Dexter acarretaram num pequeno atraso para a aula de cross country. Por sorte, a treinadora foi compreensiva com a novata e permitiu que Bloomfield se juntasse ao grupo. Até porque não restariam muitos alunos na turma se ela resolvesse dispensar Libby naquela tarde.

A primeira aula foi basicamente uma apresentação da disciplina e alguns exercícios de aquecimento. A treinadora apresentou fotos das trilhas que eles iriam percorrer ao longo do ano e todas as metas de tempo e velocidade que deveriam ser alcançadas. Assim como Liberty já imaginava, os poucos alunos matriculados no cross country não faziam parte do grupinho dos populares, mas era exatamente esse o detalhe que fazia com que ela se sentisse mais à vontade no meio deles. Afinal seria um terror ter que dividir mais uma aula com o desprezível Dexter Thompson.

Ao fim da aula, Liberty tomou uma ducha rápida no vestiário feminino. Como Colchester era uma cidade minúscula, o plano de Libby era voltar para a casa da tia caminhando. Mesmo já tendo anoitecido, não parecia ser perigoso fazer uma caminhada em uma cidade tão pequena e tranquila, o que era totalmente diferente da realidade que Libby vivia antes em uma cidade grande e violenta como Seattle.

Durante o breve trajeto de volta para casa, Bloomfield poderia aproveitar aqueles minutos ouvindo um podcast de um dos muitos canais de tecnologia que ela acompanhava. Mas os planos da garota foram frustrados quando ela pisou para fora do vestiário e foi logo atingida por um vento mais forte que anunciava uma tempestade a caminho.

Com uma caretinha, Liberty puxou o celular para fora da mochila e tentou ligar para Emily na esperança de que a prima ainda estivesse no colégio. A ligação sendo encaminhada para a caixa postal obrigou Libby a tentar o número da tia, mas o aparelho de Hilary também parecia estar fora de área. Bloomfield ainda não sabia desse “detalhe” sobre Colchester, mas era comum que tempestades e ventanias deixassem o sinal de telefonia totalmente instável nas redondezas.

Sem ninguém que pudesse resgatá-la, Liberty só enxergava duas saídas. Ou ela ficaria no colégio e esperaria até que a chuva caísse e cessasse ou então ela teria que acelerar seus passos para chegar em casa antes que a tempestade chegasse. E como Libby abominava a ideia de perder um valioso tempo que ela poderia usar para os seus estudos, a menina acabou optando pela segunda opção.

Depois de ouvir tantos conselhos da mãe sobre as chuvas de Vermont, Liberty se condenou ainda mais por não ter levado aqueles alertas de Kate a sério. Como a garota havia saído de casa naquela manhã sem consultar a previsão do tempo, as botas impermeáveis e a capa de chuva tinham ficado dentro do guarda-roupa dela. Consequentemente, Libby não teve como se proteger quando grossos pingos de água começaram a cair do céu antes mesmo que ela chegasse à metade do caminho.

É claro que também chovia em Seattle e Liberty já havia enfrentado algumas tempestades antes, mas nada se comparava com a chuva forte que caía sobre Colchester naquele início de noite. Como não existiam grandes prédios naquela cidadezinha, nada servia como obstáculo para enfraquecer o vento que soprava em todas as direções.

Mesmo encolhida dentro do seu casaco, não demorou muito para que o vento e a chuva começassem a abaixar a temperatura do corpo de Libby. Os lábios da menina já estavam arroxeados e o queixo dela tremia freneticamente de frio. A água que desabava do céu sem nenhuma piedade agora já escorria pelas roupas e pelos cabelos completamente encharcados de Liberty.

- Vermont - 9a0737dcf3ca605c95a13b66237b8f86ecc45d2e

A tempestade havia esvaziado as ruas de Colchester, então Libby andou por vários minutos sob a chuva sem cruzar o caminho de ninguém. Ainda faltavam vários quarteirões para que a garota chegasse à casa da tia quando finalmente um carro surgiu no fim da rua. O veículo reduziu a velocidade ao se aproximar dela e Liberty também interrompeu a sua caminhada quando o motorista abaixou o vidro.

A grande esperança de Libby era que fosse Emily, a tia ou algum colega ou professor da MMU que poderia lhe salvar com uma carona de volta para casa. Mas, para a surpresa e para o imenso desgosto de Bloomfield, ela se deparou com o sorrisinho presunçoso de Dexter Thompson.

Era bizarra e hilária aquela reviravolta do destino. Algumas horas atrás, Liberty estava dizendo que não precisava de nenhuma ajuda vinda de Dexter e agora ele era a única pessoa que poderia resgatá-la daquela tempestade.

Mas não foi apenas por orgulho que Libby fechou o semblante, cruzou os braços e deu as costas para o colega, continuando a sua caminhada sob a chuva. Numa atitude totalmente injusta e preconceituosa, Liberty já tinha decidido que Dexter era só mais um atleta babaca do colegial e que ele só tinha parado o carro para zombar dela e se vangloriar pela má sorte da garota.

- Qual é o seu problema??? – Libby praticamente rosnou quando percebeu que Thompson tinha pisado de leve no acelerador para acompanhar os passos dela pela calçada – Me deixa em paz, Thompson!

A voz trêmula denunciava que Bloomfield estava tiritando de frio. Nenhuma pessoa com um mínimo de humanidade negaria ajuda ou se aproveitaria daquela situação para provocar Liberty, mas a garota realmente acreditava que Dexter era desprezível a tal ponto. E aquilo só provava que ela não o conhecia de verdade e que estava apegada a uma visão completamente preconceituosa e deturpada sobre o novo colega.
Liberty Bloomfield
Liberty Bloomfield
Admin

Mensagens : 51
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Emily Sinclair Qua Mar 06, 2024 2:29 pm

- O queee? Mas é claro que eu sei dirigir! - Emily fez uma pequena pausa e passou ridiculamente perto de uma lixeira enquanto saía do estacionamento da escola. - Tá, eu ainda não ganhei meu próprio carro como você, então não é como se pudesse praticar todos os dias. Mas tirei a minha licença assim que fiz dezesseis, então ainda estou mais dentro da lei do que você.

Era notável que Emily era uma motorista amadora e com pouca experiência pela tensão nos seus ombros, pela lentidão do veículo e pela forma que ela observava tudo ao redor. Mas a menina ainda conseguiu procurar discretamente o rapaz ao seu lado pelo canto do olho quando a música ecoou no interior do carro. E Emy foi discreta o bastante para não fazer nenhum comentário ou insinuação, mas ela tinha conseguido entender o quão íntima e significativa era aquela canção para Hunter.

Por outro lado, quando Timmons fez o comentário sobre a tempestade prevista e sugeriu que a amiga seria bem-vinda a se abrigar na casa dele por uma noite, os lábios vermelhos dela se repuxaram em um sorrisinho divertido e Emy até se arriscou tombar um pouquinho a cabeça na direção dele.

- Xiiiu, fala baixo! Assim pode ATÉ parecer que você se importa, Tim.

Minutos antes, Emily estava sendo pressionada e enfrentada por um rapaz embriagado e furioso. Mas a dinâmica entre os dois parecia muito diferente dentro do carro, o que só provava que em momento algum Emy tinha cogitado a possibilidade de ser realmente agredida pelo colega.

Com um olharzinho de apreensão, Emily buscou o céu, encontrando as nuvens negras carregadas. As trovoadas faziam tudo ao redor estremecer e logo uma chuva forte desabou sobre o carro. Era difícil enxergar muita coisa ao redor, o que obrigou Emy a ir ainda mais devagar. Por sorte, apesar da lama que já tinha se formado na estradinha de chão, a picape de Hunter não enfrentou muitos problemas para atravessar o caminho até a residência dos Timmons.

Em uma cidadezinha pequena como Colchester e como os dois se conheciam praticamente desde sempre, não era a primeira vez que Emily pisava ali. Mas diferente de Chad e Dexter, Sinclair não tinha om hábito de visitar Hunter, então provavelmente ela tinha estado ali pela última vez quando os dois ainda eram crianças.

As trovoadas estavam assustadoras e o barulho da tempestade se tornou ainda mais intenso quando Emily desligou o motor do carro, já diante do casarão dos Timmons. O trajeto do carro até a varanda era pequeno, mas com as grossas e geladas gotas caindo sobre eles, os dois já estavam encharcados quando conseguiram se proteger. Os cabelos ruivos grudavam no rostinho de Emy, o uniforme de líder de torcida estava ensopado e fazia a pele clara se arrepiar de frio.

- Meu Deeeus! O mundo decidiu acabar logo hoje? E isso nem é só o aquecimento global, isso é cosia de Colchester mesmo!

Emily ainda encarava a tempestade desabando sobre o terreno dos Timmons com um semblante assustado, abraçada ao próprio corpo. Mas uma voz vindo do interior da casa obrigou os dois a se virarem bem a tempo de assistir o Sr. Timmons surgir, um tanto afobado.

- Huntie??? É você??? Graças a Deus, eu estava tentando te ligar! Oh, Oi! - Henry estancou de surpresa ao ver que o filho não estava sozinho, e em uma cidade onde todos se conheciam, não foi difícil reconhecer a menina. - Você é a menina da Hilary, não é? Emily?

- Boa noite, Sr. Timmons. - Emily trocou um rápido olhar com Hunter e foi rápida em pensar em uma desculpa para explicar sua presença sem precisar dizer que tinha assumido o volante porque Hunter estava bêbado na escola. - O Tim e eu temos um trabalho importante para fazer em dupla. História. Mas não sabíamos que o tempo ficaria tão ruim... Acho que teria sido melhor adiar a pesquisa, né?

Não era uma explicação tão absurda assim. Com o retorno das aulas, era comum que os professores voltassem a passar trabalhos valendo altas pontuações e que grupos se reunissem para estudar ou planejar entregas juntos. Mas não era a escolha da dupla de Hunter que tinha despertado aquele semblante confuso do pai do rapaz. Mesmo se fosse Chad ou Dexter ali dizendo a mesma coisa, o que soava completamente fora de contexto era escutar que seu filho estava se empenhando por um trabalho escolar.

- Ah, sim. - Ainda havia uma ruga profunda entre os olhos de Henry quando ele se obrigou a reagir, abanando rapidamente para os dois. - Entrem, vocês dois vão acabar pegando um resfriado aí fora! Eu vou pedir toalhas e roupas limpas. E o jantar está quase pronto, vou pedir para a cozinheira colocar mais um prato na mesa para você, Emily.

***

Para uma garota vaidosa como Emily, foi um choque olhar para o reflexo do espelho e encontrar os cabelos ruivos embolados e a maquiagem borrada. A boquinha dela se abriu em indignação quando conseguiu ter um pouco de privacidade no banheiro, mas Sinclair era uma especialista em conseguir corrigir qualquer estrago.

A mochila trazida da escola foi aberta e ela sorriu ao ver que tinha carregado consigo tudo o que era essencial. Normalmente aquele kit de "primeiros socorros" era usado entre os intervalos das aulas, então ela só precisou de um (generoso) tempo para aquela transformação. Depois de um banho quente, Emily aplicou uma camada fina de creme sobre os cabelos ruivos e conseguiu desembaraçar os fios. Ao invés de refazer toda a maquiagem, ela apenas reaplicou o batom e espalhou um pouco de rímel nos cílios. Na escola ou em qualquer evento, Sinclair usava cores mais pesadas, caprichava nos contornos e cuidava de cada pequeno detalhe, mas até mesmo aquela maquiagem mais leve já era capaz de realçar seus traços bonitos.

Emily só fez uma caretinha de desgosto quando puxou com as mãos a pilha de roupas secas que uma das empregadas dos Timmons tinha lhe entregue. A camisa de Hunter era de alguns anos atrás, mas como o rapaz sempre tinha sido muito alto, a peça servia como um grande vestido. Emy até tentou dobrar um pouco as mangas e marcou a cintura com uma fitinha da mochila, diminuindo um pouco da aparência relaxada que não combinava em nada com ela.

Quando já estava pronta, Emy puxou o celular e tentou ligar para a mãe e para a prima, mas nenhuma ligação completava. Para que Hilary não surtasse de preocupação, ela tentou enviar uma mensagem que chegaria para a mãe assim que ela recuperasse o sinal, avisando que estava na casa dos Timmons, em segurança, e que continuaria ali caso a tempestade não cessasse nas próximas horas.

A mensagem tinha acabado de ser enviada quando batidas soaram na porta do quarto de hóspedes. Certa de que seria a empregada para buscar seu uniforme molhado, que o Sr. Timmons insistiu que fosse lavado, Emily trazia as roupas arruinadas dobradas em suas mãos quando abriu a porta, mas foi o rosto de Hunter que a aguardava no corredor.

- Oi! Desculpe, eu já perdi o jantar? Deu um trabalhão para conseguir desembaraçar os meus cabelos, então nem vem reclamar que eu demorei! - Emily encostou no portal de madeira e cruzou os braços, segurando o uniforme com uma das mãos. E seu olhar se tornou mais intenso depois de se certificar de que os dois estavam sozinhos. - O seu pai desconfiou alguma coisa sobre o lance do trabalho de história? Bom, tecnicamente eu não menti, nós temos mesmo aquela pesquisa para fazer, mas acho que você estava dormindo no primeiro tempo e não deve ter anotado.

Ainda era possível escutar o barulho forte da chuva que não parecia diminuir. Não seria nenhuma surpresa descobrir que árvores estivessem caindo pelas ruas ou coisa parecida, então era mesmo mais seguro que Emily estivesse ali. Mas mesmo certa de que aquela não era uma chuvinha boba para ser ignorada, Sinclair teve um pequeno sobressalto quando as luzes da casa inteira se apagaram.
Emily Sinclair
Emily Sinclair
Admin

Mensagens : 52
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Dexter Thompson Qua Mar 06, 2024 5:32 pm

- GPS! GPS, Chaaaad! Grande Perdedor Soberbo! É sério, aquela garota tem probleminha! Alguém arrancou o coração de dentro dela, sugou a sua alma, sei lá! Mas aquele monstrinho não é normal!

Era preciso manter o tom de voz sussurrado para que a conversa não alcançasse outras pessoas, mas qualquer um que olhasse na direção de Dexter e Chad notaria que o capitão do time de futebol estava um tanto exaltado. E até mesmo Clifford acabou arqueando as sobrancelhas diante dos ânimos do melhor amigo, mas não era exatamente a história compartilhada que o fazia ficar boquiaberto, mas ver o sempre tão sorridente e tagarela Dexter Thompson tão ofendido era algo inédito.

- Você não tá exagerando não, Dex? A novata pareceu bem legal na hora do almoço. Quer dizer, ela deu uma cortada na Pam, mas foi merecida.

- Eu tô te dizendo! Foi uma patada de graça, totalmente desnecessária. Só o que eu fiz foi oferecer ajuda e ela já veio vomitando ofensas! Deve ter bipolaridade, múltipla personalidade ou é só mal caráter mesmo! Foi toda simpática na frente da Emily e foi só a prima dar as costas que veio cheia de gracinhas!

- Não sei não... - Chad interrompeu seus passos quando parou diante do próprio armário. Como já estava tarde, a escola já estava bem mais vazia, mas o rapaz ainda percorreu o corredor com o olhar. - Você deve ter feito alguma merda.

- Você não acredita em mim, né? Beleza, espere só até a señorita te atacar também.

- Dex, você está fazendo aquilo de novo. De misturar o espanhol com o inglês quando fica nervoso. Aliás, porque está tão nervoso assim? O que te importa o que a novata pensa? Só porque ela ficou na sua lista e agora você desperdiçou uma ficha?

- Para começar, quem colocou ela na minha lista foram vocês, não eu! E eu não estou nervoso! - Dexter se encostou no armário ao lado do amigo, mas a forma com que cruzou os braços e emburrou não combinava bem com as suas palavras. - Só estou indignado! Fui ofendido de graça! A garota nem me conhece! Quem ela pensa que é?

- Relaxa, cara. E daí que a novata não gosta de você? Ela nem é o seu tipo.

- Mas todo mundo gosta de mim!

Não foi a intenção de Dexter soar tão arrogante e convencido. Conscientemente, ele não se achava o grande rei no centro das atenções que precisava ser bajulado por todos. Mas Dex gostava de acreditar que ele era sempre simpático e gentil com as pessoas e era isso que fazia todos gostarem da sua companhia. Chad, por outro lado, abriu um sorrisinho divertido de quem conhecia o amigo bem demais para se enganar.

- Só tenta não fazer merda, tá? Eu ainda estou tentando me acertar com a Emily e não preciso de você sacaneando a prima dela para complicar as coisas.

- Você ainda tá nessa, é? - Dexter arqueou uma das sobrancelhas e foi a vez dele estudar o amigo com conhecimento de causa.

- É claro que ainda estou nessa! Você viu o que rolou no almoço? Acho que ela ficou com ciúmes porque quis conhecer a prima dela, é óbvio que a Emy ainda tá caidinha por mim. Nós dois sempre voltamos um para o outro...

- Aham, parece um iô-iô... - Dex girou os olhos ao fazer aquele comentário baixinho, que foi ignorado por Chad.

- Eu só preciso ser rápido, antes que ela pense em ficar com alguém.

- Ela já encontrou alguém. - Dexter fez uma pausa, já prevendo aquele olhar chocado do amigo, antes de completar. - Você! Mas você foi lá e ferrou com tudo.

- É, mas agora eu vou fazer as coisas darem certo, você vai ver. Só não declare guerra contra a prima dela, Dex, eu imploro!

- Eu me sinto ofendido com um comentário desses. Quem declarou guerra foi ela!

***

Depois de ter enrolado ao máximo pelos corredores da MMU conversando com Chad, Dexter não teve mais como adiar o momento de voltar para casa, principalmente quando viu a chuva desabar. Conhecendo bem o tempo de Colchester, ele sabia que era ainda mais arriscado ficar na escola e esperar o tempo melhorar, porque era muito mais provável que tivesse que dormir nos sofás sujos da biblioteca até o dia seguinte.

Uma música mexicana ecoava baixinho através do centro de mídia, mas toda atenção de Dexter estava voltada para a rua. Mesmo se tratando de um bairro tranquilo, com velocidades máximas baixas e que ninguém se arriscasse andar por aí no meio de uma tempestade, Dex ainda estava bastante cauteloso, um pouco inclinado sobre o volante, estreitando os olhos para conseguir enxergar além da cortina de chuva. As árvores balançavam perigosamente e até algumas placas pareciam que seriam arrancadas do chão a qualquer momento.

A distância da MMU até a residência dos Thompson não era grande, mas Dexter levaria o dobro de tempo com a velocidade reduzida. Foi em meio a um clarão provocado por um raio distante que Dex viu a silhueta de alguém caminhando pela calçada. De costas, em meio a tanta chuva e pela escuridão da rua, era impossível saber quem era, mas isso não importava. Colchester era uma cidade pequena e Dexter gostava de acreditar que ali todos se ajudavam, como uma família estendida a sua própria. E foi apenas com aquela atitude nobre que ele reduziu a velocidade do carro e baixou o vidro.

- Hey, precisa de uma carona???

O barulho da chuva abafou a voz de Dexter, mas com o carro parado ao lado da pessoa, ele não teve nenhuma dificuldade para reconhecer Liberty Bloomfield. Claro que aquele sentimento de injustiça que o incomodava durante todo o dia foi a primeira coisa que surgiu, mas isso não era suficiente para que o rapaz fosse vingativo, menos ainda em uma circunstância como aquela.

- O que está fazendo aí, garota??? A estátua da liberdade tem para-raios? Está tentando se matar, é?

O queixo de Dexter despencou quando Liberty voltou a andar, ainda se comportando daquela maneira arredia e rude gratuitamente. Era a segunda vez que Thompson tentava oferecer uma ajuda e recebia aquela atitude, mas ao invés de simplesmente ignorar uma novata que precisava encontrar seu lugar para a próxima aula, o rapaz não podia ir embora e deixar a garota sob uma tempestade, em uma cidade que ela ainda nem conhecia, com tantos riscos de acidentes.

- Entre no carro, Liberty! - Dexter soou mais firme e bufou quando a garota o ignorou. Com o veículo andando no mesmo ritmo dos passos dela, o rapaz não desistiu. - No melhor dos casos, você vai pegar um resfriado! No pior, um raio pode cair na sua cabeça. E olha que eu nem estou falando nos meios termos, como uma árvore atravessar o seu caminho ou uma placa voar na sua testa! Entra logo no carro, eu não sou o bicho-papão!

Como Liberty pareceu fechara inda mais o semblante, orgulhosa, Dexter acelerou o carro. Mas o que parecia ter sido uma desistência só serviu para que ele fizesse uma manobra, subindo a frente do veículo na calçada, bem diante da garota, de maneira que bloqueava o caminho dela.

- Você vai acabar se matando e eu vou ter que ir na delegacia prestar depoimento! Entra logo aí, eu vou te deixar em casa. Porque caso você não tenha notado, o seu "GPS" está quebrado e você deveria ter virado à direita no último quarteirão. Eu te levo lá e você ainda pode aproveitar o tempo para ir me ofendendo o caminho todo, que tal?

Dexter não sabia se tinha conseguido convencer Liberty, ou se foi só o efeito de mais um tenebroso trovão que fez a menina se encolher, mas seus ombros relaxaram quando ela finalmente entrou no carro. Um rapaz mimado e arrogante começaria a reclamar sobre a água se espalhando pelo banco ou assoalho, mas Dexter apenas se apressou em fechar o vidro, se inclinou sobre o painel e ligou o aquecedor.

- Primeira regra de se viver em Colchester: quando o tempo começa a ficar ruim assim, é preciso procurar abrigo. Mas quem sou eu para te ensinar alguma coisa, señorita? Sou só um grande perdedor soberbo, né?

O sorrisinho cínico de Dexter se desfez quando ele notou os lábios arroxeados de Liberty e como a garota tremia, mesmo com o aquecedor voltado todo em sua direção. Com um suspiro, ele se inclinou para trás até alcançar sua jaqueta do time de futebol largada no banco traseiro e ela foi oferecida a Liberty antes que ele manobrasse o carro para voltar até a rua, na direção certa onde ficava a casa das Sinclair.

- Não se preocupe, eu não tenho piolhos e a minha mãe me vacinou quando eu era criança, está tudo certo. Acho que a minha burrice não é contagiante, mas se você ainda tiver alguma dúvida, talvez ainda seja melhor arriscar do que pegar uma pneumonia, né?
Dexter Thompson
Dexter Thompson
Admin

Mensagens : 50
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Qui Mar 07, 2024 12:04 pm

- Oooooh, drooooga! – a voz de Hunter soou mais alta que o necessário já que Emily estava parada bem diante dele, mas a menina logo entendeu para quem era todo aquele teatrinho – A luz acabou. Maldita tempestade! Agora não vamos conseguir estudar no escuro, Emily! Que pena, né?

O sorrisinho debochado nos lábios de Timmons mostrava claramente que, independente da falta de energia, ele já não pretendia gastar as próximas horas estudando. Apesar do tapinha de repreensão no braço dele, a maneira como Emily mordeu o lábio inferior para conter uma risada denunciou que a menina não estava sinceramente irritada.

- Vem... – como Emily não conhecia tão bem o interior da casa dos Timmons e não conseguiria andar pelos corredores naquela escuridão, Hunter apoiou as duas mãos nos ombros da garota e começou a guiá-la – A minha mãe já foi pro quarto, mas ela separou um prato de janta para você. Imagino que esteja faminta depois do esforço bizarro que você fez para desfazer todos aqueles ninhos de rato do seu cabelo. É sério, você estava um terror quando chegamos!

Não era assim que Emily costumava ser tratada pelos rapazes. Linda e popular, Sinclair estava habituada a ser bajulada, elogiada e venerada pelos garotos. Provavelmente era a primeira vez que Emily ouvia um rapaz usar a palavra “terror” para se referir à aparência dela, mas o tom amigável e divertido de Hunter amenizava o impacto daquela palavra negativa.

Outro detalhe que fazia com que a provocação de Timmons soasse mais como uma piadinha era o fato dos dois serem amigos há vários anos. Além das barreiras construídas por aquela amizade de infância, o namoro entre Chad e Emily fez com que uma muralha ainda maior fosse erguida entre os dois. Embora Hunter enxergasse o quanto Sinclair tinha crescido e se tornado uma moça linda, divertida e interessante, a fidelidade dele ao melhor amigo fez com que Timmons nunca enxergasse Emily como uma “possibilidade”. E como Hunter não tinha a menor intenção de se envolver mais intimamente com a garota, era fácil assumir apenas o papel de um bom amigo e agir naturalmente, sem qualquer tipo de constrangimento, tensão ou segundas intenções.

Ainda guiando Emily pelos ombros, Hunter diminuiu a velocidade dos seus passos enquanto eles desciam os degraus da escadaria. Com Hunter atrás dela (e consequentemente um degrau acima de Emily), a diferença nas estaturas ficava ainda mais significativa. Por isso o rapaz teve que dobrar todo o tronco até conseguir sussurrar aquelas palavras perto do ouvido de Emily.

- Só uma dica. No futuro, se tiver que mentir de novo pro meu pai, não fale sobre trabalhos ou pesquisas escolares. Eu ainda não sei como ele acreditou nessa palhaçada! Você teria sido muuuuito mais convincente se dissesse que eu te convidei pra encher a cara, fumar um baseado ou transar no meu quarto.

Aquela última ideia soava tão absurda que Timmons riu da própria piadinha. Toda a casa estava imersa em escuridão, mas pela janela da cozinha era possível ver um clarão do outro lado do terreno. Depois de entregar um pratinho com o jantar de Emily, Hunter notou o olhar curioso da menina naquela direção e rolou os olhos com ironia antes de explicar.

- Tem um gerador de energia nos estábulos. Nós podemos ficar no escuro, mas os cavalos não... – um dos ombros do rapaz se ergueu antes que ele completasse com uma entonação ainda mais sarcástica – Mas eu não posso reclamar, afinal provavelmente foi a venda de um óvulo congelado que pagou pelo meu carro novo.

Não era a primeira vez que Hunter ironizava a maneira como o pai lidava com o próprio negócio e a prioridade que os cavalos tinham na vida do Sr. Timmons. Era compreensível que Henry cuidasse tão bem de um investimento tão lucrativo, mas as alfinetadas de Hunter denunciavam que o rapaz sentia um pouco de ciúmes da atenção e da dedicação que o Sr. Timmons demonstrava pelos cavalos.

No passado, a situação parecia mais equilibrada porque Hunter se destacava no basquete e dava motivos para que o pai se orgulhasse dele. Mas, depois do acidente, a sensação do rapaz era que ele havia perdido aquela guerra e que não conseguia mais competir com os cavalos pela atenção e pela admiração do pai.

Emily estava quase terminando de jantar quando Timmons andou pela cozinha até alcançar um dos armários. Com a visão já adaptada à escuridão, o rapaz não teve muita dificuldade para encontrar o que desejava. O pacote de M&M sabor manteiga de amendoim já estava aberto e Hunter já tinha enchido uma das mãos com as bolinhas coloridas quando empurrou o pacote diante de Emily, num convite para que a menina também se servisse com aquela sobremesa.

- Hm, não se preocupe... – com a boca cheia, Hunter fez uma pausa para engolir antes de completar – Pode comer sem culpa, Emily. Essa é uma edição fitness, tudo feito especialmente para a dieta padrão de um atleta, com produtos orgânicos de baixas calorias e maior teor proteico.

Uma ruguinha de estranhamento surgiu entre os olhos de Emily, mas Hunter soava tão firme, sério e convincente que a menina acreditou nas palavras dele e enfiou alguns confeitos na boca. Mas foi difícil continuar acreditando nele depois de sentir aquele sabor doce e delicioso. Definitivamente aquilo não parecia ser uma edição saudável e com baixo teor de açúcar.

A gargalhada de Hunter ecoou por toda a cozinha quando Emily lançou um olhar indignado na direção dele. Mas antes que a menina pudesse reclamar das calorias extras que ela havia ingerido, Timmons rolou os olhos mais uma vez.

- Qual é, Sinclair!? M&M é coisa séria, principalmente este de manteiga de amendoim! Corte outras coisas da sua dieta ou faça algumas horas a mais de aeróbico pra compensar, mas não tire essa felicidade da sua vida. Só tem uma coisa melhor e mais prazerosa do que M&M...

Hunter enfiou mais alguns confeitos na boca e forçou um semblante sacana. Tudo levava a crer que ele completaria aquela frase com alguma baixaria, mas ao invés disso Emily ouviu mais uma piadinha.

- Sorvete com M&M!

***

Nos últimos tempos, os encontros de Hunter vinham seguindo um roteiro bem parecido. Amassos no estacionamento do colégio ou debaixo das arquibancadas do campo de futebol, ou então Timmons se aventurava a pular a janela do quarto de alguma moça para passar o restante da madrugada na cama dela. Contudo, independente da garota ou do cenário, eram sempre relações vazias e puramente físicas.

Provavelmente era por estar tão acostumado com aquela dinâmica que agora Hunter não conseguia enxergar que ele estava mais próximo de Emily Sinclair naquela noite do que estivera de qualquer uma das garotas que vinham se revezando nos braços dele. Por mais bizarro que pudesse ser, as conversas, as risadas e as provocações divertidas daquela noite conseguiam estreitar uma intimidade ainda maior que alguns amassos apressados no banco traseiro do carro. Aquele estava sendo um dos melhores “encontros” da vida de Hunter e o rapaz sequer se dava conta disso.

Deitados no tapete felpudo da sala e diante da lareira acesa, Hunter e Emily conversavam, riam e dividiam o mesmo pote de sorvete lotado de M&M. E, para surpresa de Timmons, não demorou muito para que Sinclair desistisse de lutar contra aquela tentação e parasse de contar as calorias que estava ingerindo.

Sem energia elétrica e sem sinal de celular, era esperado que dois jovens ficassem entediados e não encontrassem muitas maneiras de se divertir. Mas além das conversas brotarem naturalmente, logo Hunter e Emily se distraíram com as sombras que a luz que vinha da lareira produzia no teto.

- Que??? – Hunter pareceu indignado ao ouvir a amiga explicar a imagem que ela estava tentando recriar com seus dedinhos – Isso nunca que é um coelho, garota! Eu chutaria um touro. Ou o capeta. Com essas suas unhas gigantes e pontudas, as orelhas do bicho ficaram parecendo chifres!

Como os dois estavam deitados no tapete da sala, separados apenas pelo pote de sorvete deixado entre eles e com os olhos voltados para as sombras do teto, Timmons não percebeu de imediato que a atenção de Emily tinha se desviado. Como a bermuda do pijama de Hunter era curta e o rapaz estava com as pernas dobradas, a enorme cicatriz da cirurgia estava bastante visível no joelho esquerdo dele. Concentrado em mexer seus dedos para tentar formar uma nova imagem nas sombras do teto, Timmons só percebeu para onde Emily olhava quando a menina murmurou um “ainda dói?”.

A tensão que se formou nos ombros de Hunter foi imediata. Numa postura defensiva, o rapaz recolheu as mãos, cruzou os braços e esticou as pernas para tirar o joelho esquerdo do campo de visão da amiga. Timmons geralmente explodia e reagia muito mal quando alguém se atrevia a fazer perguntas ou comentários sobre o acidente, mas naquela noite foi diferente. Mesmo inconscientemente, ele e Emily tinham se aproximado tanto que Hunter não foi capaz de sustentar a máscara de distanciamento e agressividade que ele usava para esconder seus sentimentos nos últimos meses. Era como se intimamente ele soubesse que podia confiar em Sinclair e que podia se abrir com a amiga, sem medo de julgamentos.

- Não. – a voz de Hunter se tornou um pouco mais amarga naquele desabafo – Quer dizer, fisicamente não.

Não era necessário que Timmons entrasse em detalhes ou explicasse melhor aquela declaração. O que ele estava dizendo era que não sentia mais a dor física causada pela lesão do joelho, mas que o impacto que aquela tragédia havia causado na vida dele estava muito longe de ser superado.
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Liberty Bloomfield Qui Mar 07, 2024 12:04 pm

Uma grande prova da influência da genética era o fato de Liberty se parecer tanto com o pai mesmo não tendo uma convivência próxima com Jeff Wooton. Além da inteligência acima da média e da genialidade para lidar com números e tecnologia, Libby também havia herdado do pai uma postura orgulhosa e competitiva. Ela era uma pessoa que não tinha facilidade para admitir os seus erros, que não costumava voltar atrás para consertar uma opinião equivocada e que abominava a ideia de ser vulnerável ou precisar da ajuda de alguém. Principalmente se já existisse alguma rixa entre ela e aquele “alguém”.

Naquela noite, as condições eram MUITO desfavoráveis para Bloomfield. Era ela que estava sob um dilúvio, caminhando sozinha em uma cidade desconhecida à noite. Os tremores, as pontas dos dedos arroxeadas e os movimentos mais lentos de Libby eram sinais claros de hipotermia. Os raios que iluminavam a escuridão da noite também eram um grande risco para uma pessoa desabrigada. Liberty definitivamente não estava em condições de recusar ajuda, mas ainda assim Dexter Thompson teve que literalmente jogar seu carro na frente da garota para obrigar a novata a aceitar uma carona.

Um único detalhe do discurso de Dexter foi o que convenceu Libby a deixar o orgulho de lado e entrar no carro dele. Com um cronograma de aulas, atividades extras e estudos individuais tão rigoroso, Liberty simplesmente não podia correr o risco de perder tempo com um resfriado ou uma pneumonia. Seria uma tragédia ficar alguns dias de cama e já começar o ano letivo com faltas e matérias acumuladas. Ainda não era nada fácil para Bloomfield engolir o orgulho e aceitar ajuda de um cara como Thompson logo depois de ter tido uma desavença com ele, mas nada era mais importante para Libby do que o seu “projeto Princeton”. Por Princeton, Liberty estava disposta a enfrentar aquela humilhação e a ouvir mais uma rodada de alfinetadas e provocações.

Completamente encharcada, Libby fez um grande estrago ao entrar no carro de Dexter com a água pingando de suas roupas e cabelos. Mas ao invés de reclamações, insultos ou provocações, Thompson surpreendeu a garota com uma sincera preocupação. Mas nem mesmo o aquecedor ligado parecia ser capaz de amenizar o desconforto que fazia Liberty tremer, então a garota nem pensou em recusar mais aquela gentileza quando Dexter lhe ofereceu a jaqueta.

Mesmo que a mente de Liberty estivesse mais lentificada pela hipotermia, a garota ainda era capaz de raciocinar. E era justamente por ser tão inteligente e por conhecer todas as leis da termodinâmica que Libby sabia que a jaqueta e o aquecedor não fariam muita diferença enquanto ela estivesse usando roupas encharcadas que consumiam todo o calor que o corpo dela produzia.

Foi sem nenhum constrangimento que Liberty tirou os tênis e as meias molhadas e puxou a camiseta por cima da cabeça. O top esportivo que ela usou na aula de cross country não permitiu que o tronco da menina ficasse totalmente exposto e, logo no segundo seguinte, Libby já se enfiou dentro da jaqueta de Dexter. As calças molhadas ainda congelavam as pernas da garota, mas Liberty já começou a se sentir um pouco melhor com o peito e os braços começando a se aquecer.

Por um bom tempo, Bloomfield não conseguiu dizer nada. O único som que a garota produzia vinha dos seus dentes se chocando graças aos tremores involuntários do seu corpo. Os dedinhos arroxeados dela se aproximaram do ar quente que saía pelo aquecedor e Liberty esfregou as mãos repetidas vezes para ajudar seu corpo a produzir mais calor.

Um novo trovão potente fez a garota se encolher e o ar ficou preso dentro dos pulmões dela quando o carro de Dexter passou por uma grande árvore caída na calçada. Era impossível para Libby não pensar que ela poderia ter sofrido um acidente grave ou até morrido por hipotermia se Thompson não tivesse lhe ajudado naquela noite.

Mesmo tendo chegado em Colchester há poucos dias, Liberty não teve dificuldade para reconhecer a rua da casa das Sinclair quando o carro de Dexter virou em uma esquina. Ainda chovia bastante quando o veículo parou há poucos metros da entrada, mas não foi o medo de enfrentar novamente a tempestade que deixou Libby sem reação por alguns segundos. O que realmente travou a mente de Liberty foi a luta contra o seu próprio orgulho, porque ela sabia que Thompson merecia um agradecimento e um pedido de desculpas depois de tê-la salvado naquela noite.

- Eu vou lavar a sua jaqueta e te devolvo depois. – o timbre mais rouco mostrava que Libby ainda não estava totalmente recuperada, mas pelo menos agora ela parecia ser capaz de articular as palavras – E sinto muito pelo carro. Também posso pagar pela limpeza ou pela troca do estofado se você preferir...

Sendo a única bolsista da MMU, era óbvio que Liberty não vivia no mesmo mundinho privilegiado dos colegas e que aquele dinheiro poderia fazer falta no orçamento dela. Dexter não tinha feito nenhuma cobrança ou reclamação sobre os estragos do carro, mas o orgulho da menina não permitiria que ela tivesse aquela “dívida” com o colega.

Thompson não queria uma previsão para ter sua jaqueta de volta, tampouco parecia preocupado com os estragos do carro. Mas o olhar sugestivo com o qual ele encarou a colega mostrava que Dexter esperava algo a mais dela. A única exigência dele parecia ser algo fácil demais, mas ainda assim aquela foi a parte mais difícil para Liberty. A garota parecia estar usando todas as suas forças para vencer o próprio orgulho e entoar um simples agradecimento.

- Obrigada, Thompson.

A boca de Dexter chegou a se abrir, mas Liberty não continuou no carro para saber se ele simplesmente aceitaria o agradecimento ou se ele aproveitaria aquela situação para soltar mais alguma provocação. Em sua pressa de fugir daquele diálogo que feria o seu orgulho e a deixava tão vulnerável, Libby puxou apenas a mochila e os tênis antes de saltar para fora do carro, esquecendo para trás a camiseta molhada jogada sobre o assoalho.

***

Para uma pessoa tão inteligente e que costumava se destacar e tirar notas máximas em todas as disciplinas, não era fácil para Libby reconhecer ou aceitar um erro. Mas, depois daquela tempestade, a novata teve que admitir para si mesma que ela havia errado em seu julgamento inicial sobre Dexter Thompson.

A primeira impressão dela sobre Dexter foi a pior possível. Depois da discussão ocorrida no primeiro dia de aula, Liberty teve certeza de que Thompson era só mais um típico garoto popular arrogante, mimado, burro, maldoso e que se sentia superior ao resto do universo. Mas o Dexter que havia salvado Libby naquela noite definitivamente não se encaixava naquela descrição. O cara tão desprezível que Bloomfield enxergava ao encará-lo certamente teria dado as costas para ela ou até usado aquela situação para se vingar ou humilhar a menina.

Depois de tomar um banho quente, colocar roupas confortáveis e se enfiar debaixo dos cobertores, Libby conseguiu raciocinar ainda melhor e enxergar que ela havia sido injusta e preconceituosa com o colega. O orgulho avassalador de Liberty ainda dizia que ela não havia errado em enxergar Dexter como um garoto tolo e superficial, mas ela já não conseguia mais vê-lo como um completo babaca que merecia os insultos dela.

Consequentemente, Bloomfield sabia que devia um pedido de desculpas a ele. E foi essa certeza e essa culpa que fizeram com que Dexter não saísse dos pensamentos dela durante toda a madrugada. Como Libby não conseguia parar de pensar em tudo o que havia acontecido naquela noite e ela não podia perder tempo ou comprometer suas noites de sono remoendo aquela culpa, a garota decidiu que iria resolver aquela situação na manhã seguinte. Ela precisava de mais uma conversa com Dexter Thompson para se desculpar, para pagar pela dívida que existia entre os dois agora e para voltar a se concentrar totalmente no projeto Princeton.

***

Era ridículo que o céu estivesse tão limpo e o dia estivesse tão quente naquela manhã. Se não fosse pelas folhas nas calçadas, pelas telhas quebradas e pela grama ainda úmida, ninguém acreditaria que havia chovido tanto na noite anterior. Liberty estava em Colchester há poucos dias e não conseguia entender o clima tão estranho e instável do estado de Vermont. E Libby odiava lidar com coisas que não tinham uma explicação lógica.

Também foi muito estranho entrar na cozinha para o café da manhã e ouvir a tia explicando que Emily não havia dormido em casa porque tinha ficado presa na casa dos Timmons. A mente tão ágil de Bloomfield também falhou miseravelmente na busca por uma explicação para que Emily e Hunter estivessem juntos. Até onde a novata sabia, o ex-namorado da prima era Chad Clifford e tudo levava a crer que ainda poderia haver uma chance de reconciliação entre o casalzinho.

Sem a carona de Emily, Libby teria que ir andando até o colégio, mas isso não parecia ser um grande problema naquela manhã ensolarada. Depois de ajeitar a mochila e separar tudo o que ela precisaria para aquele dia, Liberty ainda se deslocou até os fundos da casa das Sinclair, onde ficava a lavanderia.

Como a menina havia acordado alguns minutos mais cedo, a jaqueta de Dexter Thompson já tinha sido lavada e agora foi retirada da secadora. Foi num gesto inconsciente e instintivo que Libby aproximou a peça do seu rosto para conferir se a lavagem tinha sido eficiente para retirar qualquer cheiro desagradável. O tecido agora exalava o perfume agradável do amaciante, mas não foi apenas isso que Liberty sentiu.

Por usar tanto aquela jaqueta, era como se o perfume de Thompson já estivesse impregnado nas fibras do tecido. Mesmo depois de lavar a peça, Liberty ainda conseguia sentir uma fragrância almiscarada misturada com o cheiro natural da pele do rapaz. E se somando à lista das coisas ilógicas que Libby não conseguia compreender, a menina não saberia explicar por que aquele cheiro fez com que ela se arrepiasse e afundasse ainda mais o nariz no tecido. Liberty estava completamente inebriada por aquela sensação bizarra quando os passos da tia se aproximando da lavanderia obrigaram a menina a enfiar a jaqueta dentro da mochila e se recompor.

***

- Oi, Chad. Você viu o Thompson por aí?

Como Liberty havia chegado ao colégio com alguns minutos de antecedência e reconheceu o carro de Dexter parado no estacionamento, a ideia da menina era resolver logo aquela pendência. Principalmente porque Libby estava aflita e ansiosa para arrancar Thompson de seus pensamentos.

- O Dex...? – parado em frente ao seu armário, Chad interrompeu o movimento de guardar seus livros na mochila para dar atenção à novata – Ele geralmente chega mais cedo pra treinar, então deve estar no campo ou no vestiário. Por que? Você se esqueceu de mencionar algum insulto ontem?

A alfinetada de Chad só mostrava que ele era um amigo fiel e que pretendia ficar ao lado de Dexter naquela história. Mas, ao invés de constrangida, Libby arqueou as sobrancelhas e reagiu com bom humor.

- Noooossa, mas ele já foi fazer fofoca? No meu antigo colégio em Seattle eram as meninas que tinham fama de fofoqueiras, sabia? Mas eu já saquei que as coisas são bem diferentes em Colchester. – as piadinhas foram deixadas de lado e Libby soou mais séria quando completou – Eu só quero pedir desculpas. Acho que fui injusta com ele.

- Não é fofoca, ele realmente ficou chateado. O Dex é mais sensível do que você imagina. Vocês começaram mal, mas com certeza um pedido de desculpas vai recolocar vocês dois na trilha de uma boa amizade. Procure por ele no campo, ele deve estar lá! – Chad bem que tentou se controlar, mas a pergunta pulou pra fora da boca dele antes que Liberty tivesse a chance de se afastar – Você veio com a Emily? Onde ela está?

Mesmo tendo o raciocínio tão rápido, Libby ainda demorou alguns segundos até decidir o que fazer. Como era óbvio que Chad não sabia que Emily não havia dormido em casa naquela noite, não seria Liberty quem atualizaria o rapaz sobre aquela novidade. A novata não queria mentir, mas também não queria dizer nada que pudesse comprometer a prima diante de um ex-namorado inseguro e ciumento, então Liberty optou por uma resposta vaga, mas sincera.

- Eu não sei. Na verdade eu vim sozinha hoje, aproveitei a caminhada para colocar alguns podcasts em dia. Eu tenho mesmo que ir, Chad, preciso falar com o Thompson antes que toque a sirene para a primeira aula!
Liberty Bloomfield
Liberty Bloomfield
Admin

Mensagens : 51
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Emily Sinclair Qui Mar 07, 2024 3:21 pm

A história de Hunter Timmons era conhecida na cidade inteira. O peso de um sobrenome importante já trazia notoriedade para o único filho de Henry, mas o rapaz tinha motivos para sua pequena fama. O bom garoto, com futuro promissor no basquete, tinha tudo para se transformar em uma verdadeira celebridade de Colchester para o mundo. E o acidente que tinha arruinado aquele sonho prematuramente só tinha trazido o nome de Hunter para a boca do povo com ainda mais frequência.

Por conhecê-lo desde criança, Emily tinha acompanhado de perto a transformação que Hunter tinha sofrido de antes até depois do acidente. Mas tanto tempo já tinha se passado que todos pareciam já ter se acostumado com a nova personalidade do rapaz rebelde e encrenqueiro. Era como se aquele Hunter de antes nunca tivesse existido. Naquela noite, entretanto, Sinclair teve um poderoso lembrete de que existia muito mais no jovem Timmons do que o adolescente que ficava bêbado dentro da escola.

Algumas horas antes, Hunter estava sendo resgatado por uma amiga para não ser flagrado pelo professor carregando uma garrafinha cheia de bebida alcoólica. E o rapaz que tinha encurralado Emily no estacionamento escuro também não parecia em nada com o amigo leve que gargalhava, contava piadas e até arriscava se abrir com ela. Mas havia algo em comum naquelas três situações: em todas elas, Emily tinha se mantido presente e pronta para ajudar Hunter da forma que ele estivesse precisando.

Não houve nenhum olhar de piedade e Emily não cometeu o erro de lidar com a confissão do amigo como se ele fosse um cristal frágil. Foi sem nenhuma pressa que a menina tombou a cabeça para o lado até procurar o rosto de Hunter, e por alguns segundos ela apenas o encarou em silêncio, como se fosse capaz de ler através da máscara até ser capaz de enxergar sua verdadeira essência.

- Esse é o pior tipo de dor.

Embora Hunter não tivesse sido muito específico ao dizer que não sentia mais a dor física, era óbvio o que ele estava querendo dizer. Que eram as cicatrizes emocionais que ainda lhe corroíam por dentro, e era sobre isso que Emily estava falando.

- É uma dor invisível, então ás vezes pode ser fácil enganar as outras pessoas. Ou até mesmo elas preferem fingir que não estão vendo para não ter que lidar com os problemas dos outros... Mas a dor está sempre lá. Não importa se você esteja sorrindo, explodindo de raiva, dançando ou comendo M&Ms. E não é o tipo de coisa que podemos resolver tomando um analgésico, então com o tempo nós só nos tornamos um grande peso e nem nós mesmos sabemos como lidar com ela...

Tudo o que Emily dizia se encaixava em Hunter. Era como se ela fosse mesmo capaz de saber exatamente como ele se sentia, sozinho, destruído, com aquela dor lhe corroendo e sem nenhum vislumbre de melhora. E a forma com que Sinclair sustentou o olhar durante cada palavra que saía da sua boca só tornava seu discurso ainda mais intenso. Era algo bastante sensível e íntimo para uma cabecinha fútil de uma líder de torcida, mas Emy explicou como podia ter uma remota noção do que Hunter sentia.

- Eu sei que as situações nem se comparam, mas acho que foi um pouco assim que eu me senti quando os meus pais se separaram. Não tinha nada fisicamente errado comigo, mas eu não sabia como lidar com tudo o que estava acontecendo.

Emily tinha apenas catorze anos quando Robert e Hilary se divorciaram, e embora fosse idade suficiente para entender a situação, não tinha sido fácil para a caçula, a princesinha mimada da família, ver seu lar sendo destruído. Mesmo com os claros sinais que o pai e a mãe davam de que aquele casamento não estava indo bem, Emy sempre tinha se agarrado na sua inocência de que eles ficariam juntos para sempre. E ver o seu mundinho cor de rosa sendo rompido para outra realidade tão diferente e incômoda não foi algo fácil de lidar.

Com a brincadeira das sombras já abandonada, Emily se virou sobre o tapete até ficar deitada de barriga para baixo. Os cotovelos sustentavam o seu tronco para que ela mantivesse a cabeça erguida, com os cabelos ruivos deslizando pelo seu rosto até tocarem o chão. E sua atenção estava novamente presa em Hunter antes de continuar.

- É ridículo, não é? - Emy fez uma pausa e deu de ombros antes de se explicar. - Como um único dia, quando um dia que você pensa que vai ser como todos os outros, um único detalhe acontece e pode ser capaz de mudar toda a sua vida.

Para Emily, acordar em um final de semana cheia de planos para se divertir com os amigos tinha se transformado em uma grande crise quando ela viu o pai saindo de casa sem que eles ao menos tivessem uma conversa em família. Para Hunter, um único escorregão tinha destruído seu maior sonho. E o que nenhum dos dois parecia ser capaz de enxergar naquele momento era como aquilo se repetia. Naquele dia que deveria ter sido só mais um dia comum em suas rotinas, os dois tinham ido parar no chão da sala dos Timmons, conversando sobre suas feridas.

- Foi muito injusto o que aconteceu com você. Um acidente, uma fatalidade... Mas ainda muito injusto. E eu sinto muito, Tim...

Popular, bonita, vaidosa, o tipo de garota que só se preocupava com a sua posição como líder de torcida e a presidência do comitê de eventos. Era muito fácil julgar e desmerecer Emily Sinclair. Mas quem tinha a oportunidade de conhecê-la de verdade sabia que Emy era uma amiga fiel, com um bom coração e capaz de enfrentar o mundo para defender quem estivesse ao seu lado.

Os olhos castanhos nem piscavam enquanto encaravam Hunter. E talvez fosse apenas reflexo da lareira, ou a intimidade daquela conversa, mas o olhar de Emy parecia mais doce e intenso do que o normal quando ela arqueou as sobrancelhas.

- Eu sei que você tem o Chad e o Dex, mas se algum dia quiser conversar, sobre isso ou qualquer outra coisa, eu vou estar aqui. Eu sou uma melhor ouvinte do que aquela sua garrafinha nojenta. - Emily abriu um sorriso mais leve, mas enquanto brincava com as pontinhas dos cabelos ruivos, ela completou com ternura. - Ninguém tem o direito de invalidar a sua dor, seja ela qual for, Tim. Mas você também não deveria fazer isso consigo mesmo. Você é muito mais do que o seu joelho ou o basquete. E se você não sabe disso, então talvez precise descobrir o que mais pode te fazer feliz.
Emily Sinclair
Emily Sinclair
Admin

Mensagens : 52
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Dexter Thompson Qui Mar 07, 2024 4:24 pm

Colchester era uma cidade pequena, onde todos se conheciam e sabiam o que os outros estavam fazendo. Não era à toa que a fama de Hunter Timmons tinha se espalhado como pólvora, porque ali ninguém estava acostumado com personalidades mais fortes. Dexter sempre tinha se encaixado bem naquela cidadezinha, porque além de ser muito querido, ele costumava agir como era esperado dele, fosse do pai com seus rigorosos cronogramas de exercício e dietas, pelo treinador, pelos amigos ou pelas garotas.

Não que Dexter Thompson fosse um anjinho de candura, mas era como se todo o tempo ele precisasse acertar. E ver alguém descumprindo as regras sociais como Liberty fazia o obrigava a sair da sua zona de conforto, e sem que Dex tivesse pensando ou controlando, isso também despertava nele uma grande curiosidade. Era natural querer saber mais sobre uma novata que chegava em uma cidade onde todos já se conheciam, mas sem que o rapaz percebesse, ele já começava a se fazer perguntas muito mais profundas, muito além das dúvidas sobre como era o antigo colégio de Liberty em Seatlhe, como ela estava se adaptando na cidade ou de que tipo de música ela gostava.

Com o silêncio da garota ao seu lado, Dexter a procurava pelo cantinho do olho, tentando desvendar aquele enigma, procurando pelos sinais que pudessem lhe responder e esclarecer dos motivos que tinham levado Bloomfield a erguer todos aqueles muros, a atacar com pedras na mão antes mesmo que alguém tivesse a chance de dizer um "oi".

Aqueles pensamentos estavam tomando conta da mente de Dexter de tal maneira que ele se viu tentado a arrancar alguma coisa de Liberty quando eles chegaram na residência das Sinclair. Não era apenas provocação por estar em vantagem ou um teste para ver até onde a novata iria com a sua frieza, tanto que no instante em que escutou aquele "Obrigada, Thompson", Dex podia ter respondido com um sorrisinho zombeteiro e implicado dizendo algo como "Nem doeu, não é?". Mas tudo o que ele tinha a dizer era um sincero "não foi nada", que ficou perdido no meio da sua garganta quando a menina saltou para fora do carro.

Apesar da chuva forte, Dexter conseguiu chegar em casa ainda em poucos minutos, sem sofrer nenhum arranhão. E com o carro protegido dentro da garagem dos Thompson, ele prontamente se dispôs a limpar um pouco da bagunça que Liberty tinha deixado para trás. Mais uma vez, não havia nenhum tipo de raiva ou irritação por causa de toda aquela sujeira, mas eram as dúvidas sobre quem Liberty era e por que ela agia daquela maneira que tumultuavam seus pensamentos enquanto ele secava o banco e o assoalho. Foi só durante aquela limpeza que Dex percebeu que a novata tinha deixado uma peça de roupa para trás.

Quando Liberty se livrou das roupas molhadas para se proteger dentro da jaqueta, Dexter tinha se comportado como um rapaz exemplar, mantendo o olhar na estrada e respeitando a pouca privacidade que poderia lhe dar. Mas ali, sozinho, foi impossível controlar um sorrisinho torto se repuxando no canto dos seus lábios enquanto ele segurava a roupinha encharcada de Libby em suas mãos.

Não era a primeira vez que Dexter encontrava roupas femininas perdidas nos buracos mais estranhos daquele carro. Ele ainda não sabia como um sutiã de Tessa Walsh tinha ido parar engatado em meio aos pedais do acelerador e freio. Mas eram as circunstâncias tão diferentes entre outras garotas e Liberty Bloomfield que acabaram arrancando uma risada divertida de Dexter.

***

- Hijoooo! Ay Dios mío!!! Onde você estava até agora???

Mesmo sendo um rapaz crescido, praticamente um homem, Dexter estava acostumado com a maneira que a mãe o tratava como um garotinho. Ao invés de se irritar e reclamar de todo aquele grude, Dex se deixou ser envolvido pelos braços da mãe e praticamente foi esmagado contra o peito dela enquanto a mulher se certificava de que ele estava inteiro.

- Relaxa, mãe! Tinha uma árvore caída, eu tive que vir por outro caminho. O que estão fazendo?

- Jantando sorvete! - Eric respondeu de boca cheia, mostrando o pote com uma quantidade mais do que generosa de sorvete. - Acabou a luz e estamos detonando tudo o que está no congelador. Quer?

Foi inconscientemente que Dexter deslizou o olhar ao redor, procurando pelo pai. Como controlava toda a alimentação do filho, Dex sabia que Justin não aprovaria que ele começasse a se entupir de açúcar e deixasse de ingerir a quantidade necessária de proteínas agora que os treinos se intensificariam com os jogos.

- Tu padre está trabajando! - Alma esbravejou, claramente irritada com o fato do marido não estar em casa no meio daquela tempestade.

- Eu vou esquentar alguma coisa para comer, obrigado.

- Deixa que a mamãe faz, querido! Você deve estar cansado!

Um som esganiçado veio de onde Eric estava antes que o rapaz começasse a tossir, com um pouco de sorvete saindo pelas narinas. O gelado provocou uma dor aguda na sua cabeça e o garotinho urrou, levando as duas mãos até os olhos enquanto esperava aquela sensação passar. Preocupada com o caçula, Alma quase tropeçou para trocar a atenção de um filho ao outro, mas Dexter não teve pena do irmão porque ele sabia que aquilo só tinha acontecido porque o garotinho tinha tentado pernder uma risada debochada.

- Que carma, hein Eric?

Dex riu enquanto dava as costas para a mãe e o irmão, mas no fundo ele sabia que precisava agradecer o caçula. Alma não tinha reparado e ninguém nunca tivera coragem de lhe dizer com todas as letras, mas todo mundo naquela casa tremia só de pensar que ela pudesse preparar alguma refeição. Tinha sido para rir e debochar do irmão que Eric tinha acabado se engasgando, mas aquele desvio de atenção tinha sido perfeito para que Dexter pudesse ter a desculpa de preparar seu próprio jantar.

Com a falta de talento (ou um gigantesco desastre) de Alma na cozinha, Dexter tinha aprendido a se virar desde cedo com suas próprias refeições. Tudo tinha começado com alguns sanduíches simples, um café da manhã algumas receitas mais arriscadas. Mas com o passar do tempo, Dex tinha descoberto um grande dom com os temperos e as panelas. Quando estava no campo de futebol, Thompson sentia a adrenalina, o sangue pulsando, os comandos instintivos. Mas quando ele estava cozinhando, era uma calmaria rara, deliciosa e perfeita. E como resultado, ele sempre preparava os quitutes mais deliciosos.

Depois de cortar alguns legumes e temperar a carne, Dexter deixou Alma e Eric tagarelando na cozinha e se enfiou na área de serviços. Um garotinho mimado, popular e acostumado a ser o "rei" não deveria perder tempo com serviços domésticos, mas Thompson se mostrou bastante familiar com os botões da máquina de lavar quando também se preocupou em lavar a peça de roupa de Liberty.

***

O ar queimava dentro dos seus pulmões e seu coração estava acelerado quando Dexter finalmente escutou o apito no seu fone de ouvido, avisando que o tempo do treino tinha acabado. Ele ergueu o pulso e conferiu a telinha digital do relógio, com os números que mostravam seu progresso no treino. Fosse uma corrida, um treino de circuito, musculação ou até mesmo durante alguns jogos, todos os dados coletados pelo Software eram enviados automaticamente para o e-mail de Dexter. Com uma cópia para o Sr. Thompson.

Não era um sacrifício ser um jogador de futebol popular, vencer campeonatos, ser bajulado e trazer troféus e medalhas para a MMU. Mas Dexter não era o tipo de cara que simplesmente amava se entregar por completo na rotina pesada de exercícios. Era difícil sair da cama ainda escuro, quando todos os seus colegas ainda dormiam, para poder se exercitar. Às vezes Dex só queria uma folga, uma manhã inteira de preguiça, mas ele sabia que não podia relaxar e decepcionar todos que dependiam dele.

O vestiário masculino estava vazio quando Dexter se enfiou em uma das duchas. A água fria ajudou a aliviar a quentura da sua pele e o livrou do suor pegajoso. Com um estojinho azul escuro trazendo seus pertences, Thompson lavou os cabelos e estava emanando um delicioso perfume de sabonete fresco na pele quando desligou a água e saiu na direção dos armários com apenas uma toalha amarrada na cintura.

Em dias de treinos coletivos ou jogos, era comum que aquele cômodo virasse uma feira com tantos rapazes rindo, tagarelando e implicando uns com os outros enquanto andavam seminus, mas naquela manhã o vestiário estava completamente silencioso quando Dex alcançou seu armário, procurando as roupas limpas. E foi por não ter escutado ruído algum que ele teve um grande susto ao fechar a porta do armário e ver que não estava mais sozinho.

- Santo Dios!!!

As batidas do coração voltaram a acelerar e Dexter levou uma mão até o peito nu depois de reconhecer Liberty. Além de não esperar encontrar uma garota ali, Bloomfield definitivamente era a última pessoa que Thompson achou que pisaria dentro do vestiário masculino. Depois de ter certeza de que não era uma assombração, o rapaz soltou um risinho para disfarçar o seu (exagerado) susto, e com uma das mãos ainda segurando o armário aberto, ele usou a outra para jogar os cabelos molhados para trás.

- Vermont - 8071700


- Os seus amigos robôs podem não ter esse probleminha, señorita, mas você pode acabar matando alguém de susto aparecendo assim, sabia?

Dexter tinha acabado de fazer um treino exaustivo e ainda tinha levado um grande susto, mas algo lhe dizia que aquelas batidas aceleradas que continuaram lhe acompanhando quando ele pousou o olhar em Liberty eram causadas exclusivamente por causa daqueles grandes olhos escuros. No carro, Dex até podia não ter notado de imediato, mas tinha sido impossível ignorar como Bloomfield tinha ocupado seus pensamentos durante toda a noite, ainda como uma grande incógnita que ele precisava desvendar.

Já com o susto superado, o olhar de Dex deslizou discretamente pela novata e ele nem parecia ter notado que estava usando apenas uma toalha diante dela. Uma pessoa normal até poderia se sentir insegura, mas Liberty finalmente entenderia o que a prima tinha dito sobre a "principal virtude" de Dexter Thompson. Um rapaz como ele não tinha motivo ALGUM para se sentir inseguro em relação ao próprio corpo.

- O que está fazendo aqui? Acho que talvez seja melhor rever aquele lance de GPS, porque você parece estar precisando de um. Esse é o vestiário masculino, Bloomfield. O saco de pancadas fica na academia.
Dexter Thompson
Dexter Thompson
Admin

Mensagens : 50
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Qui Mar 07, 2024 8:56 pm

Para Hunter, quase tão ruim quanto ter perdido a chance de realizar o grande sonho da vida dele era ter que lidar com a compaixão das pessoas. Timmons odiava o papel de vítima, os olhares de piedade, os discursos de pesar. Inconscientemente, Hunter acabou mudando radicalmente a sua personalidade porque ele preferia ser o garoto-problema do que o pobre coitado de quem todos sentiam pena.

E provavelmente era por isso que o rapaz reagia de maneira tão arredia e agressiva sempre que surgia qualquer assunto sobre o acidente. Para se proteger, Hunter atacava e não dava a chance para que as outras pessoas o vissem como uma vítima injustiçada pelo destino. Mas, naquela noite, ao lado de Emily Sinclair, Timmons se sentia tão à vontade que ele simplesmente não viu necessidade de vestir aquela velha armadura.

Falar sobre o acidente e sobre os seus sentimentos não era a solução de todos os problemas, mas Hunter se surpreendeu ao ver que o peso sobre seus ombros parecia mais fácil de suportar agora que ele havia dividido um pouco daquela carga com uma amiga.

E foi com a mesma postura compreensiva da garota que Hunter ouviu Emily desabafar sobre a família e o divórcio dos Sinclair. Ao invés de acusar Emily de estar comparando um simples divórcio com a pior tragédia da vida dele, Timmons não invalidou a dor da garota e foi capaz de entender que aquele também era um tema dolorido e delicado para ela.

Quando Emily declarou que uma boa solução para os problemas dele era buscar por outra coisa que o fizesse feliz, Hunter teve que fazer uma pausa para refletir sobre aquelas palavras. E não foi difícil concluir que Sinclair tinha razão. Nos últimos anos, Timmons havia depositado todas as suas fichas de felicidade unicamente no basquete. Simplesmente não havia mais nada que o deixasse tão motivado, que fizesse brotar a mesma paixão dentro dele.

Se Hunter realmente quisesse se reerguer agora, ele precisava procurar outro propósito, outra motivação, outra paixão que fizesse o coração dele bater mais forte novamente. Mas o grande problema é que Timmons não sabia nem por onde começar aquela busca.

- Acho que não existe mais nada em que eu seja realmente bom, Emily...

Antes de toda aquela tragédia acontecer, Hunter se esforçava para manter uma boa média em todas as disciplinas do colégio, mas não havia nenhuma área que despertasse um brilho diferente nas íris cor de avelã. Timmons também não parecia ter a menor vocação para seguir os passos do pai e assumir os negócios do haras. Por ter passado tanto tempo se dedicando apenas ao basquete, Hunter nunca havia dado a si mesmo a chance de descobrir mais sobre os seus gostos, preferências e habilidades, então agora a sensação do rapaz era de olhar para um estranho sempre que ele se colocava diante de um espelho.

Aquela provavelmente era a conversa mais íntima que Hunter protagonizava há anos. Nem mesmo com os pais ou com os melhores amigos o rapaz se sentia tão à vontade para mostrar suas dúvidas e inseguranças. E apesar do tom mais leve e divertido, ele parecia estar falando sério quando fez aquela proposta para Emily.

- E se você me ajudasse com isso? Eu sei que você adora desafios, então te dou autorização para me revirar de cima a baixo até encontrar algo que vale a pena em mim.

***

- Huntie...? – a Sra. Timmons teve que insistir quando o filho nem se moveu após aquele primeiro chamado – Hunter, querido! Acorde!

- Vermont - 862228d12e92767a3f0a42ca68b2039b

Deitado no sofá da sala, o rapaz abriu os olhos de uma vez e pareceu um pouco confuso com aquele cenário. A mente sonolenta de Hunter demorou alguns segundos até se lembrar de que ele e Emily tinham passado boa parte da madrugada conversando na sala e o rapaz não saberia dizer em que momento ele havia pegado no sono. Mas ao ver os fios ruivos de Sinclair espalhados no outro sofá, Hunter percebeu que não tinha sido o único que se deixara envolver tanto por aquela conversa.

- Queridos! – a mãe do rapaz completou depois de ver que Emily também tinha aberto os olhos – Vocês não estão atrasados para o colégio???

Hunter deslizou para fora do sofá, mas o pulo de Emily foi muito mais desesperado depois que a menina conferiu os ponteiros do relógio da sala. Acostumado com atrasos e faltas, Timmons pouco se importava com o risco de receber mais uma advertência na sua ficha escolar, mas para Emily aquilo seria uma tragédia que mancharia o seu histórico logo no último ano.

Para uma menina que demorava horas para se arrumar e aparecer impecável pelos corredores da MMU, naquela manhã Emily bateu um recorde pessoal quando só precisou de poucos minutos para recolocar o uniforme da torcida. A Sra. Timmons separou um lanche para que eles não perdessem tempo com o café da manhã e logo os dois estavam mais uma vez no carro, desta vez com um Hunter sóbrio ocupando o lugar atrás do volante.

A chuva da noite anterior havia transformado a estradinha de terra num grande lamaçal. Mas agora, com o sol brilhando acima deles e com uma excelente visibilidade da via, Timmons conseguiu guiar o carro para um ponto menos lamacento da estrada e fez com que a picape vencesse aquele obstáculo.

- Puta merda, Sinclair! – o rosto bonito do rapaz se contorceu numa careta quando ele deu uma olhadinha de lado e viu que Emily estava usando o espelhinho central do carro para se maquiar – Isso é mesmo necessário? Você está sujando todo o meu painel com esses seus cremes e pozinhos!

Mesmo com pouco tempo disponível, com as reclamações do rapaz e com o carro de Hunter se sacudindo pela estradinha de terra irregular, Emily conseguiu finalizar a maquiagem. O veículo mal tinha parado numa das vagas do estacionamento da MMU quando Sinclair abriu a porta e saltou para fora, desesperada para entrar no colégio antes da primeira sirene tocar. Mas Emily mal tinha dado o primeiro passo na direção da porta principal quando uma voz familiar soou às costas dela.

- Emy...? – Chad já estava um pouco confuso com aquela cena e pareceu ainda mais perdido ao ver o melhor amigo saindo pela outra porta da picape – Tim??? Vocês dois vieram juntos? Por que???

De fato não fazia muito sentido ver Hunter e Emily chegando juntos ao colégio. Embora eles fossem amigos, Sinclair tinha amigas mais próximas que poderiam lhe dar uma carona caso a garota estivesse com problemas. A estrada que levava para a casa de campo dos Timmons não ficava na mesma direção da casa de Emily, então também era difícil acreditar que os caminhos dos dois tinham se cruzado por acaso.

Chad não tinha mais o direito de pedir explicações para a ex-namorada. Mas, conhecendo a personalidade insegura e ciumenta do melhor amigo, Hunter já sabia que Clifford iria pirar se Emily se recusasse a responder aqueles questionamentos. Aliás, na época do namoro, Chad tinha tido crises de ciúmes por causa de situações muito mais bobas do que aquela. Então foi para evitar mais um grande drama que Timmons se apressou a tomar a palavra.

- Relaxa, Cliff, não é nada demais. É que ontem o carro da Sinclair estragou... – o rapaz indicou a vaga na qual o carro de Emily ficara estacionado na noite anterior – Eu estava vindo pra cá e ofereci uma carona quando percebi que ela estava atrasada. Só isso, cara.

A mentira de Timmons provocou um ar de estranhamento na moça e Emily parecia um pouco perdida quando encarou Hunter, tentando entender por que ele simplesmente não dissera a verdade ao amigo. Afinal de contas não havia acontecido nada demais. Sinclair tinha sido apenas uma boa amiga que fez um favor para Hunter e acabou ficando presa na casa dos Timmons durante uma tempestade.

Só que Hunter conhecia Chad bem demais. Bem o bastante para saber que o rapaz não teria uma reação positiva ao ouvir que Emily havia dormido na casa de outro cara. Ainda mais sabendo que esse outro cara era Hunter Timmons e conhecendo a má fama do melhor amigo. Para evitar uma avalanche de perguntas e uma grande crise com o amigo, Hunter simplesmente inventou uma história para não precisar explicar que ele e Sinclair tinham passado horas juntos e compartilhado risadas e desabafos em meio a uma conversa profunda e significativa.

A personalidade ciumenta de Chad até poderia ser a principal justificativa para a mentira de Hunter, mas também era verdade que Timmons preferia não ter que confessar que ele havia tido um momento de fraqueza e vulnerabilidade na noite anterior. E o olhar sugestivo que ele lançou à Sinclair era praticamente uma súplica para que a menina não o desmentisse e não compartilhasse com Clifford detalhes sobre a conversa dos dois.
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Liberty Bloomfield Qui Mar 07, 2024 8:57 pm

Diferente da maior parte das meninas daquela idade, Liberty não costumava perder muito tempo na escolha das roupas, sapatos, acessórios ou maquiagem que usaria no colégio. Não que Bloomfield não se preocupasse com a própria aparência, ela definitivamente não era uma típica nerd desleixada que deixava os cabelos ensebados ou usava a mesma camiseta larga todos os dias. A principal diferença entre Libby e as outras garotas era que a novata não se preocupava com a opinião das outras pessoas e nem fazia a menor questão de competir com as outras meninas ou chamar a atenção dos rapazes.

Enquanto praticamente todas as alunas da MMU desfilavam pelos corredores do colégio com saias, blusinhas mais decotadas, cabelos impecavelmente escovados e com seus rostos maquiados (e retocados durante todos os intervalos entre as aulas), a aparência de Liberty naquela manhã não poderia ser mais básica. A calça jeans preta não era nem um pouco justa e permitiria que a menina passasse o resto do dia sem se sentir desconfortável. A camisa de botões tinha uma discreta estampa floral e mangas compridas que Libby havia dobrado até a altura dos seus cotovelos. Os cabelos mais curtos da garota eram naturalmente lisos, então Bloomfield não precisava fazer muita coisa além de desembaraçar os fios. As botinhas sem salto também não pareciam ser uma escolha inteligente para uma menina tão baixinha, mas mais uma vez Libby havia optado por uma escolha mais confortável. E ao invés de uma maquiagem chamativa e impecável, a única coisa que a novata usava era um discreto gloss labial para hidratar seus lábios.

Era uma imagem completamente diferente das garotas que se encaixavam no padrão de Dexter Thompson. Até os amigos mais próximos de Dex zombavam dele por se relacionar sempre com o mesmo estilo de garota. Além de uma óbvia preferência por loiras, Thompson também só costumava notar as meninas extremamente vaidosas e chamativas. A aparência comum da novata provavelmente não teria chamado a atenção do capitão do time de futebol, mas Libby involuntariamente conseguiu se destacar aos olhos de Dexter não só pela sua inteligência, mas também por sua personalidade forte e audaciosa.

Entretanto, não era só Dexter que estava “traindo” o seu padrão naquela história. Liberty era o tipo de garota que não costumava perder o seu tempo com rapazes que se encaixavam naquele estereótipo de atleta popular. Na visão de Libby, não fazia o menor sentido admirar um cara só pela sua aparência e ignorar toda a sua essência (ou falta dela). Justamente por isso, Liberty não sabia explicar a razão para que Thompson não saísse de seus pensamentos desde a noite anterior.

A única explicação lógica que Libby encontrou era o fato de se sentir culpada e em dívida com o rapaz. Consequentemente, Bloomfield achava que aqueles pensamentos estranhos sumiriam se ela procurasse por Dexter, pedisse desculpas pelo desentendimento do dia anterior e agradecesse novamente pelo resgate que a salvara no meio da tempestade. E foi a ansiedade para resolver logo aquela pendência e conseguir se concentrar totalmente nos estudos que fez a novata procurar por Thompson naquela manhã.

Os grandes olhos castanhos buscavam pelo relógio no pulso dela a cada vinte segundos porque Liberty não queria correr o risco de se atrasar para a primeira aula. Mas, para a frustração da garota, Dexter não estava no campo e nem nas arquibancadas. Sem outra escolha, Libby guiou seus passos até o vestiário masculino e esperou do lado de fora.

Já que não havia nenhuma aula ou treinamento oficial naquela manhã, poucas pessoas circulavam naquela área do colégio. E o silêncio que vinha do interior do vestiário deu à Liberty a certeza de que não havia uma dúzia de garotos lá dentro. Cada vez mais preocupada com a possibilidade de se atrasar ou perder a aula de Química Avançada, Bloomfield tomou a decisão radical de quebrar aquela regra e entrar no vestiário masculino.

Como a garota imaginava que o local estava vazio, a ideia dela era só se certificar que Dexter não estava ali para que ela não continuasse perdendo um precioso tempo do lado de fora do vestiário. Nunca foi a intenção de Liberty se deparar com aquela imagem que fez o ar ficar preso nos seus pulmões ao mesmo tempo em que suas pernas bambeavam e um calor inexplicável se espalhava pelo corpo dela, concentrando-se nas bochechas da menina.

Obviamente não era a primeira vez que Libby via um garoto sem camisa. Mas a imagem de Dexter Thompson naquela manhã não se parecia em nada com nenhuma experiência que Liberty já tivesse vivenciado. Como Emily já dissera, agora Libby via com seus próprios olhos que Thompson de fato tinha um físico invejável e um tanquinho que não parecia ser real. E como se não bastasse aquele detalhe tão perfeito, o pacote de Dexter ficava ainda mais completo com os braços musculosos, os cabelos úmidos e a pele corada após o esforço físico. Se já estava sendo difícil para Bloomfield arrancar o colega de seus pensamentos, agora seria ainda mais impossível excluir aquela imagem da memória dela.

Thompson podia até não se encaixar no perfil dos garotos com quem Libby costumava se relacionar, mas a novata teria que ser muito hipócrita para dizer que Dexter não atiçava os instintos dela. Bloomfield teria que ser um dos robôs que ela tanto amava para conseguir ignorar todas as “qualidades” do colega e, por alguns segundos de choque, a garota ficou petrificada e sem reação diante de Thompson e do turbilhão de sensações que aquela visão provocava nela.

Mas foi o próprio Dexter que ajudou Liberty a aterrissar novamente no mundo real e a recuperar o controle de si mesma. O rostinho corado e chocado da novata se transformou em uma expressão mais irritada e indignada quando Thompson repetiu a mesma piadinha que havia iniciado a discussão dos dois na tarde anterior.

- Vermont - Tumblr_inline_nobvrj01SD1s2djns_500

- Qual é o seu problema? – com uma carinha brava, Libby cruzou os braços – É sério, Thompson, você vai ter que me explicar porque eu estou confusa. Você é mesmo um grande babaca que quer me ofender ou você só é burro demais e nem percebeu o quanto é insultante insinuar que eu só tenho amigos-robôs?

Só agora Dexter teria uma valiosa informação que o ajudaria a compreender a explosão de Libby no dia anterior. A novata só havia atropelado Thompson com uma enxurrada de insultos depois que ela própria se sentiu ofendida por um comentário dele. Não tinha sido a intenção de Dexter, mas só agora ele perceberia que, na perspectiva de Liberty, ele tinha iniciado com as provocações.

- Eu tenho muitos amigos em Seattle, sabia!? Amigos de verdade. Amigos humanos! E eu também sei que este é o vestiário masculino, eu li a plaquinha na porta! Mas sabe o que seria mais traumático para mim do que ver meia dúzia de caras com as bolas peludas pra fora? Perder uma aula! Eu não posso me atrasar para a aula inaugural de química e você estava demorando uma eternidade aqui dentro!

Aproveitando que Dexter tinha ficado completamente boquiaberto e sem reação com a declaração dela, a garota puxou a mochila para a parte da frente do seu tronco e abriu um dos zíperes. A jaqueta de Thompson já devidamente lavada e seca foi puxada de dentro da mochila e estendida na direção dele.

- Eu só queria te devolver isso e agradecer novamente pela carona. – os olhos de Libby se estreitaram de leve e ela encarou o rapaz com firmeza, como se estivesse analisando Dexter em busca daquela resposta – Eu também pretendia pedir desculpas pelo desentendimento de ontem. Mas agora eu já não sei mais se fui injusta com você ou se você está mesmo querendo me insultar com essa piadinha ridícula sobre amigos-robôs. Então esclareça a situação para eu me decidir se peço desculpas ou se mando você à merda, Thompson.
Liberty Bloomfield
Liberty Bloomfield
Admin

Mensagens : 51
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Emily Sinclair Sex Mar 08, 2024 1:42 pm

O começo do relacionamento entre Emily e Chad tinha sido um clássico romancezinho adolescente. A garota popular, líder de torcida, que tinha se rendido as investidas de um dos jogadores de basquete. Clifford não era o aluno destaque dentro da MMU, mas sempre manteve suas notas dentro da média. Sua paixão era o basquete, mas ele nunca tinha sido arrogante ou egocêntrico, mesmo sendo um dos rapazes mais bonitos.

E como Emy poderia não se encantar com ele? Chad era dono de um sorriso doce, quase inocente. Era atencioso, carinhoso e romântico na medida certa. Ele nunca tinha sido o tipo de cara que ignorava a namorada para passar horas jogando videogame com os amigos ou que ignorava suas mensagens e ligações. E naquele namoro, Clifford mostrou que Emily era o centro do seu universo.

Que garota não iria gostar de ser recebida sempre com pequenos mimos, mesmo em dias comuns? Ou de flagrar inúmeras vezes ao dia o olhar apaixonado do namorado na sua direção? Clifford não se importava com o que as outras pessoas pensavam ao fazer declarações nas redes sociais, com fotos dos dois. Ele tinha orgulho de ter Emily Sinclair como sua namorada e mostrava para todo mundo como se sentia.

Mas os problemas não demoraram muito para aparecer. Da mesma maneira que Chad colocava Emy no centro de tudo, ele também não parecia disposto a dividi-la com mais ninguém. Os elogios sobre a sua aparência quase sempre vinham acompanhados com discretos "mas você precisa mesmo dessa saia tão curta?" ou "você não acha que esse batom vermelho chama atenção demais? você é linda mesmo sem isso!". Então as amigas de Emily também viraram um problema se elas queriam sair para fazer uma tarde de compras ou ir à manicure. Até mesmo os treinos de líder de torcida foram motivos de reclamações, porque segundo Chad, Emily não tinha tanto tempo sobrando para os dois ficarem juntos.

A cada insegurança, a cada pequeno detalhe, Emily revidava e então as brigas aconteciam. Não tinham sido poucas as vezes em que os dois se separaram, mas poucos dias se passavam até que Chad reaparecesse arrependido, fazendo tudo o possível para que a garota mudasse de ideia e os dois reatassem. E tudo levava a crer que aquela nova separação não seria diferente.

Pouco antes de Emily ir para Paris com o pai, ela e Chad protagonizaram mais uma das acaloradas brigas, dessa vez tão escandalosa que foi testemunhada por muitos colegas da MMU. Clifford simplesmente não queria "permitir" que a namorada fizesse uma viagem internacional e ficasse longe por tantos dias, e foi no meio do surto dele que Emy decidiu que aquilo estava indo longe demais.

Era óbvio que Chad estava tentando uma reaproximação, que estava tentando uma chance de conversar com Emily para que os dois pudessem reatar. Mas daquela vez a ruiva parecia mais decidida Sinclair não pretendia fazer um novo escândalo, e como Colchester era uma cidade pequena demais, ela sabia que todos precisavam manter a boa convivência naquele ciclo de amizade. Só era muito difícil de ignorar como Clifford continuava obcecado pela reação que ele teve ao encontrá-la na companhia de Hunter Timmons.

Não tinha acontecido nada demais naquela noite. Pelo menos, nada que Chad deveria se preocupar. Mesmo que Emy e Hunter se conhecessem há anos, os dois tinham ultrapassado algumas barreiras da intimidade que não tinham sido exploradas desde então, mas apenas no sentido da amizade. Timmons tinha conseguido abrir seu coração como não fazia com mais ninguém, então ao invés de enciumado, Clifford deveria se sentir aliviado e até feliz por ver aquele progresso. Mas claro que Chad era imaturo demais para entender.

- Foi mesmo só isso? - Ainda parecendo bastante incomodado, Chad cruzou os braços e olhou do amigo para a ex-namorada.

A vontade de Emily era de dizer que ela não devia satisfação alguma a Clifford, que os dois não estavam mais juntos e que ela poderia pegar carona ou fazer o que bem entendesse com quem desejasse. Mas o fato de esse alguém ser um dos melhores amigos de Clifford mudava um pouco aquele cenário, e Emy não queria mais drama povoando os pensamentos de Timmons.

- Por que está perguntando para mim? Até parece que você acredita em alguma coisa que eu falo, né? - Apesar da postura arredia e do rolar de olhos, Emily respirou fundo e foi por Hunter que ela tentou exterminar logo aquele clima. - Eu não queria chegar atrasada e ainda estou dolorida do treino de ontem. Até tentei vir andando, mas o Hunter me encontrou no meio do caminho e me ofereceu uma carona.

- Você poderia ter me ligado, eu te buscaria em casa.

- Nós não estamos mais juntos, Chad.

Emily endireitou a alça da mochila em um dos ombros e retomou seus passos na direção da escola. Ela estava mesmo ansiosa e preocupada em não se atrasar para a aula, mas era verdade que também estava aproveitando para fugir da insistência do ex-namorado. Só que o rapaz não iria perder aquela oportunidade. Depois de lançar um olhar na direção de Timmons que parecia dizer "Por que ela se faz de difícil?", o rapaz se apressou até alcançar Sinclair ainda na porta.

- Espera! Não foi isso que eu quis dizer, Emy. Eu só... Eu estou tentando falar com você desde ontem. - Ele abriu o seu melhor sorrisinho e puxou de dentro da mochila uma rosa que estava pendurada. - Eu fiquei sabendo que você conseguiu o cargo de capitã das líderes de torcida. Você trabalhou muito por isso e eu queria te dar os parabéns. Trouxe isso para você.

Era um gesto atencioso e romântico que facilmente teria abalado Emily no passado. Mas era por já reconhecer a forma de Chad agir que a menina respirou fundo e engoliu qualquer possibilidade de vacilar. Para evitar um drama ainda maior, Emily aceitou a rosa.

Como Emily tinha sido surpreendida no estacionamento, na noite anterior, pouco depois de realizar aquela conquista, ela ainda não tinha compartilhado com muitas pessoas. E nem mesmo em meio a tantos assuntos com Hunter durante aquela noite, Sinclair não tinha tocado naquele assunto. Então era óbvio que Chad estava se esforçando para se atualizar da vida da ex-namorada e paparicá-la como no passado.

- Obrigada. - Emy se limitou a ser educada enquanto levava a rosa vermelha até a pontinha do nariz, em um gesto mecânico. E aquele movimento foi suficiente para fazer o sorriso de Chad se alargar. - Mas eu preciso mesmo correr, mais dois minutos e a Sra. Gregor não vai me deixar entrar no laboratório de química.
Emily Sinclair
Emily Sinclair
Admin

Mensagens : 52
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Dexter Thompson Sex Mar 08, 2024 4:44 pm

Liberty Bloomfield era um grande enigma. Não só por ser uma novata que tinha acabado de chegar em uma cidade onde Dexter conhecia tudo e todos. Ao mesmo tempo em que ela parecia simpática e educada em uma conversa comum no refeitório, Libby conseguia rosnar como uma leoa perigosa que estava se defendendo de um predador. Ela quase preferia morrer sob uma tempestade do que aceitar sua carona. E agora a garota quebrava algumas regras da MMU para enfrentar o vestiário masculino.

Alguns sinais pareciam ser óbvios para qualquer um que enxergasse a situação de fora. Era muito previsível ver que Liberty estava agindo daquela maneira porque tinha se sentido insultada por Thompson e só estava revidando. Ela estava agindo da mesma maneira que tinha enfrentado Pamela no almoço do dia anterior. O problema era que Dexter era péssimo em enigmas e ele não conseguia entender em que momento poderia ter ofendido Bloomfield.

Foi preciso que Liberty dissesse com todas as letras qual era o problema para que uma lâmpada se iluminasse sobre os pensamentos de Dexter. E quando ele finalmente entendeu o que estava acontecendo, suas sobrancelhas arquearam em surpresa e sua boca se abriu, sem que ele fosse capaz de articular qualquer palavra. Por fim, finalmente tendo uma vantagem naquela interação, Dex relaxou os ombros e abriu um sorrisinho enquanto puxava uma camisa preta de dentro da mochila. A peça foi enfiada sobre sua cabeça sem nenhuma pressa e ele encarava Libby sem piscar quando puxou a toalha para fora do corpo. Mesmo usando uma boxer por baixo, a reação de Liberty foi ainda mais adorável quando ela se esforçou para manter o biquinho irritado ao mesmo tempo em que um rubor se espalhava pelas bochechas.

- Tá legal, señorita, e quando foi mesmo que eu disse que você só tinha amigos robôs?

Em uma inversão de papeis, era Liberty quem parecia estar com o raciocínio lenificado enquanto só conseguia se esforçar para manter o olhar em qualquer ponto que não fosse Dexter. O rapaz alcançou a calça jeans de dentro do armário e a enfiou pelas pernas, e ainda estava terminando de subir o zíper quando continuou.

- O que eu quis dizer ontem sobre você ter criado um amigo robô com inteligência artificial foi simplesmente porque eu acreditei que você teria capacidade para tal, Bloomfield. Eu não estava insinuando que você não tinha amigos, só que era muito inteligente. - Dexter deu de ombros antes de se justificar. - Você ganhou uma bolsa na MMU, o que não é algo fácil. E pela maneira que falou com tanta empolgação da aula de robótica, dá pra ver que é algo que você curte. Tudo o que eu falei depois disso foi apenas em defesa ao "GPS".

Dexter tinha muitos motivos para se sentir ofendido ou para tripudiar de Liberty por todos os desaforos que tinha escutado. Ele tinha até razão em se sentir um tanto arrogante ao ver que, no final, tudo tinha sido um erro dela. Mas Thompson manteve uma postura relaxada durante toda a conversa, provando que realmente não era um cara tão arrogante quanto a novata pensava.

- Mas pelo visto, eu sou só "burro demais" para perceber as coisas, não é? Ou você que é agressiva demais. Sabe o que eu acho? Você deveria tentar fazer yoga, deve ajudar em todo esse seu estresse acumulado. Alguns exercícios de respiração podem ser muuuito úteis.

Com um sorrisinho convencido nos lábios, Dexter puxou a jaqueta limpa das mãos de Liberty. As pontas dos seus dedos roçaram diretamente a mão dela e ele pôde sentir o calor da pele macia por um instante, enquanto seu olhar se prendia ao dela. Para tentar disfarçar, Dex prontamente vestiu a jaqueta e ainda estava arrumando a gola enquanto falava.

- Você não precisa me agradecer por nada. Eu não ia te deixar sozinha no meio daquela tempestade. Não é assim que as coisas funcionam aqui em Colchester, mas você saberia disso se desse uma chance para conhecer as pessoas ao invés de atacar qualquer um que cruze o seu caminho.

Assim como Liberty tinha se preocupado em lavar e devolver a jaqueta de Dexter, o rapaz também tinha guardado na mochila a blusinha limpa, mas no meio daquela conversa, ele simplesmente se esqueceu de fazer aquela "troca". Dex poderia não ser o aluno mais exemplar da MMU, mas ele não era exatamente burro. Só que a presença de Libby e aquele calorzinho rápido na ponta dos seus dedos parecia ter lenificado ainda mais o seu raciocínio.

- Posso perguntar uma coisa, Bloomfield? - Dexter fechou o armário com um estalo e puxou a mochila para um dos seus ombros. - Você fica uma gracinha quando está brava, mas você faz isso de propósito ou é mais forte do que você?

Dexter não tinha uma fama de galã, do tipo que precisava se desdobrar com elogios ou paparicos diante de uma conquista. As garotas normalmente iam até ele e todo o trabalho de Thompson era abrir o seu sorrisinho perfeito. Então ele não estava falando aquelas coisas para tentar jogar algum tipo de charme na novata. Dex tinha escolhido cada uma das palavras porque sabia que aquilo irritaria Libby ainda mais, e ele estava começando a gostar de vê-la irritada.

- Vamos logo, deixe para planejar o meu assassinato depois. Você disse que estava atrasada para a aula de química. A minha aula de mecânica é no mesmo andar.

O campus da MMU era grande demais para uma cidadezinha pequena como Colchester. Não que a lista de alunos matriculados fosse muito extensa, mas toda a estrutura era da melhor qualidade para oferecer sempre o melhor para sua clientela rica. As salas, principalmente os laboratórios, eram enormes. E Dex não estava mentindo quando chegaram ao corredor onde as salas de Química e Mecânica ficavam lado a lado. Dexter e Liberty, assim como todos os demais alunos, ainda eram obrigados a terem as disciplinas básicas em comum, como Literatura, Matemática ou Biologia, mas naquele andar, eram as disciplinas optativas ou as de níveis avançados que ficavam distribuídas.

Já havia uma certa movimentação pelo corredor, e um bom observador notaria as diferenças do "público alvo" de cada sala. Enquanto os alunos de Química Avançada se apressavam para entrar e ocupar seus lugares, os jovens que entrariam para a aula de Mecânica estavam sentados em carteiras ou tagarelando próximos da porta.

- O que foi? Está surpresa que eu tenha escolhido Mecânica? 

O trajeto até o segundo andar tinha sido feito em silêncio, mas Dex não conteve a língua e voltou a abrir seu sorrisinho convencido quando notou Liberty analisando as duas salas pelo lado de fora.

- Tem taaaaanta coisa que você não sabe sobre mim, señorita. Mas vamos lá, eu aceito o seu pedido de desculpas, aquele que você ia fazer lá no vestiário... Se aceitar sair comigo depois da aula.

Dexter também costumava ser bem direto quando queria sair com alguma garota, mas foi só depois que aquelas palavras saíram da sua boca que ele percebeu o que Liberty poderia interpretar. E a julgar pela careta dela, parecia que os dois estavam mais uma vez mergulhando em uma sequência de mau entendido, o que obrigou Thompson a esclarecer rapidamente.

- Não estou te chamando para dar uns amassos!!! Quis dizer sair comigo, com a galera... Você tinha amigos em Seattle, então eu posso arriscar que você também comia hambúrgueres por lá, não é? E nem me venha com essa história de que não pode perder seu precioso tempo! Depois de ter me chamado de GPS, você me deve essa. Vamos, vai ser divertido!
Dexter Thompson
Dexter Thompson
Admin

Mensagens : 50
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Hunter Timmons Sex Mar 08, 2024 8:59 pm

Mentir não era algo difícil para Hunter, ainda mais nos últimos tempos em que o rapaz vinha quebrando tantas regras e ultrapassando tantos limites. Ele mentia para os professores para justificar suas faltas e atrasos no colégio, mentia para as garotas com quem saía, mentia para os pais o tempo inteiro. Até mesmo o xerife de Colchester já havia ouvido declarações falsas vindas da boca dele.

Mas Timmons não costumava mentir para os dois melhores amigos. Chad e Dexter eram como irmãos para Hunter, ele confiava cegamente nos amigos e não via motivos para enganar os dois. É claro que Hunter eventualmente omitia alguns detalhes de suas aventuras, mas ele nunca tinha mentido descaradamente para os dois amigos mais próximos. Até naquela manhã.

Chad acreditou facilmente na versão da história em que Hunter apenas tinha oferecido uma carona para Emily, sem nunca desconfiar que a ex-namorada e seu melhor amigo tinham passado várias horas juntos na casa do rapaz. A mentira de Timmons passava a impressão de que ele tinha algo a esconder ou que havia cometido algum erro grave, mas a verdade estava bem longe disso. É claro que Hunter era um bom amigo e queria evitar que Clifford se queimasse ainda mais com mais uma crise de ciúmes desnecessária, mas também havia uma razão um pouco mais íntima e egoísta que justificava a mentira do rapaz. Timmons simplesmente não queria dividir aquele seu momento de vulnerabilidade com mais ninguém além de Emily.

Na última noite, Emily Sinclair havia ouvido dele um desabafo inédito. Ao invés de explodir ou de fugir daquele assunto delicado, Hunter abriu o seu coração, revelou suas feridas e compartilhou suas dores e incertezas com a amiga. Timmons não estava nem um pouco arrependido por ter se rendido a aquele momento de fraqueza, mas isso não significava que ele estava pronto para repetir para o resto do mundo tudo o que apenas os ouvidos de Emy escutaram.

Por mais que Hunter confiasse nos melhores amigos, ele não se sentia pronto para ter aquela conversa mais íntima nem mesmo com Chad ou Dexter. Consequentemente, era melhor que Clifford acreditasse naquela versão mentirosa dos fatos e não fizesse mais perguntas.

Diferente de Emily, Hunter não teve a menor pressa enquanto caminhava na direção da entrada do colégio. Para o rapaz não fazia muita diferença perder a primeira aula, assinar uma advertência ou ser suspenso. A grande verdade é que Timmons só tinha retornado ao colégio para cursar o seu último ano por imposição do pai, mas Hunter não vinha fazendo o menor esforço para ter um bom desempenho ou um bom comportamento.

Exatamente como ele havia confessado para Emily há algumas horas, Hunter não tinha mais propósito ou motivação, não parecia haver nada que despertasse a sua paixão ou que fizesse o rapaz encarar o seu futuro com mais animação. No fim das contas, Timmons provavelmente acabaria "herdando" os negócios da família e passaria o resto da sua vida fazendo algo que ele odiava.

Quando a sirene que anunciava o início das aulas ecoou pelo terreno da MMU, Hunter ainda estava no meio do corredor. Alguns alunos passaram por ele correndo, na esperança de que ainda seriam autorizados a entrar em suas respectivas salas. Mas Timmons sequer se deu ao trabalho de tentar. Quando o celular vibrou dentro do bolso dele e Hunter conferiu a mensagem na tela bloqueada, um sorrisinho mais sacana surgiu nos lábios do rapaz. E ao invés de seguir na direção dos laboratórios, Timmons girou os calcanhares, deu meia volta e saiu por uma das portas laterais do colégio, indo na direção das arquibancadas, onde uma garota já esperava por ele.

***

Não foi apenas na primeira aula do dia que os colegas sentiram falta de Hunter Timmons. O rapaz também não apareceu em nenhuma das aulas seguintes e nem se juntou aos amigos durante o intervalo do almoço. Não era tão incomum assim que Hunter faltasse às aulas, então ninguém pareceu ficar tão alarmado ou preocupado com o sumiço do rapaz.

E ficou ainda mais claro que nenhuma tragédia havia acontecido quando Hunter reapareceu no fim do dia. O grupinho dos alunos mais populares da MMU já estava reunido ao redor de uma das mesinhas da lanchonete quando Timmons entrou no estabelecimento acompanhado por uma garota. E a julgar pelo vestidinho amassado de Pamela, os dois tinham se divertido bastante nas últimas horas.

Filha de um americano com uma coreana, Pamela havia tido a sorte de herdar os traços orientais delicados da mãe. Ela era facilmente uma das garotas mais bonitas da MMU, razão pela qual Timmons havia batalhado muito para inclui-la na “lista” dele. Além da beleza, Pamela era uma excelente aluna e também fazia parte das líderes de torcida, então é claro que ela também se encaixava com perfeição no grupinho dos populares.

Não havia exatamente uma guerra declarada entre Pamela e Emily Sinclair, mas qualquer pessoa notaria certas faíscas de rivalidade entre as duas, até porque ambas ocupavam lugares bem parecidos dentro do colégio.

Consequentemente, era fácil concluir que Pamela não tinha ficado nem um pouco feliz em ver Emily sendo a escolhida como capitã da torcida naquele último ano. Mas como geralmente acontecia entre as garotas, Pamela trazia um sorriso falso nos lábios e uma vozinha açucarada quando se sentou perto de Sinclair naquela tarde.

- Vermont - Ad043cb69c0a69ffa3d20fd3d068b07a

- Oi, amiga. Ontem você saiu apressada do treino e hoje eu não apareci nas aulas, então nem tive tempo de te dar os parabéns e dizer que fiquei muuuuuito feliz por você.

- Parabéns...? – Hunter se apertou para ocupar um lugar perto dos amigos – Por que? É seu aniversário, Sinclair?

- Não. – Chad respondeu pela ex-namorada, falando alto o bastante para que todas as pessoas próximas ouvissem aquela grande notícia – Surpreendendo um total de zero pessoas, a Emy conseguiu a vaga de capitã das líderes de torcida! Muito merecido!

Enquanto as outras pessoas que ainda não tinham sido atualizadas sobre aquela novidade cumprimentavam Emily, Hunter franziu a testa ao encarar Sinclair. Era muito estranho que os dois tivessem passado tantas horas juntos sem que Emily fizesse nenhum comentário sobre algo que parecia ser tão importante para ela.

Antes que alguém notasse aquela troca de olhares entre os dois, a atendente da lanchonete se aproximou da mesa para anotar os pedidos do grupinho. Aproveitando a distração dos colegas e ainda incomodado com aquela história, Timmons estava sério quando puxou o celular do bolso e digitou uma mensagem para Emily, obviamente tomando o cuidado de manter a tela do celular fora do alcance dos olhos de Chad.

“Por que não me contou???”
Hunter Timmons
Hunter Timmons
Admin

Mensagens : 53
Data de inscrição : 25/02/2024

Ir para o topo Ir para baixo

- Vermont - Empty Re: - Vermont -

Mensagem por Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 9 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9  Seguinte

Ir para o topo


 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos