Nossas Histórias
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

- The Crown -

4 participantes

Página 1 de 18 1, 2, 3 ... 9 ... 18  Seguinte

Ir para baixo

- The Crown -  Empty - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Sáb Set 16, 2023 8:35 pm

No moderno painel do carro que circulava pelas ruas daquela grande metrópole, o relógio digital mostrava que já passava de uma da manhã. Em uma cidade normal, aquele seria um horário em que as ruas estariam vazias, com a maior parte dos moradores já adormecidos em suas respectivas camas. Mas não em Berlim. Além de atrair turistas do mundo inteiro, na capital da Alemanha também ficava localizado um dos maiores polos industriais da Europa e era um local de grande importância na política, na história e na economia mundial. Então, Berlim era uma cidade que nunca dormia.

Sentada atrás do volante, a dona de um belo par de olhos azuis concentrava a sua atenção no trânsito caótico da capital alemã. Qualquer outro motorista estaria irritado com todo aquele tumulto, mas o brilho nas íris azuladas denunciava que a moça encarava tudo aquilo com um certo deslumbramento. Na visão dela não era apenas um amontoado de carros parados, buzinas insuportáveis ou um bando de pedestres irresponsáveis e apressados cruzando as ruas de maneira imprudente. Para alguém que vivia como um passarinho aprisionado em uma gaiola, o caos de Berlim era um vislumbre da liberdade que ela jamais teria em seu próprio lar.

Aquela cena nunca faria parte da rotina que Noella Glücksburg tinha na Dinamarca. Em seu país natal, Noella não podia sequer pisar na calçada da própria casa sem estar acompanhada por seguranças, sem estar adequadamente vestida ou sem ter a permissão de seu secretário particular para uma “aparição pública”. E, definitivamente, Noella nunca teria permissão de sair para se divertir à noite, dirigindo o próprio carro e usando roupas que não se enquadravam nas rígidas regras de etiqueta da coroa dinamarquesa.

Noella seria muito hipócrita se dissesse que odiava todos os aspectos da vida privilegiada de uma princesa. Mas a neta mais nova da rainha frequentemente se questionava se era justo o alto preço que ela precisava pagar para usufruir do título de sua família. Sempre que a falta de liberdade e as regras da realeza começavam a sufocá-la, Noella sentia uma insana vontade de jogar tudo pelos ares e se tornar uma pessoa comum. Simplesmente uma garota que poderia curtir a sua juventude e a sua liberdade em uma noitada com os amigos.

- Vermelho! Caraaaaalho! VERMEEEEEEELHO, ELLAAAAAA!

O grito histérico do rapaz sentado ao lado de Noella se tornou mais agudo e ele chegou a se encolher no banco e apertar as pálpebras com força, já esperando pelo impacto de uma batida violenta. Mas tudo o que ele ouviu foi o ruído dos freios sendo acionados quando a princesa conseguiu parar o carro poucos centímetros antes de cruzar um semáforo vermelho. A freada repentina atraiu a atenção das pessoas que passavam por perto e um dos pedestres gritou alguma coisa na direção do carro. Noella não dominava tão bem o idioma local, mas aquilo parecia ser claramente um xingamento. Por outro lado, qualquer palavra do áspero idioma alemão soava parecido com uma ofensa aos ouvidos mais sensíveis de um dinamarquês.

- É A SUA MÃE, PALHAÇO!!! – Noella gritou de volta na direção do pedestre depois de abaixar o vidro do carro e erguer o dedo do meio na direção do alemão – FILHOTE DE NAZISTAAAA!

- PUTA MERDA, ELLA! – o rapaz ao lado da princesa ainda estava pálido como um fantasma depois de ver a morte tão de perto – Você está aqui representando a Dinamarca em uma conferência de paz entre as nações! Não pode sair por aí xingando os alemães, porra!

- Relaxa, Axel! Ele não entende dinamarquês. E nem sabe quem sou eu. – um sorriso mais animado surgiu nos lábios da princesa – Eu já disse como amo estar num lugar onde ninguém sabe quem eu sou???

Embora não estivesse tão longe de casa, Noella Glücksburg havia se tornado uma anônima desde que pisara na Alemanha. Na Dinamarca, todos conheciam o rosto da princesa e era impossível sair na rua sem atrair a atenção das pessoas (e dos paparazzi). Mas o fato de Noella não ser a primeira na linha de sucessão ao trono fazia com que o resto do mundo não se importasse tanto assim com a existência dela. É claro que os alemães com maior envolvimento na política sabiam que Noella era a neta mais nova da Rainha Margrethe, mas para um cidadão comum aquela era apenas uma moça desconhecida. E que dirigia muito mal.

- Eu ainda não sei como você me convenceu disso, Ella! Deixar você dirigir nas ruas caóticas de Berlim!!! Onde eu estava com a cabeça???

- Em primeiro lugar, você não manda em mim, Axel. Além disso, você é o meu primo preferido, então tem a obrigação de me amar e de me fazer feliz.

- Eu sou o seu “único” primo. – Axel rolou os olhos enquanto corrigia a princesa.

Ao contrário do que acontecia em várias outras monarquias europeias, a família real dinamarquesa não era muito numerosa. A Rainha Margrethe tivera apenas dois filhos. O mais velho deles casou-se, teve duas meninas (Lisbeth e Noella) e acabou falecendo precocemente, antes mesmo de ter a chance de ocupar o trono. O filho mais novo da rainha também optou por uma família pequena e Axel era o seu único herdeiro. O fato de eles estarem em uma família tão pequena fez com que Lisbeth, Noella e Axel crescessem juntos e se tornassem inseparáveis. E era por fidelidade (e cumplicidade) à prima que Axel havia concordado com aquela ideia insana de burlar os secretários e seguranças para fugir do hotel e curtir uma noitada em Berlim, bem longe dos protocolos reais.

- Eu achei que a vovó nos mataria quando descobrisse que fugimos do hotel. Mas nããão! Vamos morrer beeem antes disso e de forma muuuito mais dolorosa se você continuar dirigindo como uma louca e xingando os nazistas!

- Eu teria reflexos melhores se me deixassem dirigir mais! Eu só preciso treinar, Axel! Relaxa, eu prometo que vou prestar mais atenção.

Ainda com os ombros tensos e os olhos arregalados, Axel segurou o ar dentro dos pulmões quando a luz verde do semáforo brilhou acima do carro e Noella pisou fundo no acelerador. E como era a princesa que guiava o veículo (de forma nada prudente), o rapaz não pôde fazer muita coisa além de se lamentar e rezar pela própria vida. Ao notar o quanto o primo estava apreensivo, Noella se arriscou numa pequena tentativa de melhorar o humor do rapaz.

- Não seja tão resmungão, Axel! Como você pode estar tão mal humorado depois do que rolou hoje? Você foi comigo à conferência e eu te apresentei pro Bash! Não era o maior sonho da sua vida?

A transformação do semblante de Axel foi hilária. A ruguinha de preocupação entre as sobrancelhas dele desapareceu, os lábios comprimidos se esticaram num amplo sorriso e os olhos azuis brilharam de empolgação.

- É verdade! Puta que o pariu, ele é ainda mais bonito pessoalmente. Quase dois metros de uma delicinha belga! Você tem razão, eu já posso morrer porque hoje eu zerei a vida!

- Eu odeio destruir a sua fantasia, mas tem alguns “pequenos” obstáculos nessa sua ilusão, Axel. Em primeiro lugar, o Bash é hétero. Em segundo lugar, ele é casado. Em terceiro lugar, aquela carinha de santa da esposa dele não engana ninguém e você não vai querer irritar aquela psicopata. Além de tudo isso, temos o maior problema de todos... – Noella fez uma pausa e se arriscou a desviar a atenção do trânsito por um segundo para lançar um olhar mais sério para o primo – Você não quer que a vovó saiba que você é gay.

O sorrisinho que estava presente nos lábios de Axel desapareceu num estalar de dedos. Uma sombra cobriu o rosto bonito do rapaz e ele engoliu em seco enquanto olhava para frente, claramente evitando o contato visual com a prima.

- The Crown -  Tumblr_m0j7xtM6qz1r4qev1o1_500

- Eu não estou pronto pra assumir. – a voz de Axel só quebrou o silêncio depois de vários segundos – Você sabe como a vovó é. Ela não vai aprovar. É justamente o tipo de escândalo que ela odeia.

- Não é um escândalo, Axel. É a sua vida. A vovó pode ser a rainha que dá as ordens na Dinamarca, mas ela não tem o direito de comandar a SUA vida. E você sabe como são os tabloides. É claro que eles vão fazer um circo com isso, mas depois vão acabar se cansando ou se concentrando em outra fofoca. Você só precisa respirar fundo e aguentar o maremoto por algumas semanas. Eu vou estar do seu lado, a Beth também.

Se aquilo já era um tabu para muitas famílias comuns, é claro que o impacto daquela notícia seria ainda maior vindo de um membro da família real. Os Glücksburg eram sempre muito discretos e a rainha era bastante rigorosa com as regras da monarquia, então a imprensa quase nunca tinha muito o que falar sobre a realeza. Consequentemente, a mídia rodearia Axel como abutres famintos caso o rapaz trouxesse à tona o segredo que escondia até da própria avó. É claro que ele não queria estar bem no centro de um escândalo, mas era principalmente por medo de decepcionar ou irritar a rainha que Axel vinha adiando aquela revelação.

- Não, Noella. – o ar mais sério de Axel deixava claro que ele não queria continuar com aquele assunto – Eu ainda não estou pronto.

- Tudo bem. – a princesa soltou um suspiro de pesar e se aproveitou de uma nova parada num cruzamento para esticar o braço e tocar carinhosamente a mão do primo – Faça tudo no seu tempo, Axel. Eu só quero que saiba que você não está sozinho. Quando chegar a hora, eu estarei do seu lado, segurando a sua mão. – um sorrisinho mais maroto surgiu nos lábios de Noella – E provavelmente vou usar a outra mão para erguer o dedo do meio para os malditos paparazzi.

***

Não foi difícil para os dois jovens dinamarqueses encontrarem o ponto mais badalado de Berlim. Axel usou o celular para fazer uma rápida pesquisa no Google e tudo o que Noella precisou fazer foi seguir as instruções do GPS até chegar naquele bairro boêmio, onde muitos jovens se aglomeravam nas entradas de bares e boates. Havia uma fila de espera significativamente grande diante da boate mais famosa da cidade, mas Axel só precisou usar a sua lábia (e enfiar alguns euros no bolso de um segurança) para que a entrada dos dois fosse autorizada.

Ninguém que olhasse na direção de Noella naquela noite diria que ela não tinha o costume de frequentar aquele tipo de lugar. E obviamente ninguém jamais cogitaria a possibilidade de estar tão perto de uma princesa. Uma princesa de verdade, que vivia num palácio, cercada por seguranças e secretários, obedecendo a todos os protocolos de uma típica monarquia, seguindo regras de etiqueta e de vestimenta. Aliás, a aparência de Noella naquela noite jamais se enquadraria nas rígidas normas da coroa dinamarquesa.

Sempre que aparecia em público ou participava de algum evento oficial da realeza, Noella precisava obedecer às regras de vestimenta. A principal regra era manter a elegância e não usar nenhuma peça que pudesse ser escandalosa ou reveladora. Nada de roupas justas, alças ou decotes. As saias sempre deveriam alcançar os joelhos e um vestido não poderia ser leve ou rodado o suficiente para que uma rajada de vento inesperada causasse algum “acidente”. Cores vibrantes demais eram consideradas vulgares, assim como esmaltes escuros ou maquiagem pesada. Os cabelos geralmente ficavam presos em penteados elaborados, os saltos deveriam ser baixos e discretos (mas sempre presentes). Uma princesa precisava manter sempre um sorriso nos lábios, mas era considerado vulgar dar risadas ou falar muito alto em público. Noella havia aprendido todas aquelas regras com a avó, mas naquela noite Margrethe provavelmente teria um infarto fulminante se visse a imagem da neta caçula naquela boate alemã.

Aproveitando-se de que ali ela era apenas uma desconhecida, Noella havia quebrado praticamente todas as regras. O vestido preto com detalhes em lilás tinha duas alças finas e um decote generoso, que exibia as curvas do busto da moça. A saia estava mais de um palmo acima do joelho, mostrando boa parte das longas pernas da princesa. Noella já não era baixinha, então os saltos a deixavam ainda mais chamativa. O vestido justo estava colado no corpo dela, evidenciando a cintura fininha. A garota não havia tido qualquer cuidado no sentido de escovar ou prender os cabelos num penteado elaborado, optando por deixar os fios loiros soltos e um pouco esvoaçantes. A maquiagem da princesa não estava tão pesada, mas ainda assim era uma escolha que jamais seria aprovada para um evento oficial da realeza. Noella Glücksburg ficava linda quando se vestia como uma princesinha comportada, mas os olhares de cobiça que ela recebeu assim que entrou na boate de Berlim mostravam que aquela versão mais atraente e despojada também era muito interessante.

- Você é mesmo uma vadia de sorte. – Axel precisou se inclinar e praticamente gritar no ouvido da prima para que sua voz soasse acima da música eletrônica que ecoava pela boate num volume ensurdecedor – Já tem uns vinte caras te secando! Você vai poder até escolher quem será o felizardo da noite. Só espero que dessa vez você escolha direito, Ella! Você precisa ser mais seletiva, garota! Aquele carinha da Grécia era mesmo um deus grego por fora, mas o rei dos babacas por dentro! E eu te avisei que ele tinha o pinto pequeno, lembra? Eu sou um especialista nessas coisas, sei só de olhar pra cara do sujeito!

- Eu aprendi a lição. Da próxima vez vou te consultar antes! – Noella gritou de volta no ouvido do primo – Vamos pegar uma bebida? Quero estudar melhor o ambiente antes de escolher o “felizardo”.

O comentário sobre a Grécia mostrava que aquela não era a primeira vez que Noella e Axel usavam uma viagem internacional para se libertarem das regras da monarquia. Os dois netos da rainha já conheciam muito bem aquela dinâmica e eram excelentes cúmplices durante aquelas escapadas. Mais do que um primo, Axel era o melhor amigo de Noella, praticamente um irmão em quem ela confiava cegamente, alguém que entendia perfeitamente o lado mais sombrio da vida privilegiada de um membro da realeza.

Como o bar ficava um pouco afastado da pista de dança, a música não ecoava tão ensurdecedora naquele ponto. Noella conseguiu alcançar o balcão, pediu dois martinis e entregou uma das taças ao primo. E como uma predadora que queria conhecer melhor o território antes de executar um ataque, a princesa deslizou os olhos pelo amplo salão, observando os outros clientes do bar e recebendo de volta muitos olhares sugestivos.

- Aquele ali é interessante. O que acha, Axel? – apenas os olhos de Noella se moveram discretamente na direção do rapaz a quem ela se referia – Camiseta vermelha, perto da saída de emergência.

De forma igualmente discreta, Axel olhou na direção indicada pela prima. Mas ele não foi nada sutil quando contraiu o rosto numa caretinha enojada e sacudiu a cabeça em negativa.

- O bombadinho? Credo! Você sabe o que dizem sobre esses caras musculosos, né?

- Que são burros? E daí? Eu só quero dar uns amassos, não tô no clima pra discutir geopolítica ou matemática hoje.

- Não. Quer dizer, sim, eles realmente são burros. Mas eu me referia ao efeito colateral dos esteroides...

A “explicação” de Axel veio através de um gesto bastante sugestivo. O rapaz ergueu o indicador e depois abaixou o dedo como se estivesse murcho, o que arrancou uma gargalhada que a princesa jamais poderia deixar escapar em público se estivesse na Dinamarca.

- Tá, vamos cortar os bombadinhos da minha lista então! – Noella deslizou novamente os olhos ao redor, divertindo-se como se aquilo realmente fosse um jogo – E aquele loirinho de camisa verde? Aquele com as mangas dobradas e que não para de olhar pra cá! Ele é fofo!

- É, eu tô vendo. Ele é mesmo perfeito! Lindo, alto, sorriso educado, discreto... O problema é que não é pra você que ele está olhando, gata. O fofinho ali joga no meu time.

- Séééério??? Ele não parece ser gay! Como você sabe essas coisas, Axel?

- Eu tenho um radar. Todo viado nasce com um viadômetro. – Axel deu um passo adiante ao notar que o tal cara tinha aberto um sorrisinho convidativo para ele – Quem diria que eu ia me dar bem antes de você esta noite, hm?

- Aff! Você vai me abandonar, né?! E se eu escolher o cara errado de novo? Preciso dos seus conhecimentos, Axel!

- Confie nos seus instintos, Ella. Se precisar de mim eu estarei dando uns amassos na pista de dança. Ou transando no banheiro.

Aquele comentário que deixaria qualquer membro da realeza completamente chocado arrancou mais uma risada de Noella. No fundo a princesa torcia para que o primo reunisse coragem e revelasse logo para o mundo quem ele realmente era. Mas enquanto aquele dia não chegava, Noella fazia o seu papel de boa amiga ao apoiar (e acobertar) as escapadas de Axel.

Depois que Axel e o outro rapaz se misturaram aos jovens na pista de dança e sumiram de vista, Noella voltou a se concentrar em sua “busca”. Assim como ela dissera para o primo, naquela noite a princesa não planejava encontrar uma pessoa especial ou viver um grande amor. Era apenas uma noitada, um raro momento de liberdade que Noella precisava aproveitar. Então, teoricamente, qualquer um dos rapazes atraentes que olhavam na direção dela serviria para tal propósito.

- Confie nos seus instintos...

Noella repetiu para si mesma o conselho dito pelo primo e se esforçou para pensar o que Axel diria sobre cada um dos rapazes que os olhos dela captavam naquele momento: “Baixinho. Esquisito. Quem faz uma tatuagem no rosto? Cara de otário. O babaca está do lado da namorada e não tira os olhos de você! Aquilo é uma pochete???”

Axel acusava a prima de ser pouco seletiva e de acabar ficando com qualquer um durante aquelas escapadas. Só que Noella percebeu que acabaria ficando sozinha se começasse a ser tão exigente quanto o primo. Já impaciente por estar perdendo tempo, a princesa decidiu jogar toda a prudência para os ares e escolher um rapaz qualquer. Mas foi exatamente nessa fração de segundo que o destino agiu, impedindo que Noella fizesse mais uma vez a escolha errada.

A taça nas mãos de Noella foi erguida para que ela desse o último gole em sua bebida antes de partir para o “ataque”, e foi durante aquele movimento que os olhos azuis captaram um rapaz que tinha acabado de se aproximar do bar. Mesmo se tentasse julgá-lo com o mesmo rigor de Axel, Noella não encontraria facilidade em apontar defeitos nele. Ele tinha uma boa estatura, estava em boa forma física e usava um paletó alinhado. Os cabelos escuros eram grossos, o rapaz tinha um semblante amigável, traços bonitos e uma barba bem aparada que lhe dava um ar ainda mais charmoso.

Mas foi um único detalhe que desarmou Noella por inteiro e fez com que todos os outros rapazes desaparecessem da lista dela. No instante em que os olhares dos dois se cruzaram, o rapaz a fitou de cima a baixo e deixou que seus lábios se entortassem num discreto sorriso. E foi aquele sorrisinho torto quase imperceptível que atiçou todos os instintos de Noella e fez o coração dela dar um salto inexplicável dentro do peito.

- The Crown -  Giphy

Uma moça mais tímida teria apenas sustentado o olhar e esperado que o rapaz tomasse a iniciativa. Mas timidez não costumava ser um problema para Noella Glücksburg, e ela estava mesmo determinada a não perder mais tempo naquela noite. Então, sem nenhum constrangimento, a moça deu alguns passos adiante e exterminou a distância que a separava do rapaz.

- Espero que você fale inglês, porque o meu alemão é um terror! – Noella continuou a tagarelar antes mesmo que o rapaz tivesse a chance de responder se entendia aquele idioma – Eu tenho o dedo meio podre pra escolher os caras, então preciso fazer umas perguntinhas só pra ver se não tô fazendo merda de novo. Você não é gay, é? Eu sou péssima pra sacar essas coisas, me disseram que só gays nascem com viadômetro! Espero que você também não seja um imbecil que está dando mole pra outras garotas enquanto a sua namorada está na fila do banheiro. E qual o seu nível de babaquice? Tipo, não tem uma suástica tatuada no seu traseiro, né?

Só depois que ouviu a própria tagarelice, Noella se deu conta do quanto estava sendo invasiva (e bizarra). Aquele era o problema de viver numa bolha e obedecer protocolos o tempo inteiro: ela simplesmente não estava acostumada com situações rotineiras e com interações espontâneas. Ao notar o quanto tudo aquilo tinha soado estranho, a moça fez uma caretinha e franziu o nariz de um jeito divertido.

- Retiro o que eu disse, eu espero que você não saiba falar inglês e não tenha entendido uma palavra do que eu acabei de dizer!
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Lisbeth Glücksburg Seg Set 18, 2023 4:59 pm

Nove a cada dez meninas tinham o sonho de ser uma princesa. Não que fosse um dado divulgado em alguma revista cientifica de respeito, mas era muito fácil chegar em números bem próximos a esses com uma simples pesquisa em qualquer escola de jardim de infância. Com a divulgação e a fácil popularidade dos filmes da Disney, era muito fácil fantasiar com aquela vida tão fora do alcance para a grande parte da população mundial.
 
Vestidos lindos, bailes em palácios, uma princesa perfeita em cada mínimo detalhe, fosse no aspecto físico ou em sua personalidade dócil, amável, com todos que se encantavam por ela onde passasse. Era a perfeição encarnada. E claro, sem mencionar o maravilhoso Príncipe Encantado que tornaria aquela princesa ainda mais completa e feliz.
 
Para Lisbeth Glücksburg, entretanto, a vida de princesa era uma obrigação, uma carreira da qual ela não tinha como escapar, uma responsabilidade que tinha sido colocada em suas mãos literalmente desde seu nascimento. Moldada desde os seus primeiros minutos de vida para que, um dia, pudesse ocupar o trono e reinar sobre a Dinamarca.
 
Era verdade que, como um membro da realeza, a vida sempre tinha sido muito afortunada para Lisbeth. Havia mesmo vestidos lindos, bailes em palácio e qualquer um poderia jurar que a princesa-herdeira da Dinamarca era a personificação da perfeição das princesas dos contos de fadas. Com um sorriso sempre doce nos lábios, a voz baixa e suave, os longos e sedosos cabelos loiros e os apaixonantes olhos azuis. Embora fossem mais discretos e cuidadosos com a mídia, todos os funcionários cuidavam para que a imagem daquela que seria um dia a rainha da Dinamarca passasse a imagem impecável.
 
O que ninguém parecia ser capaz de enxergar era como Lisbeth se sentia uma grande farsa, sempre tensa e preocupada em cometer qualquer deslize. Em cada minuto do seu dia, ela se empenhava para alcançar a perfeição que lhe era esperada, e isso era sufocante e exaustivo.
 
Uma jovem de vinte e cinco anos comum estaria ambicionando o mundo, trabalhando duro pela sua carreira, talvez enfrentando dificuldades para pagar empréstimos estudantis. Uma moça daquela idade estaria animada para chegar ao final de semana, para aproveitar festas comuns, virar a noite se divertindo com amigos, rindo, falando besteiras, postando futilidades nas redes sociais. Mas essa estava longe de ser a vida de Lisbeth.
 
Mesmo com tão pouca idade, a responsabilidade exigida de Lisbeth lhe impedia de fazer as coisas mais simples e ordinárias. Ela nunca tinha abusado do álcool em alguma festa, não tinha passado toda a madrugada se divertindo em uma pista de dança, nem guardava uma extensa lista de namorados. Aliás, qualquer relacionamento da princesa era sempre alvo de análises e até “opiniões”, fosse da família real, da população ou dos empregados que precisavam garantir a boa imagem diante do mundo.
 
Diferente da irmã caçula, Lisbeth não tentava burlar as regras para se divertir como se fosse uma cidadã comum. Com tantas exigências e cobranças, talvez fosse até saudável extravasar um pouco como Noella, mas o medo das consequências era suficiente para que Beth afastasse aquela tentação. Com a morte prematura do pai, toda a responsabilidade do futuro daquela família e da realeza dinamarquesa estava nas mãos da princesa-herdeira e esse era um peso que Beth não podia ignorar.
 
O diploma de Literatura que Lisbeth tinha conquistado em uma das universidades mais renomadas da Dinamarca não tinha qualquer influência ou peso no seu futuro, mas tinha sido uma escolha pessoal da princesa. Com uma rotina exaustiva de estudos durante toda a sua vida, Beth falava mais quatro idiomas, além do dinamarquês. Tocava quatro instrumentos musicais, como harpa, violino, piano e flauta. Obedecida a uma extensa lista de regras, fosse de segurança, de vestimentas ou por pura tradição. Jogava badmínton e tinha aulas de hipismo desde criança. Como se tantas atividades não fossem suficientes para ocupar o seu dia-a-dia, Lisbeth contava com uma agenda intensa de trabalhos que precisava prestar como obrigação à coroa, eventos onde comparecia para representar a avó, a Rainha da Dinamarca.
 
Naquela noite, era um desses eventos que tinha tirado Lisbeth do palácio real. Ao invés de uma noitada com amigos, a herdeira do trono dinamarquês ocupava a sua noite em um baile formal, rodeado de pessoas mais velhas, com poucos jovens, todos elegantemente vestidos com seus trajes finos e com a arrogância que explodia no peito.
 
Como uma jovem solteira, a regra ditava que Lisbeth não podia usar nenhuma tiara, mas esse detalhe era insignificante diante da beleza da princesa. Os fios loiros estavam presos em um penteado elegante, alto e com alguns cachos nas pontas. A maquiagem era quase imperceptível, exatamente como mandava o protocolo, e o vestido em um tom de rosa claro não trazia nenhum tipo de decote, nada que pudesse revelar demais o corpo bonito da moça.
 
- E onde vossa Alteza pretende passar as próximas férias de verão? Saiba que a nossa casa em Mallorca está sempre de portas abertas para recebe-la.
 
Embora não tivesse nenhum título da nobreza, a primeira-dama italiana estava devidamente vestida para aquela ocasião e parecia saber seguir todos os protocolos que eram esperados dos convidados que estariam presentes diante dos membros da realeza dinamarquesa. A única coisa que talvez denunciasse a sua falta de títulos era a maquiagem mais carregada e o sorriso simples ao fazer aquele convite para a princesa em meio a uma roda de conversa.
 
Apesar de toda a rigorosidade que era exigida, Lisbeth era incapaz de ser dura ou ríspida com qualquer um. E não era apenas pela necessidade de ter uma boa imagem. Seu coração era bom demais, algo que se refletia no seu sorriso doce e no olhar carinhoso. Antes que ela abrisse a boca para responder ao gentil convite da italiana, uma risadinha baixa soou ao seu lado, atraindo não apenas o olhar da princesa, mas também o da primeira-dama.
 
- Mallorca? A Lisbeth? – Ao notar que tinha falado mais alto do que deveria, o rapaz endireitou os ombros e recuperou o ar pomposo, sem parecer nada constrangido. – Todo aquele sol, mar, areia...? Não, Lisbeth certamente passará as férias de verão no Palácio de Marselisborg. Todo ano, sempre Aarhus. Previsível como a princesa.
 
Nem mesmo o sorriso polido do rapaz foi capaz de disfarçar aquela crítica, o que deixou a princesa e a primeira-dama constrangidas. Mas apenas um segundo se passou antes que ele fingisse ter notado que havia dito algo de errado.
 
- Não que ser previsível seja algo ruim. Pelo contrário, acho que deva ser uma das suas melhores qualidades, Beth. Afinal, que homem quer uma mulher rebelde e imprevisível?
 
Era definitivamente um insulto dizer que “previsibilidade” era a melhor qualidade de uma moça tão linda, inteligente e talentosa como Lisbeth, mas o pior de tudo era que o rapaz parecia acreditar com convicção no que estava dizendo. E como um dos netos do rei de Mônaco, o príncipe Maxmillian não estava acostumado a ser enfrentado ou questionado por tamanho machismo.
 
O comentário do príncipe fez com que o sorriso de Lisbeth baqueasse por um instante, mas ela logo se recuperou, se virando na direção da primeira-dama com a mesma educação e simpatia de antes, ignorando o veneno do príncipe.
 
- Pois eu adoraria passar alguns dias em Mallorca, Sra. Bianchi. Será um prazer, desde que a senhora também me faça companhia.
 
***
 
- Eu não estou dizendo que ele não seja desagradável, só o que estou tentando fazer você entender é que não precisava passar o resto da noite ignorando o pobre do Maxmillian. Ele ficou sentido, sabia?
 
- A única coisa que deve ter ficado sentida no Max foi o orgulho dele, mãe. – Lisbeth interrompeu a caminhada no meio do imenso quarto para retirar os sapatos e finalmente libertar os pés daquela tortura. – E ele não é “desagradável”. É um machista, ignorante e completamente sem noção!
 
Toda a frustração que Lisbeth tinha precisado conter durante o evento agora ficava evidente naquele quarto privado, apenas na companhia da mãe. Bem diferente de Noella, não era exatamente uma explosão rebelde, mas um desabafo de quem tinha acabado de enfrentar uma noite ruim e precisava de algum apoio.
 
- Ele é um homem, querida. Mais do que isso, é um homem da monarquia. Se você for mesmo procurar defeitos em todos os rapazes que cruzarem o seu caminho, temo pelo futuro da Dinamarca, pois não teremos herdeiro algum!
 
Uma jovem comum de vinte e cinco anos certamente escutaria com frequência que ainda era muito jovem para pensar em uma família, marido e filhos. Mas como Lisbeth era o oposto de comum, era esperado dela que encontrasse um bom candidato para o matrimônio e garantisse a continuidade da monarquia.
 
- Ao invés de se agarrar apenas aos defeitos, tente observar as qualidades do Maxmillian. Ele é um rapaz inteligente, muito atraente, de uma excelente família. Não satisfeito com o diploma honroso de matemática, ele vai começar um novo curso no próximo ano. E não se esqueça como todos falaram bem da participação dele na abertura das novas creches de Mônaco.
 
As “qualidades” de Max realmente seriam bastante significativas se tudo aquilo tivesse acontecido por escolhas dele e principalmente pelo próprio trabalho, mas Lisbeth sabia que o jovem príncipe só procurava nas universidades uma desculpa para passar temporadas longe de Mônaco, e que a participação nas aberturas das creches tinha sido apenas mais um dos compromissos da agenda real, como tantos outros que ela mesma realizava.
 
A grande diferença era que Max adorava os holofotes daqueles eventos, enquanto Lisbeth mergulhava de cabeça na ação e no bem que estava levando a outras pessoas. Uma das suas tarefas preferidas era poder ir a orfanatos ou hospitais e passar horas lendo livros infantis para as crianças mais necessitadas, muitas vezes tentando escapar de qualquer fotógrafo que pudesse surgir.
 
Para evitar retrucar e continuar alongando aquela conversa inútil, Lisbeth deu as costas para a mãe e mordiscou a bochecha, contendo qualquer comentário que pudesse tentar escapar. Enquanto fingia se ocupar com a retirada dos brincos de pérola, ela não notou quando mais uma pessoa surgiu na entrada do quarto, recebendo a autorização da mãe para entrar no cômodo.
 
- Eu não estou querendo ser a vilã aqui, querida. Mas preciso lembrar que Maxmillian é apenas um príncipe, não “o príncipe-encantado”. Porque se for isso que você está procurando, sinto informar que não existe.
 
- Eu não...
 
Lisbeth se virou para tentar argumentar, mas se calou ao notar o homem parado, aguardando a permissão para falar sem interromper a conversa das duas mulheres. Para Evelina, a mãe de Lisbeth e Noella, continuar uma conversa pessoal diante de um empregado não parecia haver nada de errado. Não que ela fosse tão arrogante e insuportável quanto Maxmillian, mas a nobreza tinha frequentemente o costume de lidar com os empregados como se fossem meras sombras, ou robôs que estavam ali apenas para cumprir suas tarefas. A discrição exigida para se trabalhar dentro do palácio e tão perto dos membros da família real conseguia tornar aquela ilusão ainda mais forte.
 
Para a princesa herdeira, entretanto, era constrangedor falar sobre namoros, rapazes e suas preferências diante de outra pessoa, principalmente um homem. Não que ela não confiasse em Jorgen Dalgaard, já que ele era o seu secretário pessoal e a pessoa de maior confiança em qualquer aspecto. Mas uma moça mais reservada jamais se sentiria confortável falando tão abertamente de tais assuntos.
 
Um rubor cobriu as bochechas de Beth e ela pigarreou, lançando um olhar significativo na direção da mãe, a reprovando por não ter lhe avisado e ainda continuado aquela conversa na presença de Jorgen. Evelina apenas abanou o ar, enxotando a preocupação da filha com insignificância.
 
- O que foi? Até parece que o Sr. Dalgaard vai sair por aí fofocando sobre a sua ingenuidade com os rapazes, querida. Aliás, é importante que ele saiba como você é uma cabecinha de vento nesse assunto. Pense em tudo o que falamos, está bem?
 
Com um beijo carinhoso sobre a testa da filha, Evelina deixou o quarto sem se dar ao trabalho de se despedir do secretário. Com um suspiro longo, os ombros de Lisbeth caíram e ela apoiou as mãos na cintura, se sentindo ainda mais exausta como se aquela noite não fosse chegar ao fim.
 
- Desculpe por isso, ela nunca sabe a hora de parar de falar, não é? Acho que a Noelle teve a quem puxar!
 
O desabafo de Lisbeth acabou se transformando em uma risadinha cúmplice. Embora cada membro confiasse fielmente no secretário que era designado a cuidar de toda a sua vida, Beth conseguia enxergar em Jorgen um amigo mais do que um simples empregado, alguém que ela pudesse conversar sem se preocupar com tantos protocolos ou cuidando de cada palavra que saía da sua boca. E o comentário sobre o temperamento da irmã era sempre uma pauta muito delicada dentro daquele palácio, algo que Beth jamais teria coragem de dizer com tanta leveza diante de qualquer outra pessoa.
Lisbeth Glücksburg
Lisbeth Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Malik Conrad Al-Rashidi Ter Set 19, 2023 2:20 pm

O olhar da mulher se demorou atentamente no passaporte em suas mãos, para o monitor a sua frente e novamente para o rapaz parado do outro lado do vidro. Aquela ação se repetiu mais algumas vezes, sem que ela demonstrasse qualquer pressa em liberar o estrangeiro. Com uma mochila pendurada em um dos ombros e o cansaço depois de um longo voo, era de se esperar que qualquer um começasse a ficar impaciente ou pelo menos apreensivo, mas Malik Conrad Al-Rashidi permaneceu calmo e tranquilo.
 
Era sempre assim quando ele embarcava em um avião e precisava enfrentar todo o processo de imigração ao chegar em um novo país. Nem mesmo os traços ocidentais herdados da mãe eram suficientes para ignorarem o seu nome e sobrenome, e junto com eles, uma imensa carga de preconceitos. Então não foi nenhuma surpresa quando, ao invés de ser liberado para entrar na Alemanha, o rapaz foi conduzido a uma salinha separada pela segurança.
 
- Precisa de um tradutor? – Antes mesmo de dar bom dia, o homem engravatado apontou para uma mulher devidamente preparada para intermediar com os passageiros estrangeiros.
 
- Sim, por favor. – Conrad respondeu com extrema educação e a mulher deu um passo adiante.
 
- Bom, Sr. Malik Conrad al-Rashidi... minha pronúncia está correta?
 
Ele ergueu o olhar do passaporte que tinha lhe sido entregue para encarar o rapaz, e na mesma hora a moça começou a traduzir aquelas poucas palavras do alemão para o árabe. Mais uma vez, foi com extrema educação que Conrad ergueu uma das mãos pedindo a interrupção da tradutora. Sem se alterar, ele se explicou.
 
- Em inglês, por favor. Ou francês. Sou canadense, como o senhor pode ver no meu passaporte.
 
Embora suas roupas estivessem um pouco amarrotadas, Conrad ainda estava muito bem vestido com uma camisa de botões de excelente qualidade. O paletó tinha sido retirado durante o voo, mas ele já tinha voltado a vestir a peça, que também não era nada insignificante. Seus sapatos eram novos e bem cuidados e o rapaz carregava um smartwatch no pulso. Embora ainda fosse jovem, com apenas vinte e cinco anos, Conrad se vestia de maneira formal, como um importante homem de negócios.
 
- Muito bem. – O homem não se abalou e deixou que a tradutora continuasse seu trabalho em Inglês. – O que o trás a Berlim, Sr. al-Rashidi?
 
- Trabalho. Vim para um congresso de advocacia representando a Pearson Hardman.
 
- O senhor veio sozinho?
 
- Sim. O restante da equipe chegou ontem.
 
- E onde ficará hospedado?
 
- No Grand Hyatt. – Em nenhum momento Conrad ergueu a voz ou soou presunçoso, mas foi fácil notar quando o olhar do entrevistador se ergueu para fixar no rapaz com curiosidade.
 
O Grand Hyatt era um dos melhores hotéis de Berlim, talvez caro demais para um simples advogado ainda no início de carreira. E por mais que Conrad estivesse se destacando muito bem no escritório de advocacia, seu salário ainda não seria suficiente para cobrir um lugar como aquele. Mas essa era uma das grandes vantagens de trabalhar para a Pearson Hardman, uma das empresas mais bem-conceituadas do Canadá, que atendia todo o território americano e tinha clientes importantes, como a Netflix e até mesmo a Disney.
 
Embora não tivesse nascido em um berço de ouro, os pais de Conrad sempre tinham proporcionado ao rapaz uma vida confortável, concentrando a maior parte do orçamento familiar nos estudos do único filho. As escolas públicas do Canadá eram excelentes, mas Conrad tinha frequentado boa parte da sua vida em instituições privadas até garantir sua vaga na escola de direito de Harvard, onde se formou com honrarias.
 
Ao invés de crescer deslumbrado com certos privilégios, Conrad sabia reconhecer o esforço dos pais e a sua melhor maneira de retribuição era se dedicar ao máximo no seu futuro. Trabalhar duro sempre tinha sido seu objetivo de vida e tinha sido graças aos seus méritos que tinha conseguido conquistar seu lugar no maior escritório de advocacia do Canadá.
 
Com um excelente diploma, uma carreira promissora pela frente, bem vestido, de boa aparência, Conrad não tinha qualquer motivo para ser encarado com tanta desconfiança por aquele entrevistador, mas ele sabia muito bem como era o preconceito que despertava nas pessoas por causa do seu sobrenome. No seu dia-a-dia como “Conrad”, era muito mais fácil se deixar enganar, mas o rapaz já tinha presenciado mais de uma vez como as pessoas conseguiam ser cruéis e injustas com seu pai, que mesmo vivendo há décadas no Canadá, não tinha virado por completo as costas para suas origens árabes e sua fé mulçumana.
 
Com uma mãe canadense e um pai marroquino, Conrad sentia que estava sempre com um pé em cada lado do mundo e até mesmo a fusão dos seus nomes “Malik Conrad” mostrava aquela dualidade.
 
As perguntas ainda se arrastaram por quase meia hora e Conrad ainda foi deixado sozinho na sala por mais longos minutos até finalmente ser liberado para entrar oficialmente em Berlim. Com a mochila pendurada no ombro, ele franziu o cenho para o dia ensolarado e soltou um suspiro, tentando deixar aquela sensação que esmagava o seu peito por causa do preconceito para erguer a cabeça e seguir a sua vida como se não tivesse acontecido nada demais.
 
***
 
- Você é um grande filho da puta, sabe disso, não sabe, Connie?
 
Ao invés de ficar ofendido com aquele xingamento, Conrad abriu um sorrisinho torto e puxou uma caneca de cerveja alemã, dando uma golada generosa. Ainda fingindo uma exagerada indignação, o rapaz ao seu lado bufou.
 
- Eu te dou até o final do ano para o seu nome não estar naquela maldita parede. O que acho que vai ser uma puta decepção para a Spencer, porque aquela vadia é doida para fazer o teste do sofá com você. Mas nem ela consegue esconder que te acha um filho da puta incrível. E uma delicinha.
 
- Eu não sei o que é pior, que você tenha acabado de chamar Spencer Hardman de vadia ou a mim de delicinha.
 
- Não tente disfarçar, você entendeu bem o que eu disse! – Tobias Monroe se inclinou sobre o balcão para conseguir falar mais perto do amigo. – A Spencer é caidinha por você. E depois de hoje, até eu estou quase arriando as minhas calças na sua frente. Puta merda, Connie! Você foi incrível!
 
- Primeiro, a Spencer é quinze anos mais velha do que eu, é a sócia majoritária do escritório. E é casada! – Depois de pontuar calmamente os seus argumentos para encerrar aquele assunto, Conrad passou para o tema seguinte. – E eu só fiz o meu trabalho.
 
Como assistente jurídico, o trabalho de Conrad não era tão glamoroso como o dos grandes advogados do escritório. Seu papel era mais concentrado em pesquisas, relatórios, análises e investigações que auxiliassem nas causas. Só que sua dedicação minuciosa e seu perfeccionismo encontravam detalhes que até mesmo grandes advogados experientes acabavam deixando passar. A maioria dos nomes importantes que trabalhavam para a Perason Hardman quase duelavam entre si para conseguir a assistência de Conrad e tinha sido o incrível trabalho dele que tinha conseguido mais uma grande conquista para o escritório naquele dia.
 
Apesar da entonação modesta, a verdade era que Conrad estava muito orgulhoso de si mesmo. Ele tinha vindo até a Alemanha para um congresso, mas a filial de Berlim tinha pedido a sua ajuda em um dos casos. Conrad estava exausto da viagem, mas ainda se debruçou sem questionar sobre as toneladas de contratos e papéis, analisando cada cláusula, revendo cada trecho dezenas de vezes até encontrar a virgula que faria toda a diferença para um acordo que muitos julgavam impossível.
 
Foi a própria Spencer Hardman, a sócia majoritária e uma das figuras mais imponentes daquele ramo, que apresentou o acordo entre os envolvidos, e foi por causa daquele trabalho em equipe que o escritório tinha conseguido mais uma grande vitória.
 
Conrad sentia seu corpo cansado e os olhos ardendo. Com o congresso previsto para a manhã seguinte, ele sabia que precisava voltar para o hotel e descansar, mas foi impossível negar o convite de Tobias para conhecer uma balada alemã. Mesmo com toda a sua dedicação e com todo o esforço no trabalho, Al-Rashidi ainda era um jovem de vinte e cinco anos que não recuava diante de algumas horas de diversão, uma boa bebida e talvez até a companhia de uma bela moça.
 
Com uma rotina de estudos tão puxada, emendando em um trabalho que exigia tanto dele, Conrad não tinha muito tempo para namoradas. Mas isso não significava que ele era um bom samaritano que exercia o celibato. Não era raro que alguma garota cruzasse o seu caminho para que os dois pudessem aproveitar algumas horas de diversão, sem qualquer compromisso ou expectativas com o futuro.
 
Naquela noite, pela forma que Conrad atraía olhares por onde passava, ficava fácil deduzir que o rapaz só precisaria escolher quem seria a felizarda a terminar a noite nos seus braços. A gravata que lhe dava o ar mais formal durante o trabalho tinha sido retirada, mas o rapaz ainda vestia um blazer elegante por cima de uma camisa azul. Os cabelos tinham sido penteados para trás, mas alguns fios rebeldes já tinham se desgrudado e insistiam em cair na direção da sua testa. E a barba bem cuidada e perfumada conseguia lhe trazer um charme a mais, sem conseguir esconder o sorrisinho torto. Seus olhos castanhos eram intensos e deslizavam ao redor como um caçador em busca da presa ideal, sem interromper a conversa com seu amigo.
 
Os dois rapazes já tinham dividido algumas rodadas da melhor cerveja da casa quando Tobias decidiu fazer sua primeira investida, pagando uma bebida para uma ruiva sentada no canto do bar. Quando viu que tinha alcançado seu objetivo, ele não pensou duas vezes e abandonou Conrad para seguir com sua aventura. E Al-Rashidi não pareceu nada ofendido quando incentivou o amigo com uma risadinha discreta.
 
Sozinho, Conrad pediu mais uma bebida antes de deslizar o olhar ao redor. Uma morena lhe cobiçava do outro lado da pista de dança e havia uma moça cacheada que não poupava os sinais, esperando que o rapaz tomasse a iniciativa. Embora fossem todas atraentes, Conrad ainda não tinha se decidido sobre nenhuma delas quando algo finalmente chamou sua atenção.
 
Em uma boate como aquela, em uma cidade agitada como Berlim, o padrão das moças que frequentavam aquele ambiente não era nada desprezível. Mesmo assim, a loira que conversava distraída conseguia se destacar como se vibrasse em uma energia diferente. Ela era absurdamente linda, com os cabelos dourados sedosos que brilhavam mesmo com a pouca luz do ambiente. Seu corpo escultural era facilmente cobiçado por qualquer homem dentro daquele lugar. Mas não era apenas a beleza estupenda que a fazia se destacar, não era apenas o par de pernas que fazia suas mãos formigarem ou a curiosidade de se afundar no pescoço dela para sentir seu perfume. Era o olhar, a forma com que movia os lábios para conversar e sorrir, como mexia os quadris sem nem perceber, como jogava a cabeça para trás em uma gargalhada gostosa. Mesmo de longe, Conrad percebeu que era uma moça de atitude, do tipo que não se encontrava em qualquer esquina.
 
Desde o instante em que pousou o olhar nela, todas as outras moças desapareceram. Só que havia um obstáculo importante: ela estava acompanhada, e Conrad definitivamente não pretendia arrumar confusão. Ele ainda tentou se distrair virando sua atenção para outras direções, mas era como se um ímã atraísse sempre seu olhar para o ponto da loira magnífica. E foi só quando o rapaz a abandonou para ir na direção de outro homem que Conrad se sentiu inundado de esperanças.
 
Talvez tenha sido a insistência do seu olhar, ou talvez, como seu pai sempre dizia, “o que está predestinado a acontecer, irá acontecer”. Fosse o destino ou o acaso, o olhar da moça finalmente se voltou na direção de Conrad, e se antes ele já tinha se esquecido de qualquer outra mulher que pudesse estar presente, bastou que seus olhares se encontrassem para que o restante da boate evaporasse.
 
Dessa vez, o olhar de Conrad acompanhou cada curva da moça com mais atenção, certo de que não estaria comprando briga com nenhum namorado ciumento. E diferente de tantas outras que esperavam que ele tomasse a iniciativa, foi ela quem deu o primeiro passo. Algo que assustaria tantos rapazes mais inseguros só fez com que Conrad se encantasse ainda mais por ela.
 
Mesmo depois de toda a tagarelice da loira, o olhar intenso de Conrad continuou pousado nela por longos segundos, quase como se não tivesse escutado uma única palavra. Mas por dentro, ele estava apenas se deliciando com aquele timbre de voz, como se tivesse acabado de escutar uma melodia tão perfeita que não podia ser ignorada. Foi preciso uma pequena pausa até que ele piscasse os olhos, se inclinasse para frente até conseguir aproximar os lábios de um dos ouvidos dela. A música alta exigia que os dois falassem mais próximos e mais alto, mas aquela também era a desculpa perfeita para Conrad matar sua curiosidade sobre o perfume dos seus cabelos.
 
- Hetero, solteiro e sem tatuagens no traseiro, eu posso provar.
 
Quando recuou alguns centímetros para conseguir voltar a encará-la nos olhos, Conrad ainda se sentia um tanto inebriado pelo perfume dela, mas conseguiu manter aquele sorrisinho torto e conquistador nos lábios. Com aquela proximidade, ele conseguia enxergar ainda melhor a beleza dela, dos traços delicados do seu rosto realçados pela maquiagem, dos lindos olhos azuis e do formato perfeito dos seus lábios.
 
- É sério essa história de viadômetro? – Ele continuou com bom humor, usando o polegar para apontar a direção que a menina estava com o outro rapaz alguns minutos antes. – Eu definitivamente não tenho um, achei que aquele era o seu namorado. Sorte a minha estar enganado.
 
Com a caneca de cerveja já pela metade, Conrad a empurrou de volta para o balcão, usando a mão livre para esticar na direção da moça.
 
- Não falo uma palavra de alemão, isso conta algum ponto na sua avaliação? Meu nome é Conrad. Você tem mais alguma pergunta a fazer ou agora pode ser a minha vez? – Com um ar misterioso, Conrad arqueou uma das sobrancelhas como se estivesse mesmo se preparando para revidar a avalanche de questionamentos sem sentidos. Ele sustentou aquela encenação por alguns segundos antes de finalmente falar. – Seu copo está vazio. Posso te oferecer uma bebida?
 
Ao invés de tornar aquela conversa constrangedora, Conrad conseguiu conduzir de uma maneira leve e divertida, quebrando qualquer possibilidade de clima ruim. O sorriso que a loira lhe deu em resposta foi suficiente para que ele fizesse um sinal na direção do barman, pedindo a ele um novo drink igual ao da taça vazia que a moça segurava. E ela mal tinha dado o primeiro gole quando o olhar de Conrad voltou a deslizar pelo seu corpo.
 
- É sério que você tem o dedo podre? Não deveria ser tão ruim assim, qualquer cara aqui dentro estaria se ajoelhando aos seus pés. – Quando a menina fez menção de abrir a boca, Conrad ergueu um dedo e a interrompeu. – Eu sou canadense, só vou ficar em Berlim por alguns dias para um congresso de advocacia. E talvez a coisa mais bizarra sobre mim seja o meu vício por hóquei de gelo. Quando eu tinha dezessete anos sonhava entrar para a liga profissional, mas desloquei alguns dedos treinando e nunca mais quis brincar de verdade com isso. E quanto a você?
 
Com uma das mãos apoiadas no balcão, Conrad ficou de lado, até ficar de frente e bem próximo a moça. Seu olhar penetrante se prendeu nas íris azuladas dela e era quase como se ele fosse capaz de ler seus pensamentos. Ao invés de arrumar qualquer desculpa para apalpar a moça ou manter seu olhar no decote dela, Conrad estava mostrando que estava mesmo curioso e atento ao que ela tinha a dizer.
 
- Nenhuma bizarrice? Fato curioso? Será que posso ao menos saber o seu nome ou vou precisar criar um codinome? Porque sou péssimo com apelidos, você não vai querer passar o resto da noite sendo chamada de “dama misteriosa” ou “loira magnífica”, muito menos de “linda fofoqueira”, não é?
Malik Conrad Al-Rashidi
Malik Conrad Al-Rashidi

Mensagens : 111
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Jorgen Dalgaard Ter Set 19, 2023 4:08 pm

Dinamarquês, inglês, francês, espanhol e alemão. Pouquíssimas pessoas no planeta conseguiam dominar cinco idiomas. Além de tamanha variedade linguística, Jorgen Dalgaard possuía formação superior em Ciências Políticas e um invejável diploma de Oxford. Desde a adolescência o rapaz havia concentrado os seus estudos nos campos de História, Política e Economia. Duas faculdades, cursos, estágios e especializações completavam o enorme currículo de Jorgen. Aos trinta e poucos anos, Dalgaard certamente possuía mais conhecimento e mais experiência do que a maior parte dos políticos e governantes que chegavam ao poder no resto do mundo.
 
Mais do que simplesmente ostentar um currículo recheado de títulos, Jorgen era bom no que fazia porque ele amava tudo aquilo. Dedicado, resolutivo, disciplinado e totalmente fiel ao seu trabalho: era assim que qualquer pessoa que conhecesse Dalgaard o descreveria. Com uma excelente formação e com tal comprometimento à carreira era de se esperar que Jorgen conseguisse um bom emprego. E ele realmente havia chegado muito longe. Contudo, o rapaz sabia que não ocupava aquele cargo de destaque dentro da família real da Dinamarca apenas por mérito próprio. Seria hipocrisia de Jorgen dizer que o sobrenome Dalgaard não havia aberto as portas do palácio real dinamarquês para ele.
 
Vinte e sete anos. Foi este o tempo em que Lars Dalgaard, pai de Jorgen, trabalhou dentro do palácio real, servindo diretamente a rainha Margrethe. E Lars havia feito um trabalho excepcional no papel de secretário particular da monarca. Tanto que Margrethe tentara adiar ao máximo a aposentadoria do homem sob a alegação de que não conseguiria comandar o próprio reino sem a ajuda dele. Depois de muita insistência (e algumas ameaças por parte da Sra. Dalgaard), Lars finalmente se impôs e a rainha não teve alternativa senão aceitar o afastamento do seu melhor funcionário. Contudo, antes de partir para aproveitar a aposentadoria, Lars fez questão de mencionar o filho e o currículo invejável de Jorgen. A rainha obviamente não colocaria ao seu lado um secretário novato e ainda tão jovem e inexperiente, mas Margrethe encontrou uma solução que resolveria todos os problemas: o antigo secretário pessoal de Lisbeth foi promovido para o cargo de Lars e Jorgen passou a ocupar a função de servir a princesa.
 
Era um cargo absurdamente importante dentro da realeza. Lisbeth ainda não era a rainha, mas a jovem era agora a primeira na linha de sucessão. Se Jorgen não cometesse erros e fizesse um bom trabalho, em alguns anos ele seria o secretário particular da rainha da Dinamarca. Exatamente o mesmo trabalho que seu pai realizara com maestria por tanto tempo.
 
O resto do mundo podia até não entender a importância e a relevância daquele cargo, mas num país onde a monarquia ainda imperava todos sabiam o quanto um “simples” secretário poderia ser influente. Dalgaard não era apenas um empregado que cuidava da imagem da patroa, conferia se as suas roupas estavam adequadas ou tentava se livrar dos paparazzi. O papel dele era ajudá-la em tudo o que a futura rainha pudesse precisar. E isso incluía revisar discursos, escolher os eventos nos quais a monarca deveria comparecer, ajudá-la a tomar decisões políticas e econômicas que afetariam diretamente um país inteiro. A responsabilidade era enorme, mas Jorgen se sentia preparado e empolgado em seguir os passos do pai e servir o seu país.
 
Quase um ano já tinha se passado desde que Jorgen Dalgaard assumiu o cargo como secretário particular da princesa-herdeira e até então ninguém poderia apontar falhas no desempenho do rapaz. Lisbeth tinha uma agenda bastante tumultuada e a avó já tinha liberado a moça para comparecer em vários eventos políticos e sociais em nome da Coroa, então Jorgen não tinha muito tempo livre. Não era raro que ele tivesse que sair do país em viagens oficiais ou passar vários dias concentrado em conferências nas quais Lisbeth compareceria ou discursaria. Ainda assim, Dalgaard não tinha motivos para reclamar. Além de amar aquele trabalho, Jorgen logo percebeu que a futura rainha da Dinamarca não seria um grande problema em sua vida.
 
Ao pisar no palácio pela primeira vez, o maior medo de Jorgen era que Lisbeth fosse uma pessoa difícil ou uma típica menininha arrogante, indisciplinada ou mimada. Lars sempre fora um secretário fiel e não costumava falar mal da rainha nem mesmo dentro de casa, mas às vezes o Sr. Dalgaard deixava escapar que Margrethe tinha uma personalidade complicada, que era autoritária e tinha dificuldade em acatar conselhos. Contudo, depois de quase um ano trabalhando ao lado da princesa, Jorgen podia dizer com segurança que Lisbeth não era uma mocinha irresponsável e mimada, tampouco era prepotente como a avó. Pelo contrário, os dois tinham muita coisa em comum. Ambos eram maduros, discretos, responsáveis, disciplinados, centrados e eficientes em suas respectivas funções. E talvez fossem exatamente todas essas semelhanças que fizeram com que Jorgen e Lisbeth se dessem tão bem desde o começo.
 
Jorgen estava vivendo um ótimo momento em sua vida profissional, mas o mesmo não poderia ser dito sobre os aspectos mais pessoais da vida do jovem secretário. Na mesma velocidade em que a carreira de Dalgaard decolava, a vida pessoal do rapaz descia ladeira abaixo. E o auge daquela derrocada tinha acontecido há cerca de três meses, quando Jorgen chegou em casa e viu que a esposa havia partido, deixando para trás apenas as folhas do divórcio devidamente assinadas.
 
É claro que aquela separação não havia acontecido abruptamente. Antes que o casamento chegasse oficialmente ao fim, o casal Dalgaard havia enfrentado uma grande crise. As brigas eram diárias, não havia mais carinho, romance ou respeito. E a grande verdade é que nunca houvera amor de verdade entre os dois. Jorgen e Mia não tinham nada em comum, não gostavam das mesmas coisas e tinham projetos completamente diferentes para o futuro.
 
A única razão para que duas pessoas tão incompatíveis tivessem decidido trocar alianças foi uma gravidez não planejada. Mia e Jorgen só tinham saído poucas vezes quando a moça engravidou e o pressionou para que os dois se casassem. Com a ilusão de que eles conseguiriam dar uma boa família àquela criança inocente, Jorgen cedeu à pressão e subiu ao altar. Mas o fracasso foi inevitável. Aquela tola fantasia se tornou um pesadelo e o casamento não durou muito mais do que um ano. E agora, além do peso de um divórcio, Dalgaard também carregava em seus ombros a responsabilidade de criar um filho sozinho.
 
Não foi exatamente uma surpresa para Jorgen ver Mia sair de casa e deixar para trás o pequeno Mads. Além de nunca ter se encaixado bem naquele papel de mãe, Mia era uma mulher irresponsável, que queria liberdade para curtir a vida e aproveitar a sua juventude ao máximo. E não seria nada fácil cumprir aquela rotina de festas, viagens e baladas tendo um bebezinho em casa.
 
Com apenas oito meses de idade, Mads era totalmente dependente dos pais e se viu praticamente órfão quando a mãe foi embora, deixando-o aos cuidados de um pai que trabalhava tantas horas por dia. Jorgen não queria deixar o emprego ou comprometer a sua carreira, mas ao mesmo tempo não podia simplesmente deixar o filho aos cuidados de uma babá em tempo integral. Parte daquele problema foi solucionado quando o Sr. e a Sra. Dalgaard concordaram em cuidar do neto, mas Jorgen também sabia que não podia jogar toda aquela responsabilidade nas costas dos pais.
 
Normalmente Dalgaard se esforçava para que seus problemas pessoais não interferissem negativamente no trabalho, mas a cada dia ficava mais complicado separar aqueles dois aspectos de sua vida. Além de estar exausto com tantas noites mal dormidas e tantas preocupações, Jorgen sabia que precisava dedicar mais tempo e dar mais atenção a Mads. E foi depois de muitas reflexões e ponderações que Dalgaard tomou uma importante decisão. Uma decisão que poderia comprometer todo o seu futuro e arruinar a carreira promissora que ele vinha construindo dentro do palácio. Mas ainda assim era algo que o secretário precisava fazer porque Mads havia se tornado a sua maior prioridade.
 
***
 
Os passos firmes de Jorgen ecoavam pelo piso de mármore do palácio enquanto ele seguia por aquele caminho já tão familiar. Como os protocolos exigiam, o secretário particular da futura rainha da Dinamarca precisava se enquadrar nos padrões e isso significava que Dalgaard também precisava seguir as normas de etiqueta e de vestimenta quando estava no palácio ou em algum evento oficial da monarquia.

E, naquela noite, os trajes elegantes do secretário eram totalmente apropriados para alguém que circularia por um grande baile da realeza. O terno feito sob medida era alinhado demais para alguém que estava ali a trabalho e permitia que Jorgen se misturasse naturalmente aos convidados de honra da rainha. O paletó e a calça estavam impecáveis, sem nenhuma mancha ou amassado no tecido de boa qualidade. O secretário sempre usava cores discretas em sua gravata e os sapatos sociais brilhavam como se tivessem saído da loja há poucas horas.
 
Qualquer pessoa que pisasse no palácio real pela primeira vez ficaria perdida em meio a tantas portas, corredores e saguões, mas o secretário particular da princesa só precisou de alguns segundos para cruzar vários corredores até chegar diante da suntuosa porta do quarto de Lisbeth. Num gesto respeitoso, Dalgaard bateu duas vezes na madeira e só entrou depois de ouvir a autorização que vinha de dentro do cômodo.
 
Como tudo no interior daquele palácio, o quarto de Lisbeth era enorme e exageradamente luxuoso. A maior parte das pessoas contrárias à monarquia costumavam alegar que reis e rainhas eram parasitas que não trabalhavam e ostentavam uma vida luxuosa graças aos impostos dos contribuintes, mas os Glücksburg não mereciam aquelas duras críticas. Margrethe não era uma rainha que reinava apenas no papel. A monarca dinamarquesa participava ativamente das reuniões do parlamento, ajudava a elaborar leis e projetos sociais e fazia acordos econômicos com os outros países. E Margrethe vinha incentivando a neta a seguir por aquele mesmo caminho, então Lisbeth estava sempre lotada de trabalho e de compromissos que iam muito além de aparições públicas e presença em cerimônias oficiais.

Depois de um ano trabalhando ao lado do secretário, Lisbeth provavelmente já tinha percebido que podia confiar cegamente em Jorgen. Dalgaard não era apenas capacitado, competente ou inteligente, mas o secretário possuía também as duas qualidades que a família real mais valorizava: ele era fiel e absurdamente discreto. Foi por isso que Evelina não viu problemas em continuar uma conversa tão pessoal diante do secretário. A mãe de Lisbeth sabia que Jorgen não levaria para fora daquele quarto os comentários comprometedores sobre o príncipe de Mônaco ou sobre a vida sentimental da futura rainha da Dinamarca.

Como secretário particular de Lisbeth, Jorgen tinha acesso aos aposentos da princesa e poderia ter um milhão de motivos para estar ali. Não era incomum que Dalgaard procurasse a moça para reforçar os compromissos que Lisbeth teria no dia seguinte ou então para dar uma pequena sugestão sobre o que ela deveria falar ou fazer em determinado evento. Naquela noite, porém, o olhar mais apreensivo do homem denunciava que era um assunto mais delicado que o motivara a procurar pela princesa.

Como de costume, Jorgen obedeceu fielmente os protocolos e inclinou a cabeça numa breve reverência, cumprimentando Lisbeth da mesma maneira formal e respeitosa de sempre.
 
- Boa noite, Alteza. – os olhos do rapaz deslizaram pelo quarto brevemente apenas para se certificarem de que os dois realmente estavam sozinhos após a saída da mãe da garota – Eu imagino que esteja cansada, mas ainda assim terei que tomar alguns minutos do seu tempo. Há algo que eu preciso lhe dizer ainda hoje. E eu não a importunaria com isso se não fosse importante.
 
Existia uma diferença de idade entre os dois que beirava os dez anos. E se até Jorgen era considerado jovem e inexperiente no mundo da realeza, Lisbeth não passava de uma pirralha que ainda tinha um longo caminho pela frente e muito a aprender antes de ter uma coroa encaixada em sua cabeça. Contudo, em nenhum momento naqueles meses de convivência, o secretário tratou a princesa com desdém ou como se ele fosse a babá de uma menininha tola. Muito pelo contrário, Lisbeth era tratada com imenso respeito e sempre tinha as suas opiniões ouvidas e valorizadas pelo secretário.
 
Aos olhos do resto do mundo poderia parecer estranho tratar uma moça tão jovem com tamanha formalidade, mas o comportamento de Dalgaard era exatamente o que se esperava de qualquer pessoa na posição dele. Embora ele e Lisbeth passassem muito tempo juntos, os protocolos da monarquia não abriam brechas para que os dois se tornassem amigos íntimos ou para que quebrassem a formalidade. Ali ela não era uma moça comum e ele não era apenas um colega de trabalho. Lisbeth era uma princesa, a futura rainha da Dinamarca. E era assim que ela deveria ser tratada, principalmente por alguém que estava ali para servi-la.
 
Naquela noite, o tom mais sério do secretário foi o suficiente para despertar o interesse de Lisbeth. E ela parecia sinceramente preocupada quando fez um gesto, convidando Jorgen a se sentar numa confortável poltrona localizada num dos cantos do gigantesco quarto. Só depois da autorização da princesa, Dalgaard ocupou aquele assento e tomou a palavra.
 
- Eu confesso que tentei planejar esta conversa, mas foi difícil encontrar as palavras certas.
 
O secretário deixou ainda mais claro o quanto tudo aquilo era complicado e doloroso para ele quando retirou os óculos – que ele normalmente usava apenas para leitura – e coçou o rosto, parecendo anormalmente cansado e preocupado.

- The Crown -  Giphy
 
- Eu costumo me esforçar para não deixar que os meus problemas de cunho pessoal interfiram no meu trabalho, até porque eu sei que o que fazemos aqui é de suma importância para todo o país. Mas, infelizmente, a situação chegou a um ponto em que está sendo impossível conciliar os meus problemas pessoais com o meu trabalho, Alteza.
 
Sempre discreto e formal, Jorgen não costumava falar de sua vida pessoal no trabalho. Até então, nem mesmo uma palavra havia sido dita sobre o divórcio ou sobre as dificuldades que ele vinha enfrentando na criação do filho. Se Lisbeth fosse uma boa observadora, ela teria notado apenas que o secretário tinha parado de usar a aliança nos últimos meses. Mas a confirmação daquelas suspeitas só veio naquele instante.
 
- Eu finalizei um processo de divórcio há cerca de três meses. E fiquei com a guarda unilateral do meu filho, Mads. Os meus pais tem me ajudado, mas eu não posso deixar toda a responsabilidade nas mãos deles indefinidamente. Tem sido bem complicado dar toda a atenção que o Mads precisa e acompanhar a agenda de viagens, os eventos noturnos e todos os seus outros compromissos. Inicialmente eu pensei em vir aqui para pedir apenas uma redução na minha carga horária, mas eu percebi que não seria um pedido justo. Vossa Alteza e a Dinamarca não podem sair prejudicadas por causa dos meus problemas pessoais. Então, por mais que eu ame o meu trabalho, eu vou entender e aceitar a sua decisão caso Vossa Alteza decida me afastar do cargo e colocar no meu lugar um secretário que possa atender a todas as suas demandas.
 
Aquela parecia ser mesmo a decisão mais sensata. Lisbeth precisava de alguém que pudesse se dedicar totalmente a ela e aos compromissos da realeza. Ela precisava de um secretário particular de confiança, de alguém que ficasse ao lado dela e a ajudasse a se preparar para o trono que seria dela no futuro. Um secretário particular que não a acompanharia em todas as viagens ou que se ausentaria do trabalho sempre que um bebê ficasse gripadinho definitivamente não era uma boa escolha.
 
Por outro lado, depois de quase um ano trabalhando ao lado de Jorgen Dalgaard, Lisbeth sabia que não seria tão fácil encontrar um substituto à altura, com todo aquele conhecimento, com a discrição e com a experiência do secretário. Mais do que isso, seria impossível achar um funcionário que lhe inspirasse tanta confiança, que a respeitasse e que não menosprezasse a opinião dela, alguém com quem ela se entrosava tão bem e que tivesse um temperamento e um comportamento tão semelhantes aos dela.

Se Jorgen a enxergasse como uma menininha imatura e irresponsável, ele certamente estaria tendo aquela conversa diretamente com a rainha. Só o fato do secretário ter procurado primeiro por Lisbeth e deixado aquela decisão nas mãos dela já mostrava o quanto Dalgaard a valorizava e respeitava a autoridade e a autonomia da princesa. Aquilo mostrava que Lisbeth tinha um secretário que era mais fiel a ela do que à rainha Margrethe.
 
O discurso de Jorgen, embora um tanto derrotista e infeliz, era firme o suficiente para mostrar que o homem já havia tomado a decisão de colocar o filho como a maior prioridade da sua vida. Então agora a decisão estava inteiramente nas mãos da princesa. Lisbeth precisava decidir se continuaria com o secretário mesmo sabendo que não poderia contar com Dalgaard em tempo integral ou se ela preferiria dispensá-lo para contratar alguém que pudesse estar ao lado dela em todos os seus tantos compromissos.
Jorgen Dalgaard
Jorgen Dalgaard

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Ter Set 19, 2023 8:41 pm

Aquela não era a dinâmica que Noella conhecia tão bem. Não era exatamente assim que a garota costumava conduzir os encontros durante as suas escapadas. Como era bem difícil burlar o esquema de segurança da coroa dinamarquesa e fugir dos protocolos, Noella geralmente não gostava de perder tempo e costumava ser bastante objetiva ao se aproximar de um rapaz numa balada. Uma rápida apresentação era suficiente (ou às vezes até mesmo isso era dispensável). O que Noella realmente desejava era se divertir, extravasar toda a sua energia reprimida e usar aqueles minutos valiosos para fazer tudo o que não se encaixava em sua vidinha congelada e previsível como uma princesa.

Diferente do roteiro que Noella estava habituada a seguir, vários minutos já tinham se passado sem que Conrad tentasse roubar um beijo, ou deslizasse as mãos pelo corpo dela ou a arrastasse para alguns amassos num canto mais escuro da boate. Consequentemente, era esperado que Noella estivesse um pouco frustrada com aquela “perda de tempo” e em ver que o rapaz escolhido por ela naquela noite não tinha aquela mesma pressa. Mas definitivamente não era assim que a garota se sentia enquanto apenas conversava com Conrad.

Se a situação fosse outra, Noella já teria inventado alguma desculpa para dispensar a companhia do rapaz e ir atrás de alguém que estivesse disposto a aproveitar a noite com a mesma intensidade que ela desejava. Mas era como se uma energia intensa e inexplicável estivesse conectando Noella e Conrad naquele momento. A princesa não sabia explicar se era a voz grave do rapaz, a postura educada e respeitosa, o perfume gostoso que vinha dele, a conversa leve e divertida ou aquele sorrisinho torto estupidamente atraente. Provavelmente era o somatório de todas aquelas qualidades que fazia com que Noella fosse incapaz de se afastar. Não havia uma explicação lógica e aquele certamente não era o objetivo que a princesa traçara para aquela noitada em Berlim. Mas agora que Conrad havia cruzado o caminho dela, Noella simplesmente não queria trocar a agradável companhia dele por apenas mais uma noite de diversão casual com outro cara qualquer.

- Ella. – o leve franzir de sobrancelhas de Conrad mostrou que a música alta havia abafado a voz suave da moça, então Noella teve que se inclinar para repetir mais perto da orelha do rapaz – Pode me chamar de Ella.

Apenas as pessoas mais próximas a Noella a chamavam por aquele apelido carinhoso. Na maioria das vezes a formalidade era tão grande que até os amigos precisavam se referir à princesa como “alteza” em situações públicas ou eventos formais. Mas ali, naquela boate em Berlim, Noella não era uma princesa que carregava o sangue e o sobrenome dos Glücksburg. Ali, diante de Conrad, ela era apenas uma jovem comum que estava se sentindo nas nuvens com a atenção que um rapaz tão atraente e gentil dava a ela.

E era mesmo delicioso pensar que o interesse de Conrad não era alimentado por qualquer tipo de segundas intenções. Aquele era um dilema que Noella enfrentava em praticamente todas as suas relações. Sempre que alguém se aproximava dela, sempre que surgia um novo amigo ou um rapaz interessado em algo a mais, Noella não conseguia ignorar a vozinha dentro de sua cabeça questionando se aquele interesse existiria se ela não fosse uma princesa, se não carregasse um sobrenome importante ou tivesse uma vida privilegiada. Mas, com Conrad, não existiam dúvidas ou desconfianças simplesmente porque ele não fazia a menor ideia de quem realmente era a moça que cruzara o seu caminho em Berlim. Ele não estava interessado em se aproximar da família real ou em ter alguns segundos de fama. Se Conrad estava ali era porque havia se interessado de verdade por Noella, e não pela máscara de princesa que ela era obrigada a usar na Dinamarca.

- Canadense, é...? – com seu típico jeitinho espontâneo, Noella forçou um ar de surpresa e deslizou o olhar por Conrad de cima a baixo, como se só agora estivesse enxergando-o de verdade – Que estranho! Normalmente eu não vejo muita graça nos cowboys que vivem do outro lado do Atlântico. A boa notícia pra você é que estou disposta a abrir uma exceção.

Depois de ver Axel desaparecer na boate acompanhado por outro rapaz, Conrad já tinha entendido que o acompanhante de Noella não era uma ameaça. Ainda assim, a moça fez questão de reforçar que o caminho estava livre. Usando o polegar, a moça apontou por cima do ombro na direção que Axel havia sumido alguns minutos atrás.

- Aquele era o meu primo, cem por cento gay. Nós dois tínhamos um trato e ele deveria me ajudar a superar o meu dedo podre e ficar com um cara legal hoje, só pra variar. Mas acabei sendo abandonada. Antes de ir, ele me disse pra confiar nos meus instintos. – com a mão livre, Noella cutucou de leve o peito de Conrad e abriu mais um sorrisinho divertido – E é isso que eu estou fazendo neste exato momento.

Naqueles poucos minutos de conversa, Conrad já havia fornecido várias informações pessoais. Além do próprio nome, o rapaz mencionou que era heterossexual, solteiro e canadense. A rápida menção ao congresso permitiu que Noella também concluísse que Conrad trabalhava como advogado. E a história sobre o hóquei no gelo, apesar do tom divertido usado pelo rapaz, parecia ser verdadeira.

Por outro lado e apesar de toda a sua tagarelice, Noella ainda não havia dito nada realmente relevante sobre si mesma. Exceto pelo apelido da moça, Conrad não sabia mais nada sobre ela. Era fácil concluir que Noella não era alemã porque ela mencionou que não sabia falar muito bem o idioma local. E ela provavelmente era europeia a julgar pela piadinha sobre os “cowboys do outro lado do Atlântico”. Mas Conrad ainda não sabia de qual país ela viera, com o que Noella trabalhava, suas preferências ou o que ela estava fazendo em Berlim. E apesar de estar adorando a companhia dele, Noella não pretendia abrir o jogo com Conrad.

Na cabeça de Noella, a verdade estragaria tudo. Se Conrad soubesse quem ela realmente era, Noella tinha certeza de que o comportamento leve dele se transformaria, que a realeza se tornaria o principal foco daquela interação e que o título dela se tornaria a principal motivação do rapaz para continuar se aproximando. E foi pensando assim que Noella não mentiu, mas acabou omitindo valiosas informações sobre si mesma.

- Também vim para ficar apenas uns dias em Berlim, tive que participar de uma conferência aqui. E eu nunca joguei hóquei, mas sei patinar no gelo. Isso conta como coisas que temos em comum?

O ambiente ao redor dos dois continuava extremamente movimentado. A música alta reverberava ao ponto de estremecer as paredes, misturando-se ao burburinho de centenas de pessoas falando ao mesmo tempo. Além das luzes coloridas que piscavam, havia uma espécie de névoa se dissipando no ar por causa da fumaça de gelo seco que vinha da pista de dança. Dezenas de pessoas se aproximavam do bar a cada minuto e Noella continuava recebendo muitos olhares de rapazes interessados nela. Mas agora toda a atenção da moça estava voltada unicamente para Conrad, como se não houvesse nada além dele por perto.

Era notável que Conrad e Noella estavam sinceramente interessados um no outro. Os dois eram jovens, atraentes e formavam um casal bonito. Mas também era óbvio que, se o interesse dos dois fosse puramente físico, eles já teriam quebrado aquela barreira e estariam aos beijos e amassos em algum canto da boate. O fato da conversa estar rendendo mais do que o normal só mostrava que realmente havia uma sintonia entre eles que ia muito além de um simples desejo. Qualquer um que olhasse na direção daquele casalzinho certamente apostaria que os dois terminariam aquela noite juntos, mas Conrad e Noella não pareciam ter pressa para chegarem até esse momento.

No caso da princesa, Noella estava adorando aquela inédita experiência de despertar o sincero interesse de um rapaz. Além de Conrad não saber a verdade sobre a família e o título de nobreza da moça, ele também não parecia estar interessado apenas em saciar seus desejos numa noite quente com uma mulher atraente. E aquela era a primeira vez que Noella estava diante de um cara que queria conhecê-la melhor, sem qualquer tipo de segundas intenções e sem pressa para tirar logo a calcinha dela.

- Hmm... – Noella franziu o nariz de forma divertida quando Conrad indicou o copo dela com a bebida já próxima do fim e questionou se ela queria mais uma dose – Acho melhor não. Eu vim dirigindo e a verdade é que meus reflexos já não são muito bons nem quando estou sóbria. Além disso, não posso nem sonhar em cometer um crime em solo alemão! Se eu bater o carro num poste e for parar numa delegacia ou num hospital de Berlim... – Noella quase completou aquela frase com um “a minha avó me mata!”, mas acabou conseguindo se corrigir a tempo – ...vai ser uma tragédia! Eu realmente não sei falar nadinha de alemão. Você já reparou como literalmente qualquer palavra aqui parece um xingamento? É por isso que a Alemanha já esteve em tantas guerras. Eles falam um “bom dia” e o mundo inteiro já se ofende!

Aquele comentário sem noção sobre os alemães faria a rainha Margrethe repreender a neta por horas. Ao contrário de Lisbeth, que tinha sido perfeitamente moldada para a realeza, que sabia se comportar de maneira exemplar e que pensava no impacto político e social de qualquer declaração que saísse de sua boca, Noella era espontânea demais e vivia quebrando os protocolos. Margrethe amava as duas netas, mas ela provavelmente agradecia a Deus todos os dias por Lisbeth ser a primogênita e, consequentemente, a primeira na linha de sucessão.

Por longos minutos, Noella e Conrad ficaram totalmente concentrados naquela conversa leve. A maneira como os dois se encaravam sem desvios nos olhares indicava claramente que todo o resto da boate tinha saído de foco para ambos. Noella quis saber mais sobre o trabalho do rapaz e pareceu sinceramente interessada em ouvir Conrad falar sobre o congresso e sobre o caso que ele havia ajudado a solucionar durante aquela estadia em Berlim.

Se estivesse na Dinamarca, Noella jamais poderia ter uma reação tão espontânea quanto aquela, mas em Berlim a princesa não viu nenhum problema em tombar a cabeça para trás e soltar uma potente gargalhada no instante em que Conrad fez um comentário mais divertido sobre uma confusão ocorrida no hotel, com um funcionário alemão que não sabia falar inglês e não conseguia entender que o hóspede estava pedindo uma toalha extra.

- Duas tortas??? Ele mandou DUAS tortas de maçã pro seu quarto??? Pfff... – Noella não conseguiu se segurar e repetiu a gargalhada – Veja pelo lado bom! Você foi dormir com os cabelos molhados, mas muuuito bem alimentado!

Noella ainda estava rindo quando sentiu as mãos de Conrad buscando pela cintura fina dela. Foi um toque cuidadoso e gentil e, apesar do brilho mais intenso nos olhos do rapaz, Conrad parecia pronto para recuar ao menor sinal de que Noella não estava à vontade com aquele contato. Mas, ao invés de se desvencilhar dele, a reação da moça foi erguer as mãos delicadas até conseguir apoiá-las por trás da nuca de Conrad. Diante do óbvio consentimento dela, Conrad usou as mãos na cintura da moça para puxá-la ainda mais para perto, até que os corpos dos dois estivessem colados.

O coração de Noella deu um salto dentro do peito antes de começar a bater num ritmo acelerado. Não era a primeira vez que ela fugia dos protocolos da realeza e se via nos braços de um rapaz atraente, mas o corpo dela nunca havia reagido daquela maneira tão intensa. O lado positivo dos dois terem adiado o beijo é que o desejo parecia ter sido alimentado pela conversa e pelas risadas e agora Conrad e Noella estavam ainda mais encantados um pelo outro. Os lábios da princesa nunca tinham desejado tanto um beijo quanto naquele momento. E nem a própria Noella reconheceria a expressão derretida com a qual ela encarou o rapaz.

Uma das mãos da moça continuou apoiada na nuca de Conrad e ela deslizou os dedinhos da outra mão pelo rosto dele, deliciando-se com a sensação da barba espetando sua pele delicada. O perfume que vinha da pele de Conrad a deixou ainda mais inebriada e Noella fechou os olhos quando notou que o rapaz estava inclinando o rosto na direção dos lábios dela.

O beijo parecia ser inevitável e de fato faltavam milímetros para que a boca de Conrad alcançasse a de Noella quando aquela linda cena foi completamente arruinada. Como estava de olhos fechados, Noella nem se deu conta do que estava acontecendo e acabou soltando um gritinho assustado quando alguém a puxou bruscamente para trás, arrancando-a dos braços de Conrad.

- Temos que ir! – Axel parecia ter brotado do chão e estava absurdamente sério enquanto se dirigia à prima, em dinamarquês – Agora!

- O que??? – ainda atordoada com aquela reviravolta, Noella não entendeu de imediato a urgência na voz do primo – Vai se ferrar, Axel! Qual é o seu problema? Eu estou BEM NO MEIO de uma coisa aqui, você não viu???

Embora a discussão dos primos acontecesse em dinamarquês, Conrad certamente notaria que aquela não era uma conversa muito amigável e que Noella tinha ficado furiosa com a interrupção. Axel lançou um rápido olhar na direção do rapaz, como se só agora tivesse notado a existência de Conrad, mas logo em seguida a atenção dele se focou novamente na prima.

- Nós TEMOS que ir, Ella. A Helga descobriu.

Não foi preciso que Axel entrasse em mais detalhes ou explicasse melhor a situação. Apenas aquele “a Helga descobriu” já foi suficiente para fazer a cor sumir do rosto de Noella. Se a secretária particular da princesa sabia que Noella havia fugido do hotel para se divertir em Berlim, era uma questão de pouco tempo até que aquela informação chegasse aos ouvidos da rainha.

Ao contrário de Jorgen Dalgaard, que tinha uma excelente relação com Lisbeth e que respeitava a autoridade da princesa-herdeira, Helga costumava agir como se Noella fosse uma menininha mimada que precisava (e merecia) ser repreendida por seus deslizes. Não havia diálogo, amizade ou respeito entre as duas. Sempre que surgia algum problema, a secretária levava a situação direto até a rainha (e quase sempre fazia com que os erros de Noella parecessem ainda maiores). Como num cabo de guerra, Helga e Noella viviam duelando e medindo forças e, naquele momento, a secretária estava em vantagem. Noella precisava voltar imediatamente para o hotel e tentar apagar as chamas daquele incêndio antes que a fofoca chegasse até a rainha da Dinamarca.

- Mas que merda, Axel! – aquele xingamento ainda soou em dinamarquês, mas a moça voltou a falar em inglês quando se virou para o outro rapaz – Eu sinto muito, Conrad. Eu sinto muito MESMO! Mas eu tenho que ir agora.

A expressão de Noella não escondia o quanto ela estava frustrada e chateada por ter que interromper de forma tão precoce aquele encontro. E o detalhe que fazia o coração da garota se comprimir ainda mais dentro do peito era a certeza de que aquilo era um adeus. Conrad era canadense, ela era dinamarquesa, os caminhos dos dois tinham se cruzado casualmente durante uma viagem em Berlim. O mais óbvio era pensar que cada um continuaria seguindo o seu caminho e que eles nunca mais se veriam novamente.

Em suas outras fugas, Noella havia conhecido vários rapazes que também só ficaram na vida dela por uma única noite. Da maioria deles a princesa não lembrava mais sequer o nome ou a fisionomia. E nunca tinha sido difícil dar as costas e encarar aquilo como um adeus. Mas, com Conrad, o sentimento era completamente diferente. Noella não havia tido sequer a chance de experimentar o sabor dos lábios dele, então na teoria deveria ser ainda mais fácil ir embora e esquecer aquela noite em Berlim. Mas definitivamente não era assim que Noella se sentia. Naquele momento, o coração da garota se despedaçou como se ela estivesse perdendo uma das melhores coisas que já tinham surgido em seu caminho.
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Lisbeth Glücksburg Qua Set 20, 2023 2:17 pm

Quando encerrou seus compromissos com o evento daquela noite, a única cosia que Lisbeth tinha em mente era poder se recolher nos seus aposentos e descansar. A chegada de Jorgen Dalgaard não era esperada, mas também não despertou nenhum grande espanto da princesa. A conclusão mais óbvia era que o secretário estava ali para repassar a agenda do dia seguinte ou lembra-la de algum compromisso importante que pudesse estar lhe escapando da memória. O que Beth definitivamente não esperava era escutar um desabafo pessoal do rapaz, junto com o que poderia se resumir a um pedido de demissão.
 
Lars Dalgaard tinha sido uma figura presente naquele palácio durante praticamente toda a vida de Lisbeth. Mesmo ainda muito criança, era possível notar que ele tinha um trabalho impecável ao despertar tamanha confiança da rainha Margrethe e isso ficou ainda mais em evidência quando a aposentadoria tão desejada pelo secretário tinha sido negada e adiada tantas vezes.
 
Para trabalhar no ciclo de confiança daquela família, tão próximo de pessoas poderosas, que não podiam ter um único escândalo manchando sua história, era preciso estar cercado pelas pessoas certas. Então era difícil julgar Margrethe por ter sido tão resistente diante do risco de perder uma pessoa de tamanha confiança.
 
Lisbeth, por outro lado, não estava preocupada com o risco de ter aquela vaga em aberto. Ela acompanhava de perto toda a dinâmica que a irmã tinha com sua secretária pessoal e o quanto isso podia ser estressante em uma rotina já tão caótica, mas nem isso foi capaz de pesar em suas preocupações quando Jorgen começou a desabafar.
 
Naquele momento, não importava se Beth era a futura rainha da Dinamarca, um membro importante da realeza, uma das figuras que marcaria a história daquele país. Ela não se importava se estava na posição de uma patroa diante de um empregado. Quando Jorgen começou a desabafar, foi com sincera empatia que Lisbeth se acomodou ao lado dele, com uma ruguinha entre as sobrancelhas loiras e um olhar compenetrado, atenta a cada palavra que saía de sua boca.
 
Quando o rapaz começou mencionando o divórcio, o olhar de Lisbeth desceu discretamente até o anelar dele. Ela já tinha notado a ausência de uma aliança ali nos últimos tempos, mas claro que seria incapaz de invadir a privacidade de Dalgaard sem que ele tomasse o primeiro passo. Sem interrompê-lo em momento algum, Beth apenas manteve os olhos azuis presos em Jorgen, capaz de sentir no seu próprio coração as dificuldades que ele vinha enfrentando.
 
- Entendo.
 
A voz de Lisbeth só soou depois de uma longa pausa, quando ela teve certeza que Jorgen não voltaria a falar. E por mais que estivesse soando compreensiva, aquela única palavra também passava a impressão de que a princesa seguiria os passos da avó, agindo com educação, mas colocando as suas responsabilidades em primeiro lugar. Só que em nenhum momento Beth foi egoísta, sendo incapaz de pensar em si e no impacto que aquela decisão do secretário teria na sua vida.
 
- Como está sendo para você? – Ela finalmente perguntou, e quando aquelas palavras pareceram soar fora de contexto, Beth se explicou. – Com o divórcio. Não estou perguntando sobre o impacto no seu trabalho, estou perguntando como você tem se sentido. E para o Mads? Imagino que uma criança tão pequena deve sentir falta da mãe. Eu nunca me casei e nem tive filhos, então não vou dizer que consigo imaginar o que você está passando, mas sinceramente não sei como tem conseguido ficar de pé durante todo esse tempo.
 
Dalgaard tinha feito um resumo da sua situação pessoal apenas para contextualizar a princesa sobre o seu dilema na saída daquele emprego, mas era esperado que Lisbeth seguisse apenas a linha profissional e respondesse a única coisa que teoricamente deveria ser importante para ela. Ao invés disso, Beth estava tornando aquela conversa mais pessoal, como dois amigos que podiam se sentar juntos e desabafar.
 
- Não deve ser fácil ficar longe do seu filho durante tanto tempo, sabendo que ele já deve estar sentindo com todas as mudanças em sua vidinha. E eu sei que esse trabalho exige demais de qualquer um, praticamente por tempo integral... – Quando começou a guiar a conversa para o ponto esperado por Jorgen, Lisbeth passava a impressão de que iria pontuar o quanto uma redução de horas de trabalho era incompatível com o esperado de sua posição, mas não era isso que ela tinha em mente. – Você realmente ama o que faz? Estar aqui, realmente é algo que te deixa feliz?
 
Beth arqueou ligeiramente as sobrancelhas e seu olhar refletia sincera curiosidade com aquela resposta. Jorgen era mesmo impecável no que fazia, pontual, de plena confiança. Ao invés de tumultuar sua rotina, como a secretária de Noella, Dalgaard apenas tornava tudo mais fácil e mais leve. Mas não importava só como ela se sentia naquela situação, ela precisava saber se aquele emprego era mesmo algo que fazia tanta diferença para ele em termos de satisfação pessoal.
 
- O seu pai prestou décadas de serviço para a minha avó. E tudo o que fez por mim no último ano foi sem qualquer falha ou defeito. Se essa fosse uma decisão que impactasse apenas a minha vida, a minha agenda e a minha rotina, seria muito mais fácil, porque eu seria egoísta o bastante para dizer que preciso dos seus talentos e do seu profissionalismo. Mas não importa o que eu preciso, principalmente quando temos uma criança tão frágil e pequena precisando ainda mais. – A voz de Lisbeth era suave e pausada, carinhosa e quase maternal. E foi com uma maturidade surpreendente que ela abriu um sorriso doce antes de completar. – O que não podemos ignorar é também o que você quer e precisa, Jorgen. Sua família dedicou anos para cuidar da minha, então eu não vejo como não conseguir retribuir. Se você realmente quer continuar aqui, nós encontraremos uma solução. Podemos cortar as viagens e eu posso muito bem me virar sozinha nos eventos noturnos. Você reduzirá sua carga horária diária e encontraremos uma forma de cuidar de tudo sempre que você precisar se ausentar. Eu estou disposta a lhe ajudar como for necessário, se a sua decisão for continuar aqui.
 
Lisbeth já estava sentada ao lado de Jorgen durante toda aquela conversa, o que permitia que sua voz não se elevasse demais. Seus pés descalços tocavam diretamente o tapete do quarto e seus joelhos ainda estavam cobertos pelo vestido elegante quando se tocou contra os joelhos de Dalgaard no instante em que a princesa se arrastou mais para o lado. Foi com um sorriso largo e mais animador que Beth quebrou alguns protocolos, novamente agindo apenas como uma amiga mais próxima ao erguer sua mão para tocar o braço do secretário.
 
- The Crown -  0a257d0dc9a61c967f9c3de584273d04
 
- Leve o tempo que precisar para decidir. Enquanto isso, você não vai me mostrar...? – Seu olhar se tornou mais significante, mas aquelas palavras vagas não pareceram ser suficientes para que Jorgen compreendesse o que ela queria dizer, por isso Beth inclinou a cabeça até o bolso onde o rapaz provavelmente guardava o celular. – Quero ver fotos do Mads! Aposto que você deve ter centenas na sua galeria, me mostra!
Lisbeth Glücksburg
Lisbeth Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Malik Conrad Al-Rashidi Qua Set 20, 2023 4:13 pm

Embora fosse um rapaz centrado no trabalho, que sempre tinha dado o seu máximo nos estudos, fiel à família e que respeitasse as diferenças tão gritantes do lar onde tinha crescido, com figuras tão opostas quanto seu pai e sua mãe, Conrad ainda era um rapaz que tinha nascido no Canadá, crescido em um mundo completamente diferente daquele ensinado pelo seu pai, frequentado escolas ocidentais e uma das melhores universidades do planeta. Mesmo com todos os ensinamentos do pai, e que Conrad respeitasse até o último fio do seu cabelo, ele tinha levado uma vida muito mais comum do que se era esperado no oriente.
 
Para um verdadeiro mulçumano, seria simplesmente absurdo estar em um ambiente carregado de bebidas, com mulheres exibindo seus corpos, com toda a liberdade que tinham. Mas ao invés de carregar qualquer tipo de preconceito para o estilo de vida ocidental ou oriental, Conrad tinha aprendido a viver naqueles dois mundos, respeitando a quem quer que fosse. Para alguém que sofria preconceito gratuito apenas pelo sobrenome que carregava, ele sabia que não devia repetir o mesmo com mais ninguém.
 
Por sorte, com o apoio de uma mãe mais moderna e que impunha suas opiniões e decisões dentro de casa, Conrad tinha crescido também tendo suas escolhas respeitadas. Ver o único filho bebendo, frequentando aquele tipo de festa ou se divertindo com mulheres que não eram suas esposas ainda causava um grande desconforto em Youssef, que gostaria que o rapaz seguisse fielmente o que estava escrito no alcorão e nos ensinamentos de Maomé. Mas o homem perdia por completo o argumento quando ele próprio tinha quebrado algumas regras para estar ao lado de Sophie, o grande amor da sua vida.
 
Conrad ainda amava e respeitava a família e tinha retornado ao Canadá depois de concluir seus estudos em Harvard para poder ficar mais próximo deles. Diferente da maioria dos jovens que se agarrava a qualquer oportunidade para fugir para longe do ninho e visitar a família apenas em datas específicas, o único filho dos Al-Rashidi sabia muito bem dar valor para aquelas duas pessoas que sempre tinham feito tudo por ele.
 
De forma simples, era como se o coração de Conrad fosse mesmo moldado como um bom mulçumano, naquilo que os ensinamentos traziam de melhor. Mas isso não anulava o seu estilo de vida ocidental. Festas como a daquela noite não eram tão raras assim na rotina de Conrad, assim como não era a primeira vez que uma mulher linda, sexy e divertida vinha para os seus braços. Então não era possível justificar o que estava acontecendo ali apenas como uma falta de experiência.
 
Não era a excitação de um rapazinho virgem que encontrava uma linda mulher pela primeira vez. Nem eram os hormônios explosivos de um adolescente. Conrad nunca tinha sentido nada tão intenso e magnífico antes, ele não sabia e nem tinha como explicar o que estava acontecendo desde o instante em que tinha colocado os olhos em Ella, mas a razão pouco importava quando todo o restante do mundo tinha desaparecido para que apenas a voz dela, a risada dela e o perfume dela atingissem seus sentidos.
 
Quando finalmente tomou a iniciativa para aquele beijo, Conrad não demonstrou pressa. Ele não queria ser afoito demais e acabar arruinando tudo ou fazendo com que aquela magia desaparecesse. Era como se ele e Ella tivessem todo o tempo do mundo, como se mais ninguém existisse.
 
O perfume de Noella já parecia ter grudado em suas vestes. Quando encarava os olhos azuis dela, Conrad mergulhava em um oceano calmo e agitado ao mesmo tempo, do tipo que seria capaz de bagunçar toda a sua vida, mas que era essencial para sobreviver. Seu corpo inteiro estremeceu quando suas mãos tocaram a cintura firme e delicada e um calor intenso se espalhou quando ela apoiou os braços em seus ombros. Era uma dinâmica bem diferente dos casaizinhos apressados que estavam espalhados pela boate, mas era a única coisa que fazia sentido para os dois.
 
O único problema foi que aquela ilusão de ter todo o tempo do mundo era uma farsa. Eles não estavam sozinhos no universo e tudo desmoronou quando Ella foi puxada para longe de seus braços. Um frio repentino se espalhou pelo seu corpo e seu coração se apertou em protesto. Por instinto, Conrad ainda tentou erguer a mão na direção da menina, para impedir que ela se afastasse. E foi sem grandes explicações que aquilo que parecia ser o momento mais fabuloso da vida de Conrad chegou precocemente ao fim.
 
- Ella! Não, espera!
 
A mão que Conrad segurava foi deslizando até que o último toque se desfizesse por completo. Uma angustia indescritível o atingiu e sua garganta ameaçou fechar. Foi aquela intensidade de sentimentos que fez com que o rapaz demorasse alguns segundos para reagir antes de disparar uma corrida no ponto movimentado onde Ella tinha desaparecido com o outro rapaz.
 
Aqueles poucos segundos foram preciosos e custou caro demais, porque quando Conrad finalmente conseguiu cruzar a multidão de pessoas que se divertiam na boate e chegasse até a calçada, não havia mais qualquer sinal da loira. Com a garganta queimando, ele olhou de um lado ao outro, como uma criança perdida que procura desesperadamente um rosto conhecido.
 
Desolado, temendo que aquilo pudesse ter sido apenas um sonho ou uma ilusão, Conrad precisou contar com o destino mais uma vez. Como se o universo quisesse lhe provar que Ella realmente existia e que tinha estado em seus braços, Conrad sentiu algo sob seus pés. E quando se abaixou, encontrou uma das fitas de cetim roxo que compunham um detalhe das costas do vestido da menina.
 
***
 
O escritório estava escuro, então quando o pequeno frigobar posicionado perto das grandes janelas foi aberto, o rapaz precisou usar a lanterna do celular para conseguir encontrar uma garrafa d’água. Tobias sentia o corpo dolorido e os olhos ardendo, e definitivamente precisava de algo mais forte do que água para enfrentar aquela madrugada de trabalho presencial, debruçado sobre um caso complexo. Seus sentidos estavam um pouco afetados pelo sono e pelo cansaço, então ele só percebeu que não estava sozinho na pequena sala onde tinha acabado de entrar depois que deu a primeira golada na água e a sua lanterna iluminou um vulto no sofá.
 
A golada se transformou em um grande engasgo e ele levou a mão ao peito, em um gesto exagerado de susto. Apesar de pálido, o rapaz reconheceu rapidamente quem era a figura largada no sofá, e foi em meio a um xingamento que Tobias alcançou o interruptor para iluminar todo o ambiente.
 
- Puta que pariu! Caralho, Conrad! Eu tenho vivido as últimas semanas a base de pizza, hambúrguer, café e whisky! Um susto desses e meu coração fodido não aguenta! O que está fazendo aí, seu animal?!
 
Com um semblante entediado, quase apático, Conrad não pareceu se importar com a exagerada reação do amigo. Ele permaneceu deitado e apenas abaixou o celular que vinha usando naquele descanso.
 
- The Crown -  Tumblr_oysch5kycD1uymm4uo2_540
 
- Fiz uma pausa de trinta minutos antes de voltar para lá.
 
Naquela noite, parte da equipe de Spencer Hardman estava reunida na sala de conferência, trabalhando em um caso complicado e importante para o escritório. Como assistente jurídico, Conrad era a figura menos importante entre os advogados que trabalhavam sem cessar, mas sua contribuição com as pesquisas e análises técnicas eram sempre bem-vindas e por isso tinha sido escalado para contribuir nas últimas horas decisivas antes de um grande julgamento.
 
- Eu achei que você tivesse ido embora! Você já estava meio calado lá... – Tobias se encostou contra um armário planejado rente a imensa janela e cruzou os braços enquanto observava o amigo com calma. – Tá pensando na garota de Berlim outra vez? Deixa eu adivinhar, o que você estava fazendo aí com o celular? Jogando no Google “Ella, Berlim”? “Ella, Helga, Axel”? Isso depois de ter desistido de vasculhar todo o Instagram, né?
 
O biquinho irritado de Conrad até poderia ser uma tentativa de fazer Tobias se calar, mas pareceu muito mais uma confissão, principalmente quando ele bloqueou rapidamente a tela do celular para impedir que o amigo visse que ele estava ainda vasculhando qualquer marcação no Instagram sobre a boate onde tinha conhecido Ella.
 
- Qual é, cara! Já fazem duas semanas que voltamos para o Canadá! Você nem beijou aquela garota, já não deveria ter superado isso?
 
- Você não entende, Toby. – Conrad se sentou no sofá, parecendo ainda tão derrotado quanto no momento em que Ella desapareceu. – O que eu senti naquela noite... O que rolou entre nós dois...
 
- É, é, eu já sei, “é o destino, estava escrito”. Você já falou essa bosta umas trezentas vezes. Mas é sério... – Tobias se arrastou até se sentar na mesinha em frente ao sofá. – Foi uma garota aleatória, em uma noite em Berlim. Tudo o que você sabe é que o nome dela é “Ella”!
 
- Nem tudo! – Conrad o corrigiu com um indicador em riste. – Ela tem um primo chamado Axel. E alguém chamada “Helga” estava procurando por ela. – Os lábios dele se curvaram em um sorrisinho arrogante quando completou. – E ela é dinamarquesa. Bom, pelo menos estava falando em dinamarquês.
 
- Isso é novidade. – Tobias arqueou as sobrancelhas em admiração. – Como descobriu? Achou a garota?
 
- Quando ela estava falando com o tal Axel, ele disse “A Helga descobriu”. “Fundet”. É a única palavra daquele idioma que eu decorei porque é parecido com o inglês. Levei algumas horas procurando traduções e encontrei o dinamarquês.
 
- Ah, que ótimo. – Ao invés de admirado, Tobias agora soou mais sarcástico. – Então você está procurando uma fugitiva dinamarquesa que pode ou não estar em Berlim! Excelente, Connie! Você pode começar procurando pela lista de procurados ou nos presídios por alguma “Ella” ou dar graças a Deus por ter se livrado de uma bandida! Como é que vocês dizem mesmo...? Allahu o quê?!
 
- Alhamdulilah. – Conrad o corrigiu um tanto distraído, até sacudir a cabeça e voltar o foco para a conversa. – Ela não era uma bandida!
 
- Claaaaro, porque você conhece tudo da garota.
 
- E se tiver mesmo que procurar todos os presídios ou lista de procurados para encontrá-la, eu vou fazer. – Conrad retrucou, apenas para provocar o amigo.
 
- Quer saber de uma coisa? – Tobias suspirou e soou com mais sensatez. – Sabe aquilo que o seu pai diz? “O que está predestinado a acontecer, irá acontecer”? Bom, se você acredita mesmo em todo esse lance de destino, então deveria ter mais fé. Se for o destino encontrar essa garota, você não precisa gastar todo o seu plano de dados procurando qualquer pista dela pela Internet.
 
As palavras de Tobias o atingiram em cheio, porque Conrad acreditava de verdade que o destino poderia intervir e que as coisas predestinadas aconteceriam no seu devido tempo. O problema era que ele não sabia se teria tanta paciência para aguardar, quando seu coração protestava a cada batida, ansioso pelo encontro com Ella.
 
***
 
Depois de uma noite inteira acordados, trabalhando, debruçados sobre contratos, e mesmo depois de um dia ainda exaustivo em um tribunal, a equipe de Spencer Hardman comemorava com fervor a vitória de mais aquele caso. A advogada principal e sócia-majoritária do escritório já tinha estourado um champanhe e parabenizado toda a equipe, mas tinha se recolhido para a sua sala e deixando seus subordinados comemorando mais à vontade.
 
Não era todo caso que merecia uma grande comemoração, mas casos mais complicados e exaustivos não tinham seu reconhecimento ignorado. Apesar de se sentir cansado, Conrad continuou com a equipe por mais uma hora e tinha decidido ir embora na companhia de Tobias enquanto outros ainda ficavam em meio à gargalhadas e brindes.
 
- Ainda pensando na Berlim?
 
Tobias perguntou enquanto os dois aguardavam pelo elevador. A careta desanimada de Conrad mostrava que, embora tivesse conseguido se distrair durante todo o dia com o trabalho e com aquela pequena comemoração, Ella já tinha voltado a ocupar seus pensamentos. Mas para alívio do rapaz, Tobias não teve a oportunidade de martiriza-lo quando o barulho de saltos ecoando no piso de pedra fez com que os dois se virassem para trás.
 
- Já estão indo, rapazes?
 
Tobias imediatamente endireitou seu paletó torto ao se ver diante de Spencer. A mulher já beirava os quarenta anos, mas era uma figura imponente e impossível de ser ignorada. Os cabelos ruivos eram longos e chamativos, seu corpo com curvas perfeitas e realçadas pelo vestido social mais justo. Os saltos tornavam sua postura ainda mais elegante. E como se toda a sua fisionomia não bastasse, ela era uma das mulheres mais poderosas daquele escritório e um dos nomes de maiores pesos no ramo da advocacia.
 
- Ainda temos trabalho a fazer amanhã cedo, Sra. Hardman. – Tobias usou uma entonação muito mais polida e educada para falar com a mulher.
 
- Pois tire o dia de folga, Sr. Monroe. Acabei de avisar toda a equipe que eles deveriam fazer o mesmo.
 
De forma educada, Tobias meneou a cabeça no mesmo instante em que o discreto apito do elevador anunciava sua chegada. Os dois rapazes se viraram para partir, mas a voz da mulher voltou a chamar atenção.
 
- Menos você, Rashidi.
 
Conrad interrompeu o seu passo e franziu a testa ao se virar para a mulher, sem compreender o motivo daquele castigo. Ao seu lado, Toias também prendeu o fôlego e arregalou os olhos, certo de que aquilo não era bom sinal.
 
- Perdão. O que disse, Sra. Hardman? – Ele pigarreou e tentou manter a calma. – Precisa de mim amanhã?
 
- Preciso. – Spencer respondeu sem hesitar, com sua imponência de sempre. – Pode me acompanhar por um minuto? Sei que está tarde, mas preciso trocar uma palavrinha com o senhor. É importante.
 
***
 
- Entãoooo??? – Tobias já tinha perdido por completo a postura profissional quando, quase vinte minutos depois, Conrad apareceu no lobby do prédio de advocacia com um sorriso largo no rosto e os olhos brilhando. – Finalmente rolou??? Claro que rolou, olha essa sua cara de babaca! Me conta como ela é, e por favor, não poupe detalhes!!! Aquelas pintinhas que ela tem no colo, descem até lá...? Ela tão quente quanto eu imagino? Esquece, a Spencer deve ser ainda melhor!
 
- Você é um depravado, sabe disso, não sabe? – Conrad respondeu, sem conseguir mais tirar o sorriso dos lábios.
 
- FALA LOGO! Se não era para vocês dois transarem naquela mesa de meio milhão de dólares, o que era?!
 
Conrad mal conseguia conter em si a felicidade e a empolgação, mas ainda tentou alongar aquele mistério por alguns segundos. Com uma das mãos enfiadas no bolso, ele tentou soar indiferente, mas o brilho nos seus olhos mostrava que aquela tinha sido uma conversa muito bem aproveitada.
 
- Ela disse que tem notado como a minha contribuição tem feito muita diferença nos últimos casos, como no da Alemanha e o de hoje. Que eu tenho um grande futuro pela frente.
 
- Claro que disse, e aí vocês foram para o teste do sofá???
 
- Não. Muito melhor. – O sorriso de Conrad era tão grande que quase era possível ver todos os dentes perfeitamente enfileirados. – Eu ganhei uma promoção. Para atuar como advogado. Na filial da Dinamarca.
 
O queixo de Tobias despencou, e Conrad sabia que não era por causa da promoção tão bem merecida. A ansiedade e apreensão de antes já tinham desaparecido do rosto de Connie e ele parecia ter tido sua fé completamente recuperada.
 
- É o destino, Toby!
 
- Mas você sabe que isso não significa que a Berlin vai estar lá, não sabe? Ela pode estar em qualquer canto do mundo. E mesmo que esteja lá, o reinado da Dinamarca não é um lugarzinho tão minúsculo ainda. Você vai mesmo procurar em cada presídio pela garota?
 
- O que está predestinado a acontecer, vai acontecer. Nós vamos encontrar o caminho um para o outro outra vez, você pode apostar.
Malik Conrad Al-Rashidi
Malik Conrad Al-Rashidi

Mensagens : 111
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Jorgen Dalgaard Qua Set 20, 2023 7:27 pm

Cerca de um ano já havia se passado desde que Jorgen Dalgaard começara a trabalhar para a família real dinamarquesa. Ser o secretário pessoal da princesa Lisbeth era um cargo de imensa confiança e que exigia que Jorgen passasse a maior parte do tempo no palácio ou acompanhando a moça em viagens e eventos. Consequentemente, Lisbeth e Jorgen tinham passado muitas e muitas horas na companhia um do outro naqueles últimos meses. O emprego de Jorgen exigia que ele soubesse praticamente tudo sobre a princesa, desde os compromissos na agenda dela até as manias ou as preferências da futura rainha. Por outro lado, Lisbeth sabia muito pouco sobre a vida que o secretário levava quando não estava na companhia dela.

Não que ela fosse arrogante, metida ou não se importasse em conhecer melhor os seus funcionários. Eram os protocolos e as formalidades que criavam aquele abismo. Dalgaard era sério, reservado e profissional demais e não abria muitas brechas para perguntas pessoais porque estava sempre totalmente focado no trabalho. Aquela era a primeira vez em todo aquele tempo de convivência que a barreira do profissionalismo era rompida e que Lisbeth conseguia ter acesso a algum tipo de informação pessoal sobre o secretário. E contrariando todas as expectativas de Jorgen, a princesa não só pareceu interessada nos problemas dele como também se mostrou disposta a ajudá-lo.

A surpresa fez com que Dalgaard ficasse sem palavras por longos segundos. Com os olhos presos em Lisbeth, ele a encarou com uma expressão bastante confusa. Era como se um ponto de interrogação estivesse pairando sobre a cabeça do secretário porque, definitivamente, não era aquela resposta que ele esperava ouvir da futura rainha.

Depois de um ano de convivência, Jorgen sabia que Lisbeth não era uma pessoa grosseira, tampouco seria egoísta ou desumana diante do problema mencionado pelo secretário. Diferente do que Margrethe fizera com Lars, Jorgen não esperava que Lisbeth forçasse a barra para obrigá-lo a continuar naquele emprego. Mas Dalgaard imaginava que Lisbeth teria uma reação mais objetiva e profissional, que ela se lamentaria por perder um bom funcionário, mas acabaria fazendo a escolha mais racional que era dispensar Jorgen e substitui-lo por alguém que pudesse se dedicar mais aos interesses dela. Contudo, ao invés disso, o que Jorgen ouviu foi uma sincera preocupação não só com a opinião dele, mas também com os seus sentimentos.

Ao invés de se focar em si mesma e no impacto que aquelas mudanças teriam na rotina dela, Lisbeth estava perguntando como Jorgen estava se sentindo após o divórcio, como o pequeno Mads estava lidando com aquela reviravolta em sua rotina, o que Dalgaard realmente queria fazer de sua vida profissional. Podia parecer uma reação normal de qualquer pessoa com um mínimo de empatia, mas a grande verdade é que não era tão comum ver um membro da família real tirando o foco de si mesmo para se preocupar com os sentimentos e as preferências de outra pessoa, muito menos de um simples funcionário.

Tudo aquilo era tão surpreendente que Jorgen demorou a entender o pedido da princesa. Só depois que Lisbeth disse com todas as letras que queria ver fotos de Mads foi que o secretário compreendeu o interesse dela. Tão acostumado a obedecer aos protocolos da monarquia, Dalgaard parecia completamente perdido com aquela interação mais pessoal e informal com a princesa, então foi num gesto um pouco atrapalhado que ele puxou o celular para fora do bolso.

O secretário só precisou de alguns segundos para abrir o álbum de fotos e, quando o aparelho foi estendido na direção de Lisbeth, a tela já mostrava a imagem de um bebezinho. As perninhas gorduchas ainda não tinham muita firmeza, mas Mads conseguia ficar de pé se agarrando nas laterais do berço. Logo que o menino nasceu e diante da relação conturbada entre ele e Mia, Jorgen optou por comprovar a paternidade com um teste de DNA. Mas agora que Mads já estava maiorzinho as semelhanças com o pai eram tão notáveis que aquele exame seria dispensável.

Assim como o pai, Mads tinha os cabelinhos grossos e num tom de castanho claro. Os olhinhos azuis também eram idênticos aos de Jorgen, assim como o formato dos lábios. Lisbeth começou a deslizar os dedos na tela e viu uma enorme sequência de fotos do garotinho e era impressionante como Mads parecia ter um sorriso fácil e estava sempre risonho e tranquilo em todas as imagens.

- Ele quase nunca chora. – Jorgen comentou como se pudesse ler os pensamentos de Lisbeth – É sério, nunca pensei que um bebê pudesse ser tão bonzinho. E ele também não costuma dar trabalho para comer ou dormir. Eu achei que ele ficaria abalado com a ausência da mãe, mas o Mads tem lidado muito bem com as mudanças. No fim das contas, eu acho que ele não pode sentir tanta falta de alguém que nunca esteve tão presente...

Aquele último comentário, embora muito vago, serviu para mostrar à Lisbeth que uma crise séria havia antecedido o divórcio do casal Dalgaard. Jorgen nunca havia falado sobre o filho ou sobre a ex-mulher antes e aquela alfinetada poderia soar apenas como o ressentimento de um homem recém-divorciado. Por outro lado, o fato de Mia ter simplesmente abandonado o filho e deixado a guarda unilateral para o pai da criança mostrava que ela provavelmente merecia aquelas críticas.

- Eu também estou bem com essa situação. – o secretário finalmente respondeu ao questionamento sobre os sentimentos dele – As coisas estavam tão ruins que a única coisa que eu senti foi um grande alívio quando tudo acabou. Tem sido cansativo cuidar de tudo sozinho, mas o Mads e eu estamos melhor agora. Muito melhor.

Nem em um milhão de anos Jorgen imaginou que algum dia se sentaria ao lado de Lisbeth Glücksburg, abriria o coração e desabafaria sobre os seus problemas. Mas a princesa estava agindo com tanta naturalidade que o desconforto de Dalgaard foi se dissipando aos poucos. E ele só se deu conta do quanto precisava de um amigo para ouvir seus desabafos quando Lisbeth se dispôs a ocupar aquele lugar.

Além de ser a futura rainha da Dinamarca, Lisbeth era uma garota jovem e que nunca tinha passado pela experiência da maternidade ou do casamento. Consequentemente, aquela deveria ser o tipo de conversa que a deixaria entediada e totalmente desinteressada. Só que, ao invés disso, Jorgen sentia que a princesa estava dando toda a sua atenção a ele. Mais do que uma simples quebra de protocolos, Lisbeth estava se colocando no lugar de uma verdadeira confidente. Então, por um momento, ele também deixou de enxergá-la como um membro da realeza.

- Faz parte da minha natureza querer ter o controle de tudo, fazer sempre a coisa certa. Então é claro que tem uma parte de mim que está frustrada com esse fracasso. Mas a grande verdade é que esse casamento foi um erro desde o princípio. Eu achei que poderíamos ser uma família pro Mads, mas só agora eu vejo que era óbvio demais que isso não daria certo.

Poderia parecer uma bobagem, mas Jorgen se sentiu um pouco mais leve depois de colocar para fora aquelas palavras e aqueles sentimentos. E também era um grande alívio saber que Lisbeth não iria simplesmente chutá-lo para fora do palácio e tirar de Dalgaard a carreira que ele tanto amava e que se esforçara tanto para conquistar.

- Isso aqui é a única coisa que eu sei fazer, o meu único plano para o futuro... – o rapaz deslizou os olhos ao redor, referindo-se obviamente ao trabalho que ele executava no palácio real – Eu sempre quis estar aqui, desde que era um menininho e ouvia o meu pai contar histórias sobre a rainha. Tudo o que eu fiz, todas as minhas escolhas, todas as minhas decisões... eu fiz tudo para ser digno de estar aqui, de ter este trabalho. Se dependesse apenas de mim, eu jamais me afastaria, não é isso o que eu quero. Mas eu iria embora sem reclamar se fosse necessário, se fosse a melhor alternativa. – um sorriso sem emoção brotou nos lábios de Jorgen e ele encarou firmemente Lisbeth antes de ser totalmente honesto com ela – Eu ainda sou o seu secretário, então é o meu dever alertá-la de que Vossa Alteza não está tomando a decisão mais sábia e que seria melhor me substituir.

Agora era a vez de Jorgen se deixar de lado para colocar Lisbeth e a Dinamarca como prioridades. Se Dalgaard fosse egoísta, ele se aproveitaria da brecha oferecida pela princesa para simplesmente aceitar a redução na carga horária e os demais benefícios oferecidos pela moça. Mas, ao invés disso, Jorgen queria ter certeza de que Lisbeth realmente estava certa daquela decisão e dos impactos que aquilo poderia ter na vida dela.

A princesa, contudo, parecia bastante determinada a ajudar o secretário a enfrentar os seus problemas pessoais sem ter que abrir mão da carreira que ele tanto amava. E foi por notar que Lisbeth não recuaria que Dalgaard voltou a assumir um tom mais ponderado, racional e objetivo naquele discurso.

- O que me diz de um “período de teste”? Podemos estipular um prazo e ver se essas mudanças vão dar certo. Eu posso encontrar alguém de confiança que a acompanhe nas viagens e nos momentos em que eu precisar me ausentar. Também podemos combinar alguma forma de continuarmos o trabalho remotamente. Eu posso ajudá-la com os discursos através de chamadas de vídeo. Ou posso eventualmente trazer o Mads aqui e deixá-lo dormindo num dos quartos da ala dos funcionários...

Uma mulher mais exigente e mais formal como a rainha Margrethe jamais concordaria com as soluções apresentadas pelo secretário e continuaria exigindo total dedicação de qualquer funcionário que a servisse. Lisbeth, por outro lado, não recusou a proposta feita por Jorgen. E a concordância dela arrancou um inédito sorriso amplo de Dalgaard. Não que Jorgen fosse um homem mal humorado ou carrancudo, mas ele era sempre tão sério e tão formal que não era nada comum ver um sorriso como aquele nos lábios dele.

- Um mês? Acho que é tempo o bastante para vermos se isso vai funcionar, não é? Se ao fim de um mês as coisas não estiverem indo bem, eu vou embora e deixarei o lugar livre para um substituto. Mas eu prometo que vou me esforçar para que isso não seja necessário, Alteza.
Jorgen Dalgaard
Jorgen Dalgaard

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Qua Set 20, 2023 9:19 pm

- ...e depois de tudo isso ela ainda voltou para o hotel dirigindo. Seminua e completamente bêbada.

Até então Noella estava calada enquanto ouvia a secretária particular contar a sua própria versão sobre a aventura que a princesa havia protagonizado em Berlim. Helga parecia sentir um mórbido prazer em apontar as falhas de Noella e não era raro que a secretária exagerasse nas críticas. Mas, naquele dia, Helga ultrapassou todos os limites ao mentir descaradamente, e aquela injustiça fez Noella saltar para fora da confortável cadeira que ela ocupava durante aquela “reunião”.

- Vai se foder, Helga! Seminua??? Era só um decotezinho! E eu não estava bêbada! Tomei só duas doses e você sabe que precisa de MUITO mais do que isso pra me deixar minimamente afetada.

- A sua resistência ao álcool não deveria ser um motivo de orgulho, Noella... – ao contrário do descontrole da moça, a voz da rainha Margrethe soou baixa e totalmente formal – E quantas vezes eu vou precisar implorar para que você tenha modos e controle o seu vocabulário? Sente-se, Noella.

- Mas vovó, eu...

- Sente-se.

Mais uma vez a rainha não precisou erguer a voz. Bastou que ela repetisse aquela ordem e lançasse um olhar mais duro na direção da neta para que a voz de Noella ficasse presa no fundo da garganta da moça. Margrethe não era uma mulher cruel, mas a postura autoritária da rainha da Dinamarca era bastante intimidante. Mesmo ainda estando furiosa e sentindo-se injustiçada, Noella obedeceu a avó e voltou a se sentar na cadeira posicionada em frente à enorme mesa do escritório da rainha.

- Como eu disse, Majestade... – Helga mal conseguia disfarçar um sorrisinho vitorioso – ...foi um milagre que tudo isso não tenha se transformado em um escândalo internacional! Imagine que desastre seria se a princesa atropelasse e matasse um alemão! Toda a história da monarquia dinamarquesa manchada por um capricho irresponsável de uma princesa!

- Onde você estava, Andersen?

- Perdão, Majestade? – Helga piscou várias quando a pergunta da rainha não fez muito sentido para ela.

- Onde você estava quando a minha neta, que deveria ser a SUA responsabilidade, fugiu do hotel e ficou horas circulando pelas ruas de Berlim sem nenhum tipo de supervisão ou proteção?

- Majestade! – os olhos de Helga se arregalaram e a mulher quase engasgou, atrapalhando-se com aquela resposta – Não é justo que me responsabilize! A princesa não é mais uma criança e deveria saber se comportar! Além disso, ela teve ajuda para fugir! O seu neto...

- O Axel não é um problema seu, Andersen. Mas a Noella é. Aliás, o seu ÚNICO trabalho é cuidar dela e ajudar a minha neta a organizar a própria vida. Não é para isso que contratamos secretários? Mas se você não se sente capaz de encarar o desafio que é assessorar a Noella, podemos marcar um dia para conversamos sobre modificações nas suas atribuições. E no seu salário, é claro.

Dessa vez foi Noella que não conseguiu disfarçar um sorrisinho vitorioso ao notar os ombros de Helga murchando com aquela bronca da rainha. Apesar de viver em guerra com a princesa, era evidente que Helga não queria abandonar aquele cargo elevado dentro do palácio e ser rebaixada para alguma função menos importante. E quando a secretária de Noella pareceu em choque e sem palavras, Margrethe bufou com um ar impaciente e moveu as mãos, claramente enxotando Helga para fora do seu escritório.

- The Crown -  Shoo-go-away

- Isso é tudo. Está dispensada.

Apesar da postura dura de Margrethe com a secretária, Noella não se deixou enganar. Aquilo não significava que a avó ficaria ao lado dela e que a defenderia cegamente depois de mais aquele grave deslize. E, de fato, bastou que Helga saísse do escritório para que a rainha encarasse a princesa com uma expressão que fez Noella estremecer.

- Eu acho muito perigoso dar tanto crédito a um simples funcionário, mas você sabe que ela tem razão, não sabe? Você age como se tudo fosse uma brincadeira e se esquece do importante papel que a nossa família ocupa neste país, Noella. Você já parou para pensar, nem que seja por um milésimo de segundo, no tamanho do estrago que causaria caso alguém a reconhecesse em tais circunstâncias?

- Eu estava em Berlim, vovó!

- E se por acaso algum dinamarquês também tivesse tido a mesma ideia de viajar para Berlim e se divertir numa noitada? E se algum paparazzi tivesse visto você e o Axel saindo do hotel? E se alguém porventura reconhecesse o seu rosto de alguma notícia ou de algum evento? Hoje em dia basta uma foto infeliz ou um vídeo comprometedor para que uma fofoca se espalhe em segundos pelo mundo inteiro.

No fundo Noella sabia que a avó tinha razão. Embora a maioria esmagadora dos moradores de Berlim não soubesse que ela era uma princesa, bastaria o simples azar de cruzar o caminho de alguém que a reconhecesse para que a fuga da princesa dinamarquesa viralizasse na internet. Noella entendia os riscos e sabia que tinha se exposto demais naquela noite, mas ainda assim era muito difícil se conformar com a vida que Margrethe queria para ela.

- Eu não aguento mais isso, vovó! Não aguento essa vida, todas essas regras! Eu não nasci pra viver assim! Não é isso que eu quero para o meu futuro! Eu nunca serei feliz assim!

Qualquer avó deveria ficar sensibilizada em ouvir uma neta confessando que não estava feliz com a vida que tinha. Mas a expressão dura de Margrethe não sofreu qualquer tipo de abalo e ela continuou encarando Noella como se a neta fosse apenas uma criança mimada, desobediente e ingrata.

- Você tem a vida que TODOS queriam ter, Noella. Você mora em um palácio, frequenta os melhores eventos, usa as melhores roupas, já viajou pelo mundo inteiro, é paparicada em qualquer lugar onde pise, tem um batalhão de funcionários para fazer todas as suas vontades! Seguir as regras da realeza é um preço muito baixo a ser pago em troca de todos esses benefícios. – a rainha continuou com ainda mais firmeza e sem abrir brechas para que a neta discordasse da opinião dela – E se tudo isso não é o bastante para você, eu lamento muito, mas não há nada que possa ser feito. A partir do momento em que você nasceu na família Glücksburg, você foi condenada a viver assim. Não existe escolha.

- É claro que existe escolha! – Noella se encheu de coragem para enfrentar a avó – Eu posso renunciar ao meu título, me afastar das obrigações da realeza e ter uma vida normal! O Harry fez isso!

- O “Harry” causou um escândalo que quase destruiu a MAIOR monarquia da atualidade. Se os ingleses quase desmoronaram por causa de um principezinho rebelde, o que você acha que aconteceria conosco??? A cada dia cresce o número de pessoas contrárias à monarquia na Dinamarca! Se a nossa família começar a se envolver em escândalos, se houver qualquer rachadura nas nossas bases, se nós perdemos o pouco apoio que ainda temos... – Margrethe estava com os olhos perigosamente estreitados quando finalizou aquele discurso pesado – ...o meu nome e o nome da sua irmã vão estar nos livros de História como as responsáveis pela derrocada da monarquia dinamarquesa. E a culpa será toda sua, Noella.

Era injusto demais jogar toda aquela culpa e responsabilidade nos ombros de Noella. A popularidade da monarquia já vinha se desgastando há décadas, não só na Dinamarca como no resto do mundo. Mas o discurso intenso da rainha atingiu Noella em cheio e serviu como um balde de água gelada nas chamas que inflamavam os pensamentos rebeldes da moça. A verdade é que Noella não se importava com o fim da monarquia e não veria problemas em se tornar uma pessoa comum. Mas o que realmente a abalou foi pensar na situação da avó e principalmente na irmã. O amor e a fidelidade de Noella por Lisbeth não permitiria que a caçula fizesse nada que pudesse manchar o nome e o futuro da princesa-herdeira. E Margrethe sabia disso quando fez aquela jogada baixa para manter a neta caçula sob controle.

***

- Puta merda. Ele é fofo demais! Olha essas bochechas! E esse sorrisão! O que você passa nos cabelinhos dele pra ficarem tão cheirosos??? Ele parece um bonequinho!

Como se estivesse entendendo todos aqueles elogios exagerados, o sorrisinho de Mads se alargou ainda mais. E o bebezinho deixou escapar uma risadinha deliciosa quando Noella o apertou com mais força em seus braços e inclinou a cabeça para dar uma fungada nos cabelinhos perfumados da criança.

- Ele não vai mais parecer um bonequinho se Vossa Alteza continuar apertando a barriga dele assim! – Jorgen Dalgaard parecia bastante aflito em ver o filho nos braços da neta mais nova da rainha – É sério, Alteza, ele acabou de tomar uma mamadeira!

Noella pareceu bastante surpresa quando entrou no escritório da irmã naquela manhã e encontrou um bebezinho brincando no tapete enquanto Lisbeth e Jorgen usavam um notebook para finalizarem um discurso da princesa. Mas bastou que Lisbeth explicasse a situação do secretário para que Noella reagisse com naturalidade. Ao invés de incomodada ou desconfortável com aquela novidade, a princesa puxou Mads para seus braços e continuou aquela conversa com o garotinho no colo.

- Isso é injusto pra cacete, Beth! Você tem um secretário inteligente, legal, bonitão e que traz um bebê gostoso pro trabalho! E eu tenho a vaca da Helga!

Ignorando o quanto Lisbeth e Jorgen pareciam ocupados naquela manhã, Noella se sentou no sofá posicionado em um canto do enorme escritório da princesa-herdeira e começou a tagarelar como de costume. Mads logo se impacientou com a conversa dos adultos e deslizou do colo de Noella até o chão, engatinhando pelo carpete até alcançar novamente os brinquedinhos espalhados perto dos pés do pai.

- Vamos passar o fim de semana em Arhus? Eu tô precisando muito fugir de tudo isso. E você também, Beth! Não é possível que toda essa merda não faça você querer pular pela janela ou arrancar os cabelos! O que você acha de... – Noella se calou quando a porta do escritório novamente se abriu e, ao ver o rosto do primo, o foco da princesa mudou totalmente – E aí??? E aí, e aí, e aí???

Axel chegou a abrir a boca para saciar a curiosidade insana da prima, mas as sobrancelhas dele franziram e o rapaz contraiu o rosto numa hilária caretinha confusa enquanto apontava para o tapete.

- Isso é um bebê?

- Mas que pergunta é essa, Axel? – Noella bufou de impaciência – É claro que é um bebê! Você nunca viu um bebê antes? Deixa de ser idiota e me diz logo o que descobriu!!!

- Tá, deixe-me reformular a pergunta... – dessa vez Axel se dirigiu à Lisbeth – Por que tem um bebê no chão do seu escritório, prima?

- MAS QUE MERDA! FOCO, AXEL, FOCO! ESQUECE O BEBÊ E ME FALA LOGO O QUE VOCÊ DESCOBRIU, CARALHO!

O desespero de Noella fez com que Axel voltasse novamente a sua atenção para ela. E foi com uma expressão de compaixão que o rapaz sacudiu a cabeça em negativa, mostrando que ele não tinha boas notícias para a prima naquela manhã.

- Nada. Os dois detetives que eu contratei voltaram com as mãos vazias, Ella. Não existe nenhum “Conrad” trabalhando na Pearson Hardman canadense.

Algumas semanas já tinham se passado desde que os caminhos de Noella e Conrad se cruzaram em Berlim. As circunstâncias obrigaram Noella a finalizar precocemente o encontro com o rapaz, mas isso não significava que ela tinha se esquecido dele. Pelo contrário, não se passava nem um dia sem que Noella pensasse em Conrad e se lamentasse por ter tido tão pouco tempo ao lado dele.

Não fazia o menor sentido que Noella ainda se sentisse tão ligada a um rapaz que ela mal conhecia. Não havia acontecido nada além de uma conversa, os dois sequer tiveram tempo para trocar um beijo. Noella não se lembrava mais da maioria dos rapazes com quem ela tinha dormido durante as suas aventuras, mas era impressionante como um cara que ela sequer beijara não saía dos pensamentos da princesa.

Decidida a não aceitar aquela despedida como um adeus, Noella vinha tentando fazer o possível e o impossível para localizá-lo. Não saber o sobrenome de Conrad era um grande obstáculo que impedia que a princesa o encontrasse nas redes sociais ou em sites de busca. Então só restava à Noella usar as poucas informações que o rapaz havia fornecido sobre si mesmo durante aquela breve conversa. E a maior prova de que Noella realmente tinha dado atenção a Conrad foi o fato da princesa ter se lembrado do nome do escritório de advocacia mencionado pelo rapaz canadense.

Aquilo parecia ser a solução para aquele problema. Embora a Pearson Hardman fosse uma agência grande, não deveria ser muito difícil encontrar um “Conrad” no quadro de funcionários. Então Noella ficou frustrada e completamente decepcionada em ouvir Axel dizer que os detetives não tinham encontrado nenhum rastro do misterioso rapaz que ela conhecera em Berlim.

- Não é possível! Eu tenho CERTEZA de que ele disse Pearson Hardman. Esses tais detetives procuraram direito??? Ele trabalha como assistente jurídico e não como advogado! E participou de um congresso em Berlim!

- Os detetives levantaram a ficha de todos os funcionários dos últimos dez anos, Ella. Três Conrad’s já passaram pela Pearson Hardman. Um deles era faxineiro, tem sessenta e dois anos e já se aposentou. O segundo também é bem mais velho, já saiu da empresa e agora tem um escritório próprio em Nova York. E o terceiro está na atual folha de funcionários do escritório como advogado, mas o nome dele nem é Conrad. É “Malik Conrad Al-não-sei-o-que”! Com esse nome é óbvio que o cara é um Ali-Baba!

- Muçulmano. – Jorgen corrigiu o comentário preconceituoso de Axel.

- É! Muçulmano, árabe, Ali-Baba, tanto faz! É um daqueles barbudos malucos que jogam bombas nas pessoas. Eu sinto muito, Ella, mas o cara mentiu pra você. Ou ele não se chama Conrad ou não trabalha na Pearson Hardman.

Na cabeça de Noella, não fazia o menor sentido pensar que Conrad havia mentido para ela. Por que ele inventaria um nome ou um emprego? Os dois estavam se dando bem, ambos estavam igualmente interessados e envolvidos naquela mesma sintonia especial. Mas foi então que Noella se deu conta de que não poderia julgar Conrad quando ela também não havia sido totalmente sincera sobre si mesma.

- The Crown -  ZjMv

- Por que ele mentiria pra mim? Estávamos nos dando tão bem! – toda a empolgação da princesa parecia ter se evaporado e Noella soou derrotada quando soltou um suspiro e desviou o olhar – Era a minha última chance de encontrá-lo. Agora eu nunca mais vou vê-lo novamente...

- Sei lá, Ella. Talvez ele nem seja advogado e inventou essa história só pra impressionar uma garota bonita na balada. – Axel lançou um olhar na direção de Lisbeth, como se pedisse a ajuda da prima naquela tentativa de consolar Noella – Eu sei que você gostou dele e que ficou frustrada por não ter rolado nada. Mas foi só um cara, Ella, só mais uma escolha errada que ficou pra trás. Não significou nada. O melhor que você pode fazer é esquecer essa história. Até porque com certeza esse babaca mentiroso já esqueceu você.

A falta de sensibilidade de Axel fez com que Jorgen e Lisbeth lançassem olhares de repreensão na direção dele. Era óbvio que Noella estava chateada, infeliz, decepcionada e a última coisa que a princesa precisava era ouvir que o rapaz que não saía de seus pensamentos já deveria ter se esquecido dela.
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Lisbeth Glücksburg Qui Set 21, 2023 1:22 pm

- Uma creche?
 
Margrethe não conseguiu disfarçar a surpresa com um exagerado arquear de sobrancelha quando a sua neta mais velha terminou de apresentar sua proposta. Do outro lado da mesa, Lisbeth continuou com a sua postura formal, com os joelhos bem unidos e os tornozelos apoiados um no outro sob a cadeira e a coluna devidamente ereta. Suas mãos apoiadas sobre o colo não tremeram e ela continuou com um semblante sereno. Por dentro, entretanto, a princesa estava sentindo seu estômago revirar de ansiedade e um tanto de receio pela reação da avó.
 
Como uma avó, Margrethe nunca tinha sido o tipo que assava biscoitos e mimava suas netas desautorizando as regras dos pais. Pelo contrário, todas as regras que Lisbeth e Noella precisavam seguir era por causa da avó e de toda tradição monarca. A rainha da Dinamarca era uma figura intimidante até mesmo para a sua herdeira, mas era a certeza que a avó também a amava que Lisbeth tinha decidido se arriscar com aquela proposta.
 
Quando olhava para as duas netas que seu filho tinha lhe dado, Margrethe não hesitaria em fazer uma extensa lista de defeitos altamente inapropriados para a monarquia. Noella era uma rebelde inconsequente difícil de ser domada que parecia colocar toda a história daquela família em risco o tempo inteiro. Lisbeth, por outro lado, nunca dava dor de cabeças para a rainha. O destino tinha mesmo poupado muitos fios brancos da cabeça de Margrethe e de tantos funcionários quando permitiu que a neta mais dócil e maleável fosse a herdeira do trono.
 
O fato de Lisbeth ser a personificação ideal de uma princesa, contudo, não anulava todas as preocupações de Margrethe. Uma princesa deveria mesmo obedecer aos protocolos, ser discreta, inteligente e beirando a perfeição. Mas uma rainha precisava ser muito mais do que um sorriso gentil e ações caridosas. Era preciso ter pulso firme, indestrutível, forte como uma rocha. As pessoas precisavam teme-la e respeitá-la. E quando olhava para sua neta mais velha, Margrethe via uma moça ainda muito ingênua que ainda tinha muito a amadurecer antes de assumir o trono.
 
- É o nosso dever nos preocupar e cuidar do nosso povo, não é? Sei que a Coroa não pode fazer o que bem entender em todo o reinado, sem o apoio do parlamento. Mas essa ainda é a nossa casa. E mais do que uma casa, vovó... Isso é uma grande empresa, com dezenas de funcionários. Funcionários dinamarqueses que dedicam suas vidas a nós. Se nós não cuidarmos deles, que estão todo o tempo sob o nosso teto, como vamos poder mostrar ao restante do país que também nos importamos com todos?
 
- Isso é o que mais fazemos, Lisbeth. Temos ações sociais em todas as causas possíveis, você sabe disso melhor do que ninguém.
 
- Sim, para o mundo externo. Mas isso deveria ser o bastante para ignorar as necessidades daqueles que estão tão próximos a nós?
 
- A população já questiona nossos gastos e julgam como excessos a maior parte do tempo, você quer dar ainda mais motivo para falarem que administramos mal o que recebemos? Porque não pode mesmo ser tão ingênua ao ponto de achar que uma creche dentro desse palácio, para dezenas de funcionários, sairá de graça, não é? Seria necessário reformar uma das alas para que fique apropriada, terá alimentação, regulamentos do governo, mais funcionários...
 
- Vovó, não podemos comparar gastos com jantares, joias, festas a uma creche que cuidará de crianças, não é? E se o problema é mesmo apenas o orçamento, nós podemos fazer alguns cortes e colocar isso em prática sem gerar mais custos à Coroa.
 
- Aaah, mas pode ter certeza que não teremos mais custos à Coroa. – Apesar de estar soando tão relutante, uma parte de Margrethe observava Lisbeth atentamente, satisfeita com o envolvimento da neta mesmo que em um assunto relativamente pequeno. – Eu não acho a ideia terrível, Lisbeth. Mas se quer mesmo fazer isso acontecer, será um trabalho inteiramente seu. Levante os dados necessários, custos de reforma e do novo quadro de funcionários, avalie dentro do seu orçamento se for realmente viável e quando tiver uma proposta mais definida, volte para conversarmos.
 
Não era exatamente uma vitória imediata, mas era justo que Lisbeth assumisse aquela responsabilidade. E depois de ter passado a noite inteira refletindo sobre a conversa que havia tido com Jorgen, ela queria mesmo dar vida a aquele projeto.
 
***
 
- Você não estava mesmo exagerando, ele deve ser o bebê mais tranquilo que eu já vi! E o mais fofo também!
 
Os dedos de Lisbeth deslizaram carinhosamente na bochecha do garotinho e quando ele abriu um sorrisinho largo e inocente, ela também se derreteu, retribuindo de forma muito semelhante. Sem se importar em amassar suas roupas, Beth manteve Mads no colo por um bom tempo enquanto o distraía pelo escritório, mostrando alguns objetos que não poderiam lhe machucar, a grande vista da janela para os jardins ou simplesmente tagarelando para ver a reação em seu rostinho fofo.
 
Ela deixou que Jorgen se concentrasse em algumas tarefas e e-mails pelo tempo necessário, e quando o secretário precisou também da sua participação naquele trabalho, Lisbeth colocou o pequeno Mads no chão, próximo aos brinquedinhos que o pai tinha trazido para ele.
 
- Antes de começarmos, eu tenho um assunto que vou precisar da sua ajuda. – Lisbeth tomou o cuidado com a longa saia do vestido quando se sentou ao lado de Jorgen. Sua postura era sempre impecável, com a coluna devidamente ereta e os joelhos unidos. – Depois da nossa conversa, eu passei a noite refletindo e hoje apresentei a proposta de um projeto para a Rainha. A instalação de uma creche dentro do palácio, para atende exclusivamente aos funcionários. E antes que você diga qualquer coisa, é claro que pensei na sua situação com o Mads, mas isso me fez refletir sobre quantas outras pessoas aqui dentro, homens e mulheres, estão em uma posição parecida com a sua.
 
A voz suave e pausada de Lisbeth soava sempre agradável, trazendo uma calmaria para qualquer que fosse o tema. Mas isso não anulava o quanto ela estava sendo cuidadosa e racional com aquele projeto. Ao conversar com Jorgen, Lisbeth tinha demonstrado toda empatia ao se concentrar nos problemas dele. E foi pensando sobre quantas outras famílias enfrentavam a mesma dificuldade que Lisbeth tinha decidido seguir com aquele projeto.
 
- Não me entenda mal, não estou fazendo isso porque não quero o Mads aqui. – Os olhos dela brilharam e seu sorriso se tornou mais doce ao se virar para o garotinho que brincava distraído. – Pelo contrário, a presença dele alegra nossos dias estressantes. É como uma bolinha de alegria em meio ao caos! Mas mantê-lo em um ambiente apropriado para criança, com outros com quem ele possa brincar, não seria mais saudável? E com uma creche dentro do palácio, você estaria há poucos metros de distância.
 
Com uma creche dentro do palácio, Jorgen teria mais liberdade para trabalhar e ainda teria o filho por perto, sem precisar perder tempo de deslocamento ao entrar e sair do palácio para busca-lo em qualquer outro lugar. Além do mais, seria mesmo mais divertido para o garotinho ficar em um ambiente colorido, cheio de brinquedos, com outras crianças e com pessoas prontas para cuidar de qualquer necessidade dele ao invés de estar sempre na companhia exclusiva de adultos trabalhando.
 
- Mas a rainha colocou o projeto inteiramente sob minha responsabilidade. Preciso de ajuda para levantar os dados sobre quantos funcionários teriam filhos para dar o primeiro passo, então separar uma ala do palácio, pensar na reforma e no quadro de funcionários. O que me diz?
 
Embora fosse ela a princesa e futura rainha da Dinamarca, Lisbeth encarou Jorgen com expectativa, ansiando pela opinião dele naquele projeto e no trabalho que os dois precisariam assumir para colocar aquilo em prática. Ela ainda estava com o ar preso nos pulmões quando o escritório foi invadido pelo furacão Noella, que distraiu por completo a conversa entre o secretário e a princesa.
 
- Ella! Cuidado com a boca, tem um bebê aqui e você fala um palavrão a cada meia frase!
 
A repreensão de Lisbeth não soou tão severa quanto seria vinda da avó, mas ela soou sinceramente preocupada com aquele tipo de influência sobre um bebê. Apesar do comportamento espalhafatoso de Noella, Beth logo se acalmou ao ver a irmã se derretendo pelo garotinho.
 
- Eu não posso viajar esse final de semana, tenho muito trabalho a fazer. Mas podemos combinar até o final do mês?
 
A chegada de Axel ao escritório só fez com que o furacão Noella atingisse um nível ainda mais alarmante. Os olhos azuis de Lisbeth estavam arregalados e ela recuou alguns centímetros, parecendo nunca se acostumar com o temperamento da irmã. Apesar de tão diferentes, Lisbeth e Noella eram muito unidas e sempre tinham contado uma com a outra. E Beth jamais tentaria mudar a caçula aos moldes da coroa como a avó sempre exigia, mesmo assim ela não conseguiu soar como uma mãe espantada com o comportamento rebelde de um filho.
 
- Noella! Olha a boca!
 
Se a maioria dos funcionários estavam ali prontos para respeitar a hierarquia e a futura rainha, Noella simplesmente ignorou a bronca da irmã quando explodiu em ansiedade com o primo. E como já tinha escutado sobre “Conrad” nos últimos dias, foi fácil entender sobre o que os dois falavam.
 
Lisbeth já havia tido alguns poucos namorados, todos sempre discretos, refinados e que carregavam importantes títulos, exatamente como era esperado dela. Mas Beth tinha mesmo uma ingenuidade que a fazia esperar por mais, como um príncipe dos contos de fadas. Noella, por outro lado, era o tipo de garota que não se prendia a ninguém, então estava sendo uma imensa surpresa vê-la tão obcecada por um rapaz que sequer havia beijado.
 
A prova de que aquilo não era apenas um capricho da irmã ficou ainda mais evidente quando Ella murchou diante da possibilidade de nunca conseguir reencontrar o rapaz de Berlim. Era compreensível que Axel estivesse sendo tão direto e realista, afinal era mesmo muito mais provável que o tal Conrad nem se lembrasse mais de uma garota aleatória em uma boate que ele sequer tinha conseguido beijar. E Axel não fazia aquilo por mal, afinal ele nunca tinha visto a prima tão encantada por alguém antes, então concluía que ela poderia simplesmente estalar os dedos e esquecer aquele encontro.
 
Lisbeth, por outro lado, era uma moça. E mais do que isso, Beth também guardava dentro de si uma menininha romântica, o que tornava muito mais fácil para que ela entendesse como Ella estava se sentindo.
 
- Nós não sabemos o que aconteceu. – Beth soou mais firme, em uma discreta repreensão ao primo. – Não sabemos se ele mentiu ou se talvez você só tenha se enganado com alguma informação. Era uma festa, Ella... Estava muito barulhento. Mas seja como for, não há mesmo muito o que fazer. Eu só acho que se as coisas foram mesmo assim muito especiais, o tempo irá resolver.
 
- Aham, o tempo e um delicinha novo para te colocar no eixo. Dessa vez, eu vou te ajudar com esse dedo podre! A culpa é minha, afinal te abandonei naquela noite, né? Mas para recompensar, prometo arrumar um belo pin...
 
- OKAAAAY! – Lisbeth arregalou os olhos e interrompeu o primo. – Por Deus, vocês não sabem mesmo como se comportar diante de uma criança? E você não tem dedo podre, Ella...
 
- Claro que tem.
 
Um olhar estreito de Lisbeth fez com que ela se parecesse com Margrethe por um segundo, mas ela voltou a assumir um semblante suave ao encarar a irmã.
 
- Bom, pelo menos você não tem o machismo e a arrogância do príncipe de Mônaco te rondando, poderia ser pior, não é? Se o que você realmente precisa de uma escapada no final de semana para aliviar os seus pensamentos, eu posso resolver a minha agenda e te acompanhar onde for necessário. Menos em boates ou qualquer programa clandestino.
 
- E como ela vai encontrar outro cara?!
 
- Talvez ela não precise encontrar outro cara, mas ocupar a cabeça com outras coisas. O que me diz, irmã?
Lisbeth Glücksburg
Lisbeth Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Malik Conrad Al-Rashidi Qui Set 21, 2023 4:51 pm

- Dinamarca?
 
Em um gesto teatral, Sophie apoiou a mão no próprio peito e se deixou cair no sofá, como se tivesse acabado de receber uma notícia trágica. Sentado confortavelmente em uma grande poltrona, Youssef não parecia nem meramente abalado com aquela notícia. Ele manteve as mãos apoiadas sobre a barriga e o olhar preso no filho.
 
O único que ainda permanecia de pé na sala era Conrad, mas isso não significava que o rapaz estava em qualquer posição de poder. Na verdade, Connie se sentia bastante tenso e apreensivo com a reação dos pais diante daquela notícia.
 
Não seria a primeira vez que o único filho do casal Al-Rashidi sairia do país. Conrad tinha estudado em Harvard e passado os anos do seu curso de Direito morando nos Estados Unidos. Desde que tinha se formado, o rapaz tinha retornado para o Canadá e embora tivesse sua própria casa, era perto o bastante para que pudesse visitar os pais ao menos duas vezes por semana.
 
Com a vida corrida dos jovens, aquela visita regular era algo surpreendente, mas Conrad não fazia isso por obrigação. Ele sentia realmente uma grande satisfação em estar com os pais e colocar a família em primeiro lugar nunca era visto como uma chateação.
 
- É um contrato de um ano. – Conrad explicou novamente, de forma pausada para não alarmar ainda mais a mãe. – Só um ano, mãe. Passei mais tempo do que isso quando fui para Harvard.
 
- É, mas isso era praticamente no quintal de casa! Agora você vai estar do outro lado do oceano, há tantas horas de distância! Não será a mesma coisa! Por falar em horas, não estaríamos nem dentro do mesmo fuso-horário!
 
- Não seja tão exagerada, Sophie... Nosso filho já é um homem, sabe muito bem se virar em um país estrangeiro. Eu era mais novo do que ele quando deixei o Marrocos para desbravar o mundo!
 
Se no lugar de Conrad, Sophie tivesse dado a luz a uma menina, aquela conversa seria completamente diferente. Youssef tinha aceitado as diferenças da esposa e a respeitava tanto quanto a amava, mas ele já tinha renunciado a toneladas de suas crenças por causa daquele amor e daquele matrimônio para ver uma filha enfrentando o mundo sozinha. Para alívio de Youssef, era muito mais fácil apoiar um homem que iria “sair de casa”, porque era muito mais aceitável na cultura onde tinha crescido.
 
- Desbravar o mundo? – Sophie estreitou os olhos para o marido e bufou. – Você veio para estudar no Canadá, me conheceu e nunca mais voltou para casa! É isso que quer? Que nosso filho nunca mais volte para casa???
 
- Mãe, é claro que eu vou voltar! – Conrad abriu um sorrisinho meloso para a mãe, mas não foi suficiente para convencê-la. – Como eu disse, o contrato é apenas de um ano. E é uma grande oportunidade para a minha carreira, sabia? Significa que estou no caminho certo, foi a sócia majoritária da empresa que reconheceu e me deu essa chance!
 
- Mas é claro que ela reconheceria seu trabalho, você é impecável em tudo o que faz. É por isso mesmo que não entendo por que precisa ir para tão longe! Não há trabalho suficiente aqui?
 
- Claro que há, mas lá eu vou ter o espaço de ser mais do que um assistente jurídico, mãe.
 
- Você está mesmo decidido quanto a isso? É mesmo a melhor escolha para a sua vida, meu querido?
 
Conrad enfiou as duas mãos nos bolsos e refletiu por alguns instantes. Claro que era uma oportunidade irrecusável. Ele ganharia mais, teria apoio financeiro para se instalar em Copenhague, subiria alguns degraus na carreira e teria a chance de se provar ainda mais dentro do escritório. Mas o que os pais não sabiam era que havia algo que pesava ainda mais a sua decisão. Algo tão pequeno e arriscado que faria com que Sophie o amarrasse no pé da mesa. Era mesmo loucura mudar toda a sua vida em um país onde ele nem dominava o idioma só para ter a chance de reencontrar uma garota aleatória de uma noite. Mas Conrad sentia em cada célula do seu corpo que era a escolha certa.
 
- Sim, mãe. E está decidido.
 
- Bom, nesse caso... – Sophie ainda fungou dramaticamente ao se colocar de pé. – Vou precisar renovar o meu passaporte, porque é claro que não vou ficar esperando que você venha me visitar. Faço questão de agendar visitas regulares até a Dinamarca.
 
***
 
- “Hvor er toilettet?”
 
Conrad repetiu pelo que parecia ser a décima vez aquelas mesmas palavras, tentando adivinhar se finalmente tinha acertado na pronúncia. Agora que finalmente estava em solo dinamarquês, ele sentia ainda mais a ansiedade lhe consumindo, colocando em prova a decisão de ir até aquele país estranho com a esperança de reencontrar uma garota. Afinal, que tipo de idiota muda toda a sua vida sem saber nem mesmo perguntar como se chega ao banheiro?
 
Não era só o idioma dinamarquês que Conrad desconhecia. Ele vinha praticando a pronúncia e tentando aprender uma nova língua através de um cursinho noturno, com exercícios diários através de um aplicativo online. Mas além do desafio da língua, Connie não conhecia nada sobre aquele país que seria a sua casa no próximo ano.
 
Ao invés de pesquisar sobre os pontos turísticos que poderia visitar durante seus dias de folga, Conrad tentava adivinhar algum lugar onde pudesse ter qualquer chance de reencontrar Ella. Mas depois de quase uma semana vivendo ali, ele começava a suspeitar de que o destino talvez não fosse facilitar tanto as coisas.
 
O apartamento que a empresa tinha alugado para Conrad era pequeno, em um prédio antigo e de arquitetura bonita, histórica. Não havia muito luxo, mas a vista compensava qualquer coisa. Localizado as margens do canal Nyhavn, Conrad ainda não tinha se acostumado com a beleza do pôr do sol, dos barquinhos e dos prédios coloridos que rodeavam a paisagem. E o mais prático de tudo era que ficava muito próximo de tudo o que ele precisava, como a filial dinamarquesa da Perason Hardman, alguns bons e simples restaurantes, um pequeno mercado e uma padaria que vendia os melhores chocolates quentes.
 
Conrad parecia ter tudo ao seu alcance. Um futuro promissor, uma experiência incrível de viver em um país estrangeiro, uma bela vista e um emprego dos sonhos. Mas além da saudade de casa, cada dia que passava sem que ele tivesse qualquer luz ou orientação divina sobre o paradeiro de Ella começavam a pesar.
 
Depois de ter errado novamente a pronúncia de algumas palavras que vinham do fone de ouvido, Conrad decidiu fazer uma pausa nos estudos. Ele pegou uma água na geladeirinha que já tinha vindo com a mobília do apartamento e parou diante das janelas para observar a vista.
 
- The Crown -  C8efb6c13669ca12e4ef2e10bf90dd5c
 
 
Por alguns minutos, Conrad acompanhou a movimentação de alguns barquinhos, um rapaz que passeava de bicicleta pela orla ou a entrada da sua padaria favorita, mas não demorou para que seus pensamentos fossem novamente arrastados para Ella e a noite em que os dois tinham se conhecido. Nas sensações inexplicáveis e intensas que tinham surgido e em como ele não conseguia ignorar a certeza de que os dois ainda iriam se reencontrar.
 
Com um suspiro longo e um tanto frustrado, Conrad inclinou o rosto até sua visão captar aquela fita roxa que ele agora trazia consigo como um amuleto, apoiada em uma das almofadas do banco da janela. Como se aquele toque pudesse chegar até Ella, ele acariciou o tecido.
 
- Onde é que você está, Ella?
Malik Conrad Al-Rashidi
Malik Conrad Al-Rashidi

Mensagens : 111
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Jorgen Dalgaard Qui Set 21, 2023 8:36 pm

Uma importante barreira havia sido derrubada no relacionamento entre a futura rainha da Dinamarca e o seu secretário particular. Não que agora os dois fossem íntimos ou Dalgaard se atrevesse a quebrar os protocolos para tratar Lisbeth de maneira mais informal. Mas era inegável que Jorgen já não a enxergava mais da mesma maneira que antes.

Até alguns dias atrás, ela era Lisbeth Glücksburg, a neta da rainha Margrethe, a próxima na linha de sucessão ao trono dinamarquês. Era apenas isso que Jorgen enxergava quando olhava para a princesa. Mas as atitudes de Lisbeth naqueles últimos dias fizeram com que a visão do secretário se expandisse e, pela primeira vez em um ano de convivência, Jorgen pareceu ter finalmente enxergado que ela era muito mais que uma princesa: Beth era uma pessoa. E ela era uma pessoa magnífica.

Como um funcionário sempre atento e observador, Jorgen obviamente já havia notado muitas qualidades na princesa. Lisbeth era elegante, inteligente, educada, disciplinada, nobre e justa. Mas, até então, Dalgaard parecia enxergar apenas as características que faziam de Lisbeth uma boa princesa. Com a queda daquela barreira entre os dois, no entanto, o secretário passou a enxergar também todas as outras qualidades que formavam a personalidade da jovem.

Lisbeth era uma das criaturas mais doces, gentis e compreensivas do planeta. Margrethe podia ver aquilo como um defeito da neta porque uma verdadeira rainha precisava ser rígida e firme para ser respeitada. Jorgen, como secretário da princesa, precisaria ajudá-la a moldar o próprio temperamento até assumir uma postura mais adequada para o trono. Mas como Dalgaard poderia incentivar aquelas mudanças em Lisbeth quando aquilo havia se tornado uma das qualidades que ele mais admirava nela?

Como se não bastasse aquela natureza dócil e bondosa, Lisbeth também mostrou o quanto conseguia ser empática, paciente e compreensiva. Era impressionante como a princesa-herdeira nunca perdia as estribeiras mesmo lidando com a personalidade difícil da avó, com a falta de noção da mãe ou com as maluquices de Noella e Axel. Era um grande sinal de maturidade não surtar mesmo estando rodeada por pessoas tão insanas. E aquela nova dinâmica mais leve que havia surgido entre os dois fez com que Jorgen notasse que, por trás da postura sempre formal e polida de uma princesa, Lisbeth também era uma moça divertida e cheia de vida.

A ideia de uma creche para facilitar a vida dos funcionários do palácio seria a melhor solução para os problemas de Jorgen. Era a única forma do secretário cuidar do filho sem ter que abandonar a carreira que ele tanto amava. Seria fantástico poder trabalhar tranquilo, sabendo que Mads estava tão próximo, num lugar seguro e saudável. E ver que Lisbeth vinha se dedicando para tirar aquela ideia do papel só fez com que Dalgaard a admirasse ainda mais.

Mesmo que Lisbeth não estivesse fazendo aquilo exclusivamente para Jorgen, o secretário se sentia em dívida com a princesa por todo o apoio que ela vinha demonstrando a ele nos últimos dias. Afinal, sem a ajuda e sem a compreensão de Lisbeth, Dalgaard certamente não encontraria nenhuma maneira de manter aquele emprego. E foi aquele sentimento de gratidão e admiração que fez com que Jorgen quisesse retribuir pelo menos um pouco de tudo o que a princesa vinha fazendo para ajudá-lo.

Mas como Dalgaard poderia recompensar Lisbeth? Se ela fosse uma pessoa “normal”, bastaria pensar em um presentinho que pudesse simbolizar aquele sentimento de gratidão. Mas o que ele poderia dar para uma princesa que já tinha tudo, que estava acostumada a receber presentes valiosos e exclusivos? Chegava a ser ridículo pensar em dar um vasinho de flores ou uma caixa de bombons para uma princesa.

Lisbeth era gentil e educada demais para reagir com desdém ou para esnobar um presente simples, mas ainda assim Jorgen quis pensar em algo especial, algo que Lisbeth realmente fosse gostar de receber. Por sorte, depois de um ano trabalhando ao lado dela, Dalgaard já conhecia muito bem os gostos e as preferências da futura rainha da Dinamarca.

***

O secretário particular de Lisbeth eventualmente levava o filho para o palácio quando não existiam tantos compromissos formais na agenda da princesa, mas a presença de Mads seria um transtorno naqueles dias em que Lisbeth precisava participar de algum evento externo ou receber a visita de alguém importante.

Graças aos esforços de Lisbeth e Jorgen, uma das alas do palácio já estava sendo reformada para se transformar em uma creche que acolheria os filhos dos funcionários que serviam a monarquia dinamarquesa. A previsão é que até o fim daquele mês tudo já estivesse pronto, mas até que a obra fosse liberada e todos os detalhes estivessem acertados, Jorgen ainda precisaria da ajuda dos pais. E era exatamente isso que acontecia naquele dia. Antes de seguir para o palácio naquela manhã, Jorgen deixou Mads com os avós porque seria impossível para o secretário dividir a sua atenção entre o bebezinho e a convidada de honra que Lisbeth receberia no palácio naquele dia.

Como restavam poucas monarquias na Europa, os membros da realeza costumavam selar relações próximas de amizade e colaboração. No caso da Dinamarca, as alianças mais fortes eram com a Noruega, a Bélgica, a Espanha e o Reino Unido. E, naquele dia, Lisbeth deveria reforçar ainda mais aqueles laços de amizade com a princesa da Noruega, que passaria uns dias em Copenhage e havia aceitado o convite para tomar um chá no palácio dinamarquês. Tinha tudo para ser apenas mais um evento formal entre membros da realeza, mas é claro que Noella adicionou um veneno a mais naquela história com fofocas maldosas.

- Você sabe que a Philippa é uma vadia, né? Não se deixe enganar por aquela carinha doce de sósia da Amanda Seyfried!

Lisbeth já estava um pouco ansiosa porque teria que ser a anfitriã naquele dia e porque ela e a princesa norueguesa não tinham muitas coisas em comum. Então a última coisa que ela precisava era ouvir Noella tagarelando sobre as fofocas que se espalhavam no círculo pessoal da realeza. Helga era mesmo uma pessoa difícil, mas quase sempre Jorgen sentia compaixão pela colega. Porque parecia ser mesmo um pesadelo trabalhar ao lado de Noella e tentar controlar a rebeldia, o vocabulário sujo e a língua venenosa da princesa mais nova.

- Alteza... – o tom de Jorgen mesclava um apelo e uma repreensão – Estamos falando da princesa da Noruega.

- Aham, eu sei. O que você não sabe é que ela teve um caso com o Bash. Dizem que rolou até um vídeo íntimo e que aquela vaca tentou forçar a barra pro Bash abandonar a Charlotte e ficar com ela.

- O queeee? Nããão! Sééério?

Dalgaard só percebeu que tinha soado mais interessado do que deveria naquela fofoca quando Noella arqueou as sobrancelhas e abriu um sorrisinho vitorioso. O secretário bem que tentou respirar fundo e retomar uma postura mais séria e profissional, mas parecia ser tarde demais para consertar aquele deslize.

- Isso só pode ser uma calúnia, fruto de algum noticiário sensacionalista. Eu recomendo que Vossa Alteza não continue disseminando uma informação tão grave sem qualquer tipo de...

- Blá-blá-blá, Dalgaard! – Noella rolou os olhos e interrompeu o discurso pomposo do secretário – Tarde demais, eu já vi o brilho nos seus olhos! Você também quer saber mais detalhes da fofoca, então não seja tão careta e me deixe terminar!

Sem nenhuma pressa e com uma riqueza de detalhes impressionante, Noella atualizou a irmã mais velha sobre todos os podres da princesa da Noruega. É claro que existiam boatos e histórias sórdidas dentro do mundinho privilegiado da realeza, mas na maioria das vezes aquelas fofocas eram abafadas pelos secretários e pelas equipes de marketing das respectivas monarquias. Mas, de alguma forma, Noella sempre conseguia desenterrar algum podre vindo de membros das famílias reais europeias. E era impressionante como quase sempre aqueles boatos tinham algum fundo de verdade.

Foi um grande alívio para Dalgaard quando Noella finalizou aquela tagarelice alegando que tinha um compromisso e que não poderia acompanhar Lisbeth naquela tarde de chá com a princesa norueguesa. Até alguns dias atrás, Jorgen jamais faria nenhum tipo de comentário inapropriado ou piadinha sobre a família real, mas era notável que o secretário agora parecia mais leve e mais à vontade desde que as barreiras na relação com Lisbeth foram derrubadas. Por isso, Dalgaard não conseguiu conter aquela alfinetada no instante em que Noella saiu do escritório e o deixou a sós com Lisbeth.

- Sabe o que eu faço todos os dias, assim que abro os meus olhos pela manhã? Uma oração. Eu rezo agradecendo pela minha família, pela saúde do Mads, pelo meu emprego... – Jorgen fez uma pequena pausa antes de abrir um sorrisinho mais divertido para Lisbeth – E também agradeço a Deus todos os dias por não ser a Helga. Eu já teria desistido desse emprego se precisasse cuidar da sua irmã!

Faltava pouco tempo para que a princesa norueguesa chegasse ao palácio, mas Jorgen só precisou conferir o relógio para ver que ele ainda teria alguns minutos da atenção de Lisbeth. E aquele parecia ser o momento perfeito para executar a ideia que o secretário vinha planejando nos últimos dias.

- Há algo que eu queria te dar, Alteza. Não é nada demais, mas eu achei que seria apropriado usar um gesto mais concreto para demonstrar a minha gratidão por tudo o que tem feito por mim e pelo Mads.

Diante do olhar confuso e curioso de Lisbeth, Jorgen pegou uma caixinha que tinha sido escondida atrás de uma das almofadas do sofá e a estendeu na direção da princesa. Dalgaard quase sempre mantinha uma postura firme e formal, mas um bom observador notaria que o rapaz estava um pouco inseguro e ansioso quando estendeu aquele presentinho na direção de Lisbeth. Era mesmo muito difícil dar um presente para alguém que tinha tudo, mas Jorgen imaginava que já conhecia a princesa bem o bastante para fazer a escolha certa.

- Imagino que os cozinheiros estão preparando os mais variados pratos para serem servidos no chá desta tarde. Mas isso... – Jorgen apontou na direção da caixinha nas mãos de Lisbeth – ...isso provavelmente não estará no cardápio. E algo me diz que Vossa Alteza não vai querer dividir isso com a princesa da Noruega.

No instante em que Lisbeth ergueu a tampa, ela percebeu que o secretário estava certo. Para azar da princesa-herdeira, um dos doces preferidos dela não era considerado refinado o bastante para ser servido dentro do palácio real. O “romkugler” era um doce típico da Dinamarca e se parecia com um bombom feito com rum e chocolate. Geralmente era vendido em padarias ou confeitarias populares, então Lisbeth quase nunca tinha a chance de se deliciar com aquela guloseima.

Na caixinha trazida por Jorgen a princesa encontraria quase uma dúzia daqueles docinhos e a escolha do secretário mostrava o quanto Dalgaard a conhecia bem.

- Eu sei que é uma bobagem, mas eu não sabia o que te dar. E, depois de tudo o que você fez por mim, eu realmente queria fazer mais do que simplesmente dizer obrigado.

O clima entre os dois estava tão leve e informal que Jorgen sequer percebeu que havia cometido aquele grave erro. Em mais de um ano de convivência, aquela era a primeira vez que ele se referia a Lisbeth como “você” ao invés de usar o respeitoso “Vossa Alteza”.
Jorgen Dalgaard
Jorgen Dalgaard

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Qui Set 21, 2023 10:21 pm

Em todo o mundo, as pessoas costumavam ter uma rotina bem semelhante. Depois de alguns anos de estudo durante a infância e a juventude, chegava o momento de procurar por um emprego. Existiam diferentes tipos de trabalhos e remunerações que iam desde um pequeno salário até lucros exorbitantes de uma grande empresa, mas na prática todas aquelas pessoas seguiam um roteiro parecido que envolvia acordar cedo, obedecer a uma carga horária e se dedicar a uma tarefa em troca de um pagamento que pudesse ser usado para sobreviver.

Só que aquela rotina não fazia parte da vida de um membro da realeza. Embora reis, rainhas, príncipes e princesas também tivessem as suas obrigações e agendas bastante movimentadas, nenhum deles precisava se preocupar em pagar as contas do fim do mês ou se preparar para uma entrevista ou sonhar com uma promoção. Para o resto do mundo poderia parecer um sonho ter um luxuoso “emprego” garantido desde o nascimento, não precisar obedecer à mesma rotina cansativa todos os dias e não ter preocupações com dinheiro no fim do mês. Mas não era assim que Noella Glücksburg se sentia quando pensava na própria vida.

Sim, era divertido frequentar bailes, participar de eventos sociais, ser reconhecida e paparicada nas ruas da Dinamarca. Noella também amava todo o luxo e o conforto que a rodeavam, as viagens internacionais, ficar hospedada nos melhores hotéis, usar roupas e sapatos assinados por grandes estilistas. Seria uma grande hipocrisia se a princesa dissesse que odiava aquela vida e que queria trocar tudo aquilo pelas dificuldades de uma pessoa comum assalariada. O problema é que, quando parava para pensar no papel que ela tinha na sociedade, Noella se sentia vazia e inútil.

Um dia Lisbeth seria a rainha da Dinamarca e teria o poder de impactar a vida das pessoas com leis e projetos. A princesa-herdeira teria uma chance concreta de usar a sua posição privilegiada para ser útil, para mudar a realidade das pessoas e para retribuir um pouco de todos os privilégios que a cercavam. Mas e quanto a Noella? Se uma rainha já encontrava certa dificuldade para se impor acima do parlamento, o que esperar de uma simples princesa? Quando pensava na própria situação, Noella se via apenas como uma parasita que usufruía dos impostos pagos pelos cidadãos e que nunca poderia fazer nada concreto para retribuir à população dinamarquesa.

A maior parte das pessoas que discordavam da monarquia usavam argumentos semelhantes ao pensamento de Noella. Parecia mesmo uma grande tolice gastar tanto dinheiro apenas para manter os luxos de uma família que não contribuía muito para o futuro do país. Atualmente o que continuava mantendo a maior parte das monarquias vivas na Europa era a tradição e a história. Por isso era tão importante que a monarquia mantivesse as regras, os protocolos e a imagem de uma realeza intocável. Porque se eles se modernizassem demais, se começassem a ser envolvidos em escândalos e perdessem o apoio daquela parcela mais tradicional da sociedade, seria o fim de um reinado de séculos de duração. Essa era a maior preocupação não só da rainha Margrethe, mas também de todos os outros poucos reis e rainhas que ainda sobreviviam no planeta.

E era exatamente no meio daquele maremoto que Noella se encontrava. Se por um lado ela não se sentia bem vivendo como uma parasita, por outro lado também não era nada agradável a ideia de assistir a monarquia desmoronar justamente no reinado da avó (ou da irmã). A princesa gostava de ser livre, odiava os protocolos e a vida engessada que a realeza impunha a ela, mas ao mesmo tempo Noella sabia que não podia simplesmente abandonar tudo e causar mais uma turbulência que poderia fazer o barco dos Glücksburg naufragar de vez naquele maremoto.

Assim como a rainha Margrethe dissera à neta, não parecia haver outra escolha ou uma saída segura. No instante em que Noella nasceu e recebeu o sobrenome dos Glücksburg, ela automaticamente foi condenada a ficar presa naquela vida. Era uma vida que nunca a deixaria totalmente feliz e satisfeita, Noella jamais poderia ter a liberdade e a autonomia que tanto desejava. Então só restava à princesa a opção de fazer algo para se sentir menos vazia e infeliz.

Ainda na adolescência, Noella começou a participar de eventos beneficentes apenas por imposição da avó, afinal era uma propaganda positiva para a monarquia anunciar que as princesas estavam envolvidas em projetos de caridade. Mas logo aquilo deixou de ser apenas uma obrigação para se tornar uma espécie de válvula de escape para Noella. Sempre que a princesa visitava creches, asilos ou servia sopa aos necessitados no rigoroso inverno dinamarquês, aquele sentimento que a afligia se tornava menos insuportável e Noella não se sentia mais tão inútil para a sociedade. Ainda era muito pouco perto de todos os privilégios que a princesa tinha, mas o trabalho voluntário acabou se tornando a forma que Noella encontrou para retribuir à sociedade e para se sentir mais à vontade com a própria vida.

No começo era Margrethe que forçava a neta a participar de alguns projetos de caridade, mas a rainha acabou se surpreendendo quando partiu de Noella a iniciativa de criar uma fundação para idosos carentes. Já existiam centenas de projetos sociais e ONG’s voltadas para as crianças e Noella não negava a importância daqueles trabalhos. Mas o que ela percebeu é que a população dinamarquesa estava envelhecendo e nem todas aquelas pessoas tinham condições de custearem tratamentos médicos ou uma existência minimamente confortável naqueles últimos anos de vida.

Talvez aquele não fosse um emprego tradicional como a maior parte das pessoas ao redor do mundo possuía, mas ainda assim era evidente que Noella se esforçava e trabalhava de verdade para que a "The Royal Foundation for Elderly" fizesse a diferença na vida das pessoas mais necessitadas. Muitas pessoas pensavam que Noella apenas tinha emprestado a sua ideia e aparecido no dia da inauguração da fundação para cortar a fita, receber aplausos e tirar fotos para a mídia. O que quase ninguém sabia era que a princesa trabalhava ativamente e gastava muitas horas do seu dia naquele projeto pessoal.

A The Royal Foundation for Elderly não era apenas um projeto social para arrecadar fundos, garantir tratamentos de saúde ou transferir doações para os asilos do país. É claro que a fundação criada por Noella possuía projetos voltados para o combate à fome e para transferência de ajuda financeira a pessoas carentes, mas a princesa acreditava que o bem estar e a felicidade dos idosos iam muito além de um prato de comida ou uma consulta médica. Então a fundação criada por Noella também organizava eventos sociais e oferecia serviços como aulas de dança, artesanato, hidroginástica e culinária, além de também possuir uma equipe especializada para dar suporte médico, psicológico e social para aquela parcela mais velha da população.

Para que um projeto tão grande e complexo funcionasse bem, a princesa precisava estar sempre em busca de recursos e investidores. E também era necessário dividir as responsabilidades e ter uma grande equipe para atender a todas as demandas. Noella poderia ter simplesmente empurrado todas as obrigações para os funcionários, mas ao invés disso a princesa fazia questão de estar sempre por perto e de trabalhar pessoalmente na fundação. E, ao contrário do que qualquer um imaginaria, Noella não passava o dia dentro de um escritório fazendo ligações e assinando documentos. A moça havia contratado um gerente para cuidar da parte mais chata e burocrática justamente porque ela gostava muito mais de trabalhar diretamente com as pessoas beneficiadas por aquele projeto.

- A senhora entendeu? – a princesa arqueou as sobrancelhas para a velhinha sentada ao lado dela num dos bancos do jardim nos fundos do prédio – Repete pra mim.

- Eu preciso tomar esse redondinho de manhã. – a velhinha apontou para uma das cartelas de pílulas que Noella havia acabado de organizar em uma caixinha – Aí depois do almoço eu tomo dois amarelinhos e de noite mais um redondinho.

- É isso aí! A senhora percebeu que está menos esquecida desde que começou a vir nas aulas de yoga? Eu disse que ia te fazer bem exercitar o corpo e a mente com alguma atividade, Sra. Nielsen!

Assim como a maior parte das pessoas que frequentava aquela fundação, a Sra. Nielsen era pobre, não tinha um plano de saúde e ninguém que cuidasse dela. Mas na The Royal Foundation for Elderly ela havia conseguido ter acesso a consultas, exames e medicamentos que vinham fazendo milagres na saúde dela. E a velhinha também parecia muito mais feliz agora que não ficava mais o tempo todo trancada em casa, que frequentava aulas de artesanato, fazia caminhadas e interagia com várias pessoas.

O projeto criado por Noella funcionava em um pequeno prédio antigo numa área central e de fácil acesso da capital dinamarquesa. No último andar ficavam o escritório da gerência e uma sala de reuniões, mas todo o restante do espaço havia sido reformado para atender às demandas da população. Havia um andar inteiro com consultórios médicos, um ateliê para as aulas de artes e de música e um pátio externo com um lindo jardim que era aproveitado para as aulas de yoga. E era a própria princesa da Dinamarca que dava as aulas de yoga para os velhinhos.

Margrethe não tinha gostado nada da ideia de ver Noella exercendo aquela função pessoalmente e repetiu várias vezes que não era apropriado para uma princesa aparecer em público com roupas tão esportivas. Mas até mesmo a rainha acabou desistindo daquela batalha quando Noella deixou claro que não pretendia ceder e abandonar aquela tarefa que lhe fazia tão bem.

No fim das contas, Margrethe acabou deixando aquele assunto de lado porque imaginou que aquilo não seria um grande problema. Afinal, exceto pelos velhinhos do projeto, praticamente ninguém via a princesa da Dinamarca naquela situação. Por questões de segurança, o acesso ao prédio da fundação era extremamente restrito e não havia a menor possibilidade de um paparazzi invadir o local e conseguir uma foto de Noella com uma calça de lycra justa ou um top que deixava a barriguinha da moça completamente exposta. E os funcionários que trabalhavam para Noella eram discretos e confiáveis demais para deixarem qualquer imagem indiscreta vazar na mídia.

Dentre os funcionários que trabalhavam naquele projeto existia o gerente que era basicamente a pessoa contratada para lidar com a parte “chata” do trabalho. Enquanto Noella preferia gastar o seu tempo ajudando os velhinhos diretamente, Barty Soren era o responsável pela papelada, pelas contas e pelas reuniões. E era justamente por Noella não se interessar por aquela parte do trabalho que a princesa não fazia ideia de que, enquanto ela terminava mais uma aula de yoga no jardim, Barty estava no último andar, conversando com um advogado sobre algumas questões legais e burocráticas da fundação. Nem em mil anos Noella poderia imaginar que o rosto que ela mais desejava rever estava há poucos metros de distância naquele exato momento.

Não era nada fácil seguir os conselhos de Axel, mas Noella vinha se esforçando muito para esquecer Conrad. Depois de falhar miseravelmente em todas as tentativas de localizar o rapaz canadense, a princesa acabou aceitando aquela derrota. Não existia nenhum Conrad trabalhando na Pearson Hardman e isso significava que o rapaz de Berlim havia mentido para ela. E, se ele não foi sincero sobre si mesmo, o mais óbvio era concluir que “Conrad” (ou seja lá qual fosse o verdadeiro nome dele) não estava interessado de verdade por ela, não tinha levado aquele encontro a sério e provavelmente já nem se lembrava mais da garota que cruzara o seu caminho naquela única noite de Berlim.

O coração de Noella estava despedaçado e a garota não conseguia entender como podia ficar tão arrasada por alguém que ela não conhecia. O sexto sentido da princesa continuava berrando que ela não tinha se enganado, que aquela noite com Conrad não fora apenas uma ilusão. Mas a parte mais objetiva da personalidade de Noella obrigou a moça a seguir adiante simplesmente porque ela não podia pausar a própria vida por causa de uma fantasia. O que Noella não imaginava era que aquilo deixaria de ser apenas uma fantasia nos minutos seguintes.

No começo, a princesa não notou nada diferente naquele dia. Era apenas uma manhã normal na fundação, ela tinha acabado de finalizar uma aula de yoga e estava conversando e se despedindo dos velhinhos. Para desgosto da rainha, naquela manhã a aparência de Noella não poderia ser mais informal e inapropriada para os padrões de uma princesa. A calça legging colada no corpo não escondia as curvas dela e o top igualmente justo deixava quase um palmo de barriga à mostra. Nos pés, ao invés de saltos elegantes, Noella usava um par de tênis esportivos. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo e alguns fios loiros tinham se soltado depois do esforço físico. E como Noella sabia que sua pele ficaria salpicada de suor depois de uma aula de yoga ao ar livre, a garota não tivera sequer o cuidado de se maquiar naquele dia.

Embora a princesa não tivesse tido nenhuma preocupação com a aparência naquela manhã, a beleza de Noella ainda se destacava. E ela parecia ainda mais bonita com um sorriso leve e satisfeito nos lábios. E foi justamente com aquela expressão sorridente da moça que Malik Conrad Al-Rashidi se deparou no instante em que alcançou os fundos do prédio depois de finalizar uma reunião com o gerente da fundação.

Conrad viu Noella primeiro, mas não demorou muito para que a moça sentisse o peso daquele olhar. O mesmo instinto maluco que ela sentira na boate em Berlim acelerou o coração dela antes mesmo que Noella deslizasse os olhos pelo jardim e enxergasse o rapaz que a encarava, completamente boquiaberto. E foi naquela fração de segundo que o mundo de Noella parou de girar.

Por um instante de insanidade, Noella imaginou que aquilo fosse uma miragem ou uma alucinação da sua cabeça. Não fazia o menor sentido que Conrad estivesse ali, na Dinamarca, dentro da fundação onde a princesa trabalhava. A única explicação para aquela loucura era que a mente de Noella estava boicotando os esforços da menina para esquecer Conrad e agora estivesse criando ilusões para enganá-la. Contudo, foi um pequeno detalhe que fez Noella perceber que aquilo não podia ser só uma alucinação.

O sorriso. Aquele irresistível sorrisinho torto. Nem mesmo a mente de Noella conseguiria recriar com tanta perfeição aquele detalhe. No instante em que os olhos de Conrad brilharam e ele entortou os lábios naquele sorrisinho, Noella acreditou que ele realmente estava ali, bem diante dela. Como Conrad havia visto a garota com alguns segundos de antecedência, o rapaz pareceu se recuperar primeiro daquele choque e reagiu antes. Noella ainda estava parada e completamente atordoada quando o rapaz começou a caminhar na direção dela.

A pergunta mais óbvia era o que ele estava fazendo na Dinamarca, ou como havia chegado até a fundação. Noella também poderia questionar se Conrad já sabia quem ela era ou o importante papel que a família dela exercia naquele país. Mas, ao invés de perguntas óbvias ou um cumprimento educado, Noella quebrou todas as expectativas de Conrad e o recebeu com um olhar estreito. O rapaz chegou a abrir a boca para dizer alguma coisa, mas o único som que saiu pelos lábios dele foi um gemido no instante em que a mãozinha de Noella cortou o ar e ela acertou um tapa consideravelmente forte no braço dele.

- Seu falso! Mentiroso! Eu disse que tinha o dedo podre, você é tão babaca quanto todos os outros! Você mentiu pra mim!

Aquela recepção nada amigável poderia deixar Conrad confuso, ofendido ou decepcionado. Mas o humor do rapaz certamente se transformaria quando ele finalmente entendesse a razão da fúria de Noella.

- Não existe nenhum "Conrad" trabalhando na Pearson Hardman! Você tem noção de quanto tempo eu perdi tentando te localizar???
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Lisbeth Glücksburg Sex Set 22, 2023 3:39 pm

- Ela não deve ser tão ruim assim. As fofocas sempre exageram!
 
Com o seu jeitinho educado e polido, Lisbeth tentou diminuir a provocação da irmã sobre a princesa da Noruega, mas quando até mesmo o seu secretário particular acabou cometendo o deslize de se interessar pela tagarelice de Noella, a princesa herdeira arregalou os olhos em surpresa, mas logo acabou pressionando os lábios para conter uma risada divertida com a reação de Jorgen.
 
Boa parte do que sustentava a realeza nos tempos modernos era aquela ilusão de estar em um patamar inalcançável para a maioria dos meros mortais, mas Lisbeth nunca tinha se visto ou se comportado como se fosse diferente das outras pessoas. Ela cumpria os protocolos rigorosamente, mas era incapaz de se enxergar superior ou melhor do que o restante da população, menos ainda dos empregados com quem ela convivia há tantos anos.
 
Com Jorgen Dalgaard não era diferente e a prova disso foi como Lisbeth imediatamente se colocou à disposição do secretário para ajudá-lo com seus problemas pessoais com tamanha empatia. Mas a verdade era que algo tinha mudado desde então. Mais do que se deixar ser guiada pela sua personalidade altruísta e empática, Beth sentia agora um elo diferente e mais estreito com Jorgen, e a dinâmica que os dois começavam a construir, pouco a pouco quebrando alguns tijolos da formalidade, os colocava em papéis mais próximos de amigos que trabalhavam juntos.
 
No instante em que os dois voltaram a ficar a sós, Lisbeth não economizou na gargalhada diante do comentário sobre o pesadelo que seria para Jorgen ser o secretário da segunda princesa. Era uma risada espontânea, mas igualmente melodiosa.
 
- E você ainda estava dando asa a cobra! Sabe que não podemos alimentar os delírios da Ella, mas você estava meeeesmo interessado na fofoca do Bash com a Philippa. – A provocação não tinha soado como uma repreensão, e mostrando que também tinha ficado curiosa com aquela história, Beth se inclinou para frente e sussurrou. – Isso deve ser coisa da Ella, não é? Quer dizer, eu conheço a Charlotte, se a Philippa tivesse tentado qualquer graça com o Bash, ela não estaria mais aqui para contar história.
 
Seria uma declaração de guerra fazer qualquer comentário tão venenoso a respeito da princesa da Noruega ou da rainha da Bélgica, algo que a perfeição exigida de Lisbeth não toleraria. Mas ao lado de Jorgen, tendo apenas a companhia dele, Beth deixou que as palavras soassem com naturalidade típica de duas pessoas que confiavam muito uma na outra.
 
Lisbeth só voltou a endireitar a coluna e lançou um olharzinho curioso a Jorgen quando o secretário mudou o foco daquela conversa. Seu primeiro instinto foi tentar dizer que o rapaz não precisava se incomodar com nada, que ela tinha feito tudo aquilo sem qualquer interesse pessoal ou desejo de retribuição. Mas qualquer fala educada, polida ou sincera, ficou presa no fundo da sua garganta quando seus olhos encontraram a caixinha de romkugler. Beth já possuía um lindo par de olhos azuis, mas seu rosto se iluminou quando um brilho diferente cobriu as íris, de uma espontaneidade impossível de ser ensaiada.
 
- Nããããooo! Romkugler??? Jorgen!
 
Como uma criança diante de um parque de diversão, Lisbeth não sabia nem como reagir, tamanha felicidade. Ela prendeu o ar dentro dos pulmões por alguns segundos e depois soltou um barulhinho empolgado enquanto avançava nos docinhos, pegando um para se deliciar. Sem a sua habitual delicadeza, Beth enfiou um dos doces por inteiro na boca, deixando uma das bochechas estufadas, e não se conteve ao fechar os olhos, deliciada pelo sabor adocicado.
 
- Hmmmmm! Simplesmente maravilhoso! Divino!
 
As palavras soaram um pouco abafadas e Beth ainda cometeu a grande falta de educação de falar enquanto terminava de mastigar, usando uma das mãos para cobrir a boca. Se esquecendo por um minuto de todos os protocolos, ela chegou a lamber as pontas dos dedos, tentando conter o sorrisinho de satisfação, como uma menina travessa que sabia que estava cometendo uma série de erros.
 
- Você tem toda razão, uma santa ou não, a princesa da Noruega não vai chegar perto disso aqui! Vamos guardar em um local seguro!
 
Como era Jorgen quem ainda segurava a caixa dos doces, Lisbeth precisou erguer as duas mãos para receber finalmente o seu presente. E foi um gesto não calculado que fez com que ela acabasse cobrindo os dedos do secretário com os seus. Talvez fosse ainda por causa da empolgação ou pela quebra de protocolos, mas uma barreira tinha sido derrubada e no instante em que tocou Dalgaard acidentalmente, Beth se sentiu unida a ele, com um arrepio que subiu pelos seus braços e fez seu coração acelerar.
 
Daquela vez, quando Lisbeth prendeu o ar nos pulmões, ela não explodiu em euforia, mas buscou pelo olhar de Jorgen, como se estivesse tentando entender se ele também estava sentindo tudo aquilo ou até mesmo para saber o que era “aquilo”. Suas mãos continuaram apoiadas sobre as do secretário e ela foi incapaz de se mover ou de reagir até que a sineta na mesinha ao lado tocasse.
 
Um rubor cobriu seu rosto quando Beth foi obrigada a recolher as mãos, puxando o presente para si. Ela desviou o olhar para o tapete enquanto Jorgen atendia o telefone que avisava sobre a chegada da princesa norueguesa.
 
Com as pernas um pouco bambas, Beth se levantou para guardar a caixa de doces em uma das gavetas de um buffet lateral e ainda não parecia saber o que fazer com as próprias mãos quando voltou ao seu lugar enquanto Jorgen se adiantava para abrir a porta e receber Philippa.
Lisbeth Glücksburg
Lisbeth Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Malik Conrad Al-Rashidi Sex Set 22, 2023 4:46 pm

O primeiro caso de Conrad na Dinamarca não tinha sido dos mais complicados. Como assistente jurídico, o rapaz já tinha apoiado causas muito mais complexas e desafiadoras, mas nem por isso ele deu menos importância para a revisão dos contratos de fornecedores e dos investimentos da “The Royal Foundation for Elderly”. Era de se esperar que o escritório começasse lhe dando casos menores para que ele atuasse sozinho como advogado, mas o peso do nome daquela instituição já trazia uma grande responsabilidade.
 
Vivendo entre dois mundos culturais muito diferentes, Conrad tentava não ser preconceituoso, mas ele não conhecia praticamente nada a respeito da monarquia, de suas obrigações, atuações ou responsabilidades. Então era muito fácil julgar de forma negativa os membros da realeza que viviam no luxo, esbanjando com o dinheiro público simplesmente por terem nascido com um sobrenome histórico. Connie só tomou o devido cuidado para não trazer seus pensamentos ou visão negativa sobre a monarquia durante aquela reunião de negócios e atuou com perfeito profissionalismo.
 
Por sorte, o gerente que tinha lhe recebido falava inglês, o que tinha tornado toda a conversa mais fácil. Mas Conrad sabia que não seria tão fácil assim quando começasse a analisar os contratos em dinamarquês. Como se estudar as leis de outro país não fosse suficientemente difícil, Connie ainda tinha um idioma estrangeiro como uma barreira a mais.
 
Apesar de saber que não seria fácil, ele seguiu educado e atencioso até o fim da reunião. Mas bastou que entrasse no elevador para ir embora, para que o desanimo caísse sobre seus ombros. Connie soltou um suspiro longo e cansado, coçou os olhos e se encostou na parede fria do elevador enquanto pensava se tinha mesmo tomado a decisão certa. Por mais que todo aquele esforço fosse lhe trazer excelentes frutos profissionais, sua carreira não tinha sido o principal objetivo naquela mudança tinha sido por causa do seu coração, e continuar sem ter qualquer notícia ou pista de Ella tornava a sua nova rotina cada vez mais maçante.
 
Com a cabeça ainda rodando, Conrad sabia que precisava tentar focar no trabalho e na tonelada de documentos que precisaria estudar pelos dias seguintes, mas seus pensamentos insistiam em serem arrastados de volta para aquela noite em Berlim. Quando ele desviou o caminho da saída e seguiu para os jardins, foi puramente por não estar raciocinando, deixando seus pés o guiarem no modo automático. Ou talvez fosse mais uma vez o destino trabalhando sem que ele sequer desconfiasse.
 
No instante em que se deparou com o jardim e o dia bonito da área externa, Conrad percebeu que tinha tomado o caminho errado. Ele franziu a testa para aquela claridade e estava pronto para recuar e voltar pelo mesmo caminho que tinha vindo quando algo chamou sua atenção. E por um instante, ele teve certeza que estava imaginando coisas, mesmo com o salto violento que seu coração deu. A conclusão mais rápida e óbvia era que Connie vinha tão angustiado e receoso com suas próprias escolhas que sua mente estava pregando peças. Mas foram alguns detalhes que lhe deram a certeza de que aquela era “Ella”.
 
Ao invés de vislumbrar rapidamente seu rosto através de alguém muito parecido, ou de até tentar projetar a imagem de Ella usando o único vestido que Conrad havia visto nela, a imagem que Conrad se deparou era muito rica em detalhes. A moça estava usando uma roupa que sua imaginação sequer tinha tentado projetar durante todas aquelas semanas. A forma com que alguns fios escapavam do seu penteado ou as bochechas mais vermelhas por causa do esforço físico só tornavam a imagem da moça ainda mais humana. Não que fosse necessariamente um defeito, porque Conrad achava que isso era algo impossível, mas não era uma visão moldada e perfeitinha de uma fantasia, mas algo real demais.
 
Os lábios de Conrad se entreabriram e exatamente como tinha acontecido na boate, o tempo congelou e tudo ao redor se tornou um borrão para que Ella se transformasse no centro do universo. Seu coração deu um salto violento e todas as suas inseguranças evaporara. Uma vozinha gritava dentro da sua mente “Eu sabia!”, como se ele tivesse confiado no destino durante todo aquele tempo. Mas aquele não era o momento de se vangloriar por ter confiado no seu sexto sentido ou de se lamentar pelas vezes em que tinha desanimado. Nada importava, porque ela estava ali.
 
Não foi de propósito que Conrad ficou parado, apenas a encarando de longe. Ele simplesmente precisava daqueles minutos para acalmar seu coração que já se derretia por completo. E quando Ella finalmente notou que estava sendo observada, a felicidade explodiu dentro do peito do rapaz com uma única troca de olhares. Aquilo poderia ser fantasioso ou inacreditável para uma pessoa cética, mas para Connie nada fazia mais sentido do que aquele reencontro improvável.
 
Quando seu sorrisinho torto começou a surgir, a mente de Conrad vibrava em felicidade e satisfação por ter seguido todos os passos que o levaram até ali. Em todas as vezes que imaginou aquele reencontro, Connie achou que a puxaria para seus braços e finalmente transformasse aquele beijo em algo real, mas algo dizia que ele não precisava ter pressa. Que não importava o que acontecesse, ele e Ella sempre encontrariam o caminho um para o outro, então não havia motivos para apressar o inevitável.
 
O que Al-Rashidi definitivamente não esperava era ser recebido com aquele tapa logo depois da troca de olhares tão mágica. E ele continuou completamente confuso até compreender o que estava acontecendo ali. Foi impossível conter o sorrisinho torto de voltar aos seus lábios, dessa vez com um ar convencido. A única coisa que impedia Conrad de parecer um cara arrogante com aquele sorrisinho era como seus olhos brilhavam de maneira diferente para Ella.
 
- AAAAie!I Isso doeu, sabia? – Segurando uma pasta com uma das mãos, Conrad usou a outra livre para massagear a região atingida por Ella. E nem mesmo aquele protesto ganhou força ao soar através do sorrisinho convencido. – Então você tentou me localizar, é?
 
- The Crown -  Cf88ef9cea66804bc066a080943d3eaa
 
Conrad tinha literalmente mudado toda a sua vida, atravessado o oceano, se instalado em uma nova casa, enfrentando novos desafios com um idioma estrangeiro em uma nova fase da sua carreira, tudo isso para se deixar levar pelo destino diante da possibilidade de reencontrar Ella. Era inevitável que ele tivesse pensado vez ou outra que, além da chance de jamais encontra-la outra vez, a moça também poderia simplesmente não querer vê-lo mais. Afinal, tinha sido ela quem tinha saído correndo da boate naquela noite. Então foi impossível para Connie esconder a imensa onda de satisfação ao saber que não tinha sido só ele a ficar preso naquela magia estranha e irresistível.
 
- Eu não menti para você! É claro que trabalho na Pearson Hardman, estou aqui por causa deles.
 
Ella chegou a estreitar os olhos e Conrad parecia ser capaz de ler seus pensamentos, por isso se apressou para corrigir qualquer mal-entendido.
 
- E eu não menti sobre o meu nome também! Eu sou Conrad, trabalho na Perason Hardman! Posso provar, quer ver só?
 
Ele ergueu as mãos em sinal de rendição, em um pedido para que Ella não o atacasse outra vez. Com gestos cautelosos, o rapaz abriu a pequena maleta e puxou de lá o crachá que usava para entrar no escritório todos os dias. Havia mesmo a logo da Perason Hardman, e logo abaixo da sua foto ¾ estava gravado o nome “Malik Conrad Al-Rashidi – Advogado”.
 
- Antes que você possa dizer que menti sobre isso também, eu realmente era só um assistente jurídico quando nos conhecemos, mas acabei de ser promovido. – Ele deixou que Ella puxasse o crachá para analisar com cuidado e enfiou a mão livre no bolso, sem conseguir impedir que o sorrisinho convencido voltasse para seus lábios. – Uma promoção que me trouxe até a Dinamarca.
 
O discurso de Conrad não ia terminar ali. Ele chegou a encher os pulmões de ar para falar que tinha sido por causa dela que tinha largado o Canadá e se arriscado naquele país só porque a escutou dizer meia dúzia de palavras em dinamarquês. Mas apesar de toda a magia e de todo o trabalho do destino, Connie achou que pudesse ser demais para uma moça escutar que um cara tinha vindo do outro lado do oceano para “persegui-la”. E foi para não assustar Ella que ele poupou aquele detalhe.
 
- Fui chamado para rever alguns contratos e investimentos daqui. – Ele se justificou, apontando para o prédio as suas costas, ainda incapaz de tirar os olhos dela. – E você, o que está fazendo aqui?
 
Como Ella não tinha dado muitos detalhes sobre a sua vida, nada além do nome, de um primo e de algumas palavras em dinamarquês, Conrad não sabia sequer a profissão da menina e com o que ela trabalhava. Quando seu olhar deslizou pelo corpo tão exposto, pelas curvas que tinham ocupado seus pensamentos e pelas roupas que Ella usava, havia uma boa dose de admiração, mas também de curiosidade. Era mais fácil concluir que Ella trabalhava ali como professora de alguma atividade física, porque imaginar que ela era a princesa responsável por todo aquele projeto social seria demais, até mesmo para o padrão de Al-Rashidi.
 
- Se não estiver com pressa para sair correndo outra vez, o que me diz de um jantar?
 
Conrad já não tinha demonstrado nenhuma pressa na noite da boate, quando se deixou envolver pela conversa mais do que pelo desejo físico de tocar em Ella. Seria uma imensa hipocrisia dizer que ele não tinha vontade de puxá-la para seus braços e finalmente saciar aquele desejo, mas Connie não queria arruinar as coisas, não quando o destino tinha lhe dado outra chance. O que ele e Ella estavam sentindo e vivendo era especial demais para que os dois simplesmente se esgueirassem para as sombras daquele jardim e finalmente se agarrassem. Para quem tinha esperado por semanas até aquele reencontro, Conrad sabia que poderia esperar mais algumas horas e tornar aquele momento especial.
 
- Um encontro de verdade. Estou contando que pelo menos até a sobremesa consiga mais uma ou outra informação sua, se você não me abandonar outra vez.
Malik Conrad Al-Rashidi
Malik Conrad Al-Rashidi

Mensagens : 111
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Jorgen Dalgaard Sex Set 22, 2023 7:05 pm

Em todos os país que viviam sob o regime monarquista, eventualmente a mídia noticiava algum escândalo ou boato envolvendo um membro da realeza. E quase sempre aqueles vazamentos ocorriam de dentro do palácio, vindos de algum funcionário novato e indiscreto. Também já houve casos de empregados do alto escalão cometendo traições e entregando informações sigilosas à imprensa em troca de dinheiro. Mas situações assim costumavam ser uma exceção. A regra era que a realeza buscasse se resguardar e se cercar apenas por funcionários altamente fiéis e confiáveis.

Ser uma pessoa fiel, discreta, formal e reservada era um pré-requisito obrigatório para ocupar um cargo dentro do palácio real de qualquer monarquia, principalmente se tratando de funcionários do alto escalão, que passavam tanto tempo perto de membros da família real. Os reis, rainhas, príncipes e princesas eram seres humanos e, como quaisquer pessoas, tinham seus defeitos, cometiam erros e guardavam segredos. O problema é que esses deslizes não podiam vir a público sem gerar um escândalo capaz de abalar as bases já frágeis da monarquia. Consequentemente, os membros da realeza precisavam se cercar de pessoas confiáveis que jamais levariam ao conhecimento do resto do mundo as informações sigilosas (ou constrangedoras) que aconteciam dentro do palácio.

Lars Dalgaard talvez fosse o melhor exemplo do que a realeza esperava de um funcionário de confiança. Nos quase trinta anos em que o secretário serviu diretamente à rainha Margrethe, nunca houve qualquer tipo de vazamento ou fofoca que pudesse prejudicar a imagem da monarca. Mesmo que Margrethe tivesse um gênio difícil e não fosse nada doce e angelical, nunca surgiu nenhuma notícia na mídia sobre o comportamento autoritário e intransigente da rainha. Lars acompanhava cada passo de Margrethe, conhecia a pior faceta dela e não havia segredo ou plano que não fosse compartilhado com o secretário particular. E nenhuma daquelas informações importantes jamais havia saído de dentro do palácio.

Portanto, Jorgen tinha aprendido tudo o que sabia com o melhor funcionário que já pisara naquele palácio. Mesmo sendo muito mais jovem e menos experiente que o pai, Dalgaard já vinha dando sinais e provas de que ele havia sido um bom aluno, que merecia aquele sobrenome e que seguiria pelo mesmo caminho glorioso de Lars. Sempre que estava exercendo o seu trabalho como secretário pessoal da princesa Lisbeth, Jorgen se esforçava ao máximo para manter o comportamento impecável que todos esperavam dele. E era justamente aquela postura mais formal, profissional e discreta que fazia com que Dalgaard parecesse mais velho e mais sério do que ele realmente era.

Fora do palácio, Jorgen tinha um comportamento bem diferente. Dalgaard obviamente não era o tipo de pessoa que se envolvia em confusões ou levava uma vida desregrada, mas ele costumava ter uma rotina mais normal quando não estava no trabalho. Como qualquer homem jovem, Jorgen tinha um grupo de amigos e gostava de sair e de se divertir. Não era raro que ele aceitasse convites para bares, festas, churrascos, ou que tomasse algumas garrafinhas de cerveja assistindo uma partida de futebol. Ao longo dos seus trinta e cinco anos, Dalgaard já havia se relacionado com uma boa quantidade de mulheres, mas a rotina pesada e as exigências do trabalho como secretário real não costumavam abrir muitas brechas para relacionamentos longos e duradouros. Aliás, Jorgen só tinha se casado por causa de uma gravidez acidental. Se não fosse por esse detalhe, Dalgaard provavelmente jamais teria se desviado daquele ciclo de namoros breves ou relacionamentos casuais.

Mas aquele era um Jorgen Dalgaard que ninguém do palácio reconheceria. Era como se Jorgen conseguisse se transformar em outra pessoa quando estava no trabalho. Assim como o secretário demorou a enxergar Lisbeth sem a máscara de uma princesa, a moça provavelmente também não conseguiria olhar para o seu funcionário sempre tão reservado e dedicado e enxergar um rapaz mais leve e divertido.

Margrethe e Lars trabalharam juntos por quase trinta anos sem que aquela barreira do profissionalismo fosse quebrada e era assim que deveria ser. O problema era que aquele abismo que deveria existir entre Lisbeth e Jorgen estava começando a se desfazer sem que nenhum dos dois notasse isso. Tudo começou com um simples desabafo, seguido por uma conversa franca, trocas de favores e de gentilezas. Mas, como numa bola de neve, aquelas pequenas quebras de protocolo começaram a se acumular e a crescer naturalmente.

O Jorgen Dalgaard de algumas semanas atrás jamais cometeria o deslize de fazer uma piadinha ou de se referir à princesa de maneira tão informal, mas agora ele se sentia tão à vontade na companhia de Lisbeth que pareceria estranho e forçado tratá-la por "Vossa Alteza" quando os dois estivessem sozinhos. É claro que as formalidades e os protocolos precisavam ser cumpridos diante das outras pessoas (principalmente se Margrethe ou algum convidado de honra da rainha estivesse por perto). Mas Jorgen já não conseguia mais ser tão pomposo e formal com uma pessoa que estava se transformando em uma grande amiga. E o que deixava o rapaz mais à vontade para manter aquela postura mais leve era notar que a princesa não parecia desconfortável ou ofendida com aquelas quebras de protocolo.

Se Jorgen pedisse conselhos para o pai, Lars certamente diria que era um erro gigantesco quebrar aquelas barreiras e construir qualquer grau de amizade com a futura rainha. Jorgen estava ali para servir Lisbeth e era saudável que aquele abismo fosse mantido e que os dois não misturassem seus papéis. O antigo secretário de Margrethe com certeza pensava que era mais certo (e mais seguro) manter relações estritamente profissionais com os membros da realeza. Mas Jorgen tentava convencer a si mesmo de que aquilo não era errado, de que Lisbeth era muito diferente da avó e que Lars só não tinha estreitado laços de amizade com a patroa porque Margrethe era uma pessoa difícil, fria e distante.

Que mal haveria em adicionar uma pessoa tão doce e compreensiva em seu círculo de amigos? Os dois eram diferentes demais e viviam em universos opostos, então é óbvio que Lisbeth nunca se juntaria a ele para tomar uma cerveja ou para se divertir numa festinha comum, mas isso não significava que os dois não podiam usufruir dos outros privilégios de uma amizade. Se eles trabalhavam juntos e passavam tantas horas por dia perto um do outro, era natural que se aproximassem, que confiassem um no outro, que se tornassem bons amigos e confidentes.

Aquele era o plano inicial de Jorgen. Em nenhum momento o secretário sequer cogitou a possibilidade de usar aquela brecha para se aproximar ainda mais de Lisbeth ou para tentar ir além de uma simples amizade. O problema foi que nem Jorgen e nem Lisbeth calcularam que existia o risco de perderem o controle da situação. E a maior prova de que Dalgaard era inocente e não havia planejado tudo aquilo veio quando o secretário se surpreendeu tanto quanto Lisbeth quando aquela energia intensa envolveu os dois no instante em que as mãos se tocaram.

No momento em que os dedinhos delicados de Lisbeth roçaram na pele dele, foi como se uma corrente elétrica se espalhasse pelo corpo de Dalgaard. Mas, ao invés de uma sensação desagradável de choque ou de dor, aquilo acabou provocando um arrepio gostoso em Jorgen. O ar ficou preso nos pulmões do secretário e ele parecia sinceramente atordoado e sem reação quando ergueu os olhos até se focar no rosto da princesa. Se Lisbeth demonstrasse qualquer desconforto com aquele contato, Jorgen apenas murmuraria um pedido de desculpas e tentaria fingir que aquilo não o abalara. Mas a expressão que ele viu no rosto de Lisbeth fez com que Dalgaard concluísse que não era o único ali que tinha ficado estranhamente afetado com aquele toque.

A princesa e o secretário ficaram presos naquele olhar por longos segundos sem que nenhum dos dois conseguisse reagir ou entender o que estava acontecendo ali. Mas a chegada da princesa da Noruega obrigou Lisbeth e Jorgen a retornarem para a realidade. Por dentro, Dalgaard ainda estava completamente afetado e agitado com a sensação inesperada que Lisbeth tinha acabado de despertar nele. Mas, por fora, o secretário precisou reassumir a sua postura profissional e recolocar a máscara de funcionário exemplar.

***

Era difícil olhar para a princesa da Noruega e enxergar logo de cara a moça envolvida nos boatos mencionados por Noella. Philippa definitivamente não parecia ser uma jovem vulgar ou uma garota que tomava a iniciativa de seduzir rapazes comprometidos ou gravar vídeos de seus momentos mais íntimos. Pelo contrário, qualquer um que olhasse para Philippa veria um protótipo perfeito de uma princesa doce, recatada e delicada.

Assim como Noella mencionara, a princesa da Noruega parecia ser uma sósia da atriz Amanda Seyfried. Baixinha, magrinha, delicada, com os traços bonitos, grandes olhos verdes e os cabelos loiros tão longos e bem cuidados que ela poderia facilmente se passar pela Rapunzel em um live-action. Philippa tinha uma voz mansa e melodiosa e, à primeira vista, parecia ser absurdamente doce e bem educada. A primeira impressão sobre ela era mesmo muito positiva, mas um bom observador notaria alguns detalhes que não combinavam com toda a doçura que Philippa queria transparecer.

O comportamento de Philippa se transformava quando não havia nenhum membro da realeza por perto. Ela era impaciente e hostil com os funcionários e, diferente de Lisbeth, a princesa norueguesa costumava agir como se fosse superior às outras pessoas. Mas foi outro pequeno detalhe na postura de Philippa que fez com que Dalgaard começasse a acreditar nas fofocas de Noella. Quando o secretário de Lisbeth abriu a porta e saudou a convidada com uma breve reverência, Philippa não conseguiu disfarçar o olhar que percorreu Jorgen de cima a baixo.

A aparência de Dalgaard de fato era bastante surpreendente para os padrões de um secretário pessoal. A maioria dos funcionários que ocupavam aquele cargo eram mais velhos (e muito menos atraentes). Poderia até ser apenas uma reação de surpresa, mas Jorgen poderia jurar que havia surgido um brilho diferente nas íris esverdeadas de Philippa. Tentando ignorar o constrangimento, Jorgen se manteve alguns passos afastado enquanto as duas princesas se cumprimentavam e só tomou a palavra quando teve certeza de que não interromperia as moças.

- Alteza...? – era óbvio que ele estava chamando por Lisbeth, mas as duas moças se viraram para Jorgen ao mesmo tempo – Eu vou deixá-las à vontade. Se precisarem de mim, estarei na antessala.

- Oh, bobagem! Para que tanta formalidade? Junte-se a nós para o chá! – numa atitude ousada, Philippa tomou a palavra antes mesmo que a anfitriã pudesse abrir a boca – É o seu novo secretário, Beth? O que houve com aquele outro? Devo dizer que a “vista” do seu escritório está bem mais agradável agora.

Era mesmo uma sorte que Noella não estivesse presente porque a princesa mais nova certamente deixaria escapar alguma alfinetada indiscreta diante daquele comportamento atrevido de Philippa. A norueguesa nunca havia demonstrado interesse em tomar chá ou conhecer melhor qualquer outro funcionário da realeza, o que mostrava que o interesse dela em Jorgen era bastante pessoal. Provavelmente Philippa não pretendia fazer nada além de admirar o rapaz e flertar com o secretário jovem e atraente de Lisbeth, mas até isso já seria considerado amplamente inadequado para os protocolos reais. E foi por não saber como reagir que Dalgaard ergueu o olhar na direção de Lisbeth, visivelmente constrangido e torcendo para que Beth o salvasse daquela situação.

- The Crown -  Giphy

Não era apenas por fidelidade à família Glücksburg que Jorgen colocou a decisão nas mãos de Lisbeth. Naquele momento o secretário não era apenas um funcionário esperando pelas ordens da patroa. Dalgaard ainda não sabia explicar o clima intenso que havia surgido entre ele e Lisbeth alguns minutos atrás, mas o rapaz definitivamente não queria que a princesa pensasse que ele estava disposto a flertar com outra garota bem na frente dela.

A palavra final deveria ser de Lisbeth, já que ela era a anfitriã e Philippa estava na posição de uma simples convidada. Mas, mais uma vez, a princesa da Noruega atropelou a voz de Lisbeth e insistiu, usando uma das mãos para alisar o assento ao lado dela num gesto bastante insinuante.

- Venha, sente-se conosco e vamos conversar! Eu já disse o quanto adoro o sotaque dos homens dinamarqueses?
Jorgen Dalgaard
Jorgen Dalgaard

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Sex Set 22, 2023 10:18 pm

Uma pessoa mais cética teria dificuldades para acreditar que aquilo era obra do destino. Em um planeta com bilhões de habitantes era muito improvável que duas pessoas aleatórias se cruzassem por acaso mais de uma vez, em países diferentes. O mais sensato era imaginar que havia algo por trás daquele novo encontro "casual". E Noella Glücksburg era o tipo de pessoa desconfiada que não costumava acreditar em acasos, coincidências, destino ou gestos desinteressados.

Um dos piores lados de ocupar uma posição tão privilegiada na realeza era nunca conseguir acreditar inteiramente na bondade e na inocência das pessoas. Desde a infância da princesa, Noella havia tido contato com muitos "amigos" que só se aproximaram dela por interesse, para ficarem próximos à família real, para terem alguns minutos de fama ou para usufruírem de algum outro benefício. Embora Noella fosse uma moça absurdamente atraente e que tivesse qualidades que iam muito além do seu título, também não eram poucos os rapazes que se aproximavam dela com segundas intenções. Era justamente por não conseguir confiar na sinceridade das pessoas que Noella não se envolvia em relacionamentos sérios. Os únicos amigos verdadeiros da princesa eram a irmã e o primo. E, exceto por um namoradinho na época do colégio, Noella nunca mais havia deixado nenhum outro rapaz entrar em sua vida. Por mais que ela fugisse dos protocolos e se divertisse com muitos rapazes durante aquelas aventuras, nunca mais houvera um namorado ou alguém que criasse raízes no coração de Noella. Mas aquilo mudou no instante em que Conrad cruzou o caminho da princesa pela primeira vez.

Em Berlim, Axel havia aconselhado a prima a seguir os seus instintos. E não parecia haver nenhuma palavra melhor para definir o que Noella sentiu no instante em que viu Conrad pela primeira vez. Antes mesmo de falar com ele, o coração de Noella já parecia ter sentido que Conrad era a escolha certa. A conversa divertida da boate deixou ainda mais claro que existia uma sintonia invejável entre os dois. Pela primeira vez em muitos anos, Noella sentiu o seu coração vibrar de verdade por alguém. Ao contrário do que geralmente acontecia quando Noella se divertia com um rapaz qualquer durante aquelas escapadas, naquela noite em Berlim ela não quis apenas se saciar ou extravasar seus desejos. Conrad não era só um cara atraente que Noella usaria e depois descartaria com facilidade. E por isso foi extremamente frustrante e desesperador vê-lo saindo de sua vida sem deixar nenhum rastro ou pista sobre o seu paradeiro.

Nas semanas que sucederam a viagem para Berlim, Noella fez tudo o que estava ao seu alcance para tentar localizar o rapaz. Era praticamente impossível rastreá-lo na internet sem saber o sobrenome de Conrad, mas ainda assim Noella perdeu horas navegando em sites de busca e redes sociais. Também foi igualmente trabalhoso conseguir os telefones dos principais hotéis de Berlim e ligar para cada um deles, tentando conseguir informações sobre um hóspede canadense. A ideia de contratar detetives profissionais foi uma medida desesperada de alguém que já não sabia mais o que fazer e foi a informação trazida pelos detetives que fez com que Noella perdesse as esperanças: não existia nenhum "Conrad" trabalhando no escritório que o rapaz mencionara para Noella.

Uma parte de Noella não queria acreditar que Conrad havia mentido para ela, que ele havia inventado histórias apenas para impressionar uma garota atraente e ter companhia numa balada. Mas que outra explicação poderia existir? Noella se lembrava claramente de cada palavra dita pelo rapaz naquela noite, então ela sabia que não havia se enganado ou compreendido mal as informações passadas pelo rapaz. Por mais que aquilo machucasse o coração dela, Noella precisava ser objetiva e acreditar na versão mais óbvia daquela história.

Contudo, no instante em que Conrad entrou no campo de visão dela pela segunda vez, um alerta ainda mais grave soou dentro da cabeça de Noella. E se ele não fosse só um simples mentiroso? E se a situação fosse ainda pior do que simplesmente um cara babaca querendo enganar mulheres numa balada? Era bizarro demais pensar que os dois estavam se encontrando por acaso pela segunda vez. Qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico se questionaria se aquela imensa "coincidência” não havia sido cuidadosamente arquitetada por um rapaz repleto de segundas intenções.

A expressão séria no rosto de Noella denunciava que a mente dela estava trabalhando arduamente para tentar unir tantas pontas soltas. E se ele acabou descobrindo que ela era uma princesa? E se foi apenas por isso que Conrad tinha ido até a Dinamarca e encenado mais um encontro casual? Já provocando um gosto amargo na garganta da moça, as desconfianças de Noella cresceram até chegarem ao ponto em que a menina se questionou se Conrad não sabia a verdade desde o começo, se ele já não a reconhecera na boate em Berlim e fingiu acreditar que ela era uma garota comum apenas para conseguir se aproximar da princesa.

Por mais que o coração de Noella se recusasse a acreditar naquela possibilidade, a garota não conseguiria simplesmente ignorar os fatos e descartar a chance de Conrad ser um grande imbecil interesseiro. Por estar tão acostumada a lidar com aquele tipo de gente, Noella tinha dificuldade para acreditar que daquela vez seria diferente, que Conrad era inocente e não merecia ser tratado daquela forma. O lado mais prático e objetivo da mente de Noella estava pronto para tomar as rédeas da situação e ela já estava decidida a se afastar dele e a não acreditar naquela bobagem de destino quando, mais uma vez, tudo mudou.

- Malik? – a moça pareceu completamente perdida depois que Conrad mostrou a ela o crachá que usava no escritório de advocacia.

Malik Conrad Al-Rashidi. Aquele nome tão diferente pareceu estranhamente familiar para Noella e a menina precisou de alguns segundos para se lembrar de Axel mencionando que os detetives procuraram o nome de Conrad, mas só tinham encontrado um “árabe” trabalhando na Pearson Hardman. E só naquele momento Noella se deu conta de que Axel e os detetives tinham chegado àquela conclusão de forma preconceituosa, julgando apenas as origens do nome do rapaz. Sim, era estranho demais que um rapaz com traços ocidentais e um comportamento tão moderno possuísse um nome como aquele, mas pelo menos Noella agora sabia que Conrad não havia mentido sobre o próprio nome e nem sobre o emprego.

Isso não era uma prova definitiva de que Conrad não era mentiroso ou interesseiro, mas aquela inesperada reviravolta na história desarmou Noella por completo. O semblante irritado da moça se desfez e uma ruguinha de confusão surgiu no espaço entre os olhos azuis enquanto ela encarava o rapaz a sua frente. O nome dele era Conrad. E ele realmente trabalhava na Pearson Hardman. E se Conrad não tinha mentido sobre aquilo, talvez ele também não estivesse encenando todo o resto. Por mais bizarro que pudesse ser, naquele momento Noella preferiu dar ouvidos ao próprio coração, deixar de lado as desconfianças e acreditar que talvez tudo aquilo fosse mesmo obra do destino.

Passado aquele momento de surpresa, desconfiança e fúria, Noella não conseguiu mais ignorar os saltos que seu coração dava naquele instante. A princesa havia sonhado com o momento em que encontraria Conrad novamente, mas ela jamais imaginou que aquilo aconteceria por acaso, na Dinamarca, dentro da fundação onde ela trabalhava. E Noella deixou claro que o humor dela havia melhorado quando forçou um rolar de olhos e acertou outro tapa no braço do rapaz, dessa vez com a mão bem mais leve.

- Tire esse sorriso convencido da cara! Eu te procurei porque queria me desculpar por ter fugido daquele jeito. E não julgue a minha reação! Você também precisa admitir que é bizarro demais nos encontrarmos de novo! É claro que tem uma parte de mim que está se questionando se você não é um psicopata perseguidor. – aquele comentário sem noção mostrava que Noella não era tagarela apenas quando estava num bar, com uma bebida nas mãos – Malik Conrad? Puta merda, hein!? A sua mãe estava inspirada quando você nasceu!

O crachá foi devolvido para as mãos do rapaz enquanto Noella o olhava com mais atenção. As pastas e os documentos que ele carregava provavam que Conrad também estava falando a verdade sobre estar ali a trabalho. Por outro lado, o comportamento leve e informal do advogado deixava claro que Al-Rashidi ainda não sabia que “Ella” era Noella, a princesa da Dinamarca e a criadora daquela fundação.

Não era tão absurdo assim que Conrad não soubesse a posição que Noella ocupava naquele país. Ele havia chegado à Dinamarca há pouco tempo, a família real dinamarquesa era discreta e raramente apareciam nomes ou fotos nos noticiários. E como Conrad poderia imaginar que aquela moça vestindo legging e com os cabelos desgrenhados era uma princesa de verdade?

Era uma grande hipocrisia da princesa continuar escondendo a verdade depois de ter acusado Conrad de ser um mentiroso. Bem lá no fundo Noella sabia que o certo era abrir o jogo, explicar toda a situação ao rapaz e revelar quem ela realmente era na história da Dinamarca. Mas no instante em que a princesa abriu os lábios, já pronta para fazer aquela revelação, uma vozinha egoísta ganhou força dentro dela.

O destino tinha unido os dois novamente numa coincidência surreal e também parecia ser por um capricho do destino que Noella sempre estivesse quebrando os protocolos quando Conrad surgia na vida dela. Era como se os astros estivessem conspirando para dar a Noella a chance que ela sempre desejara: encontrar alguém que se aproximava dela sem qualquer tipo de interesse ou segundas intenções.

Se a princesa abrisse todo o jogo agora, ela jamais saberia até onde aquela história teria chegado. Se a verdade viesse à tona naquele momento, Noella passaria o resto da vida se perguntando se Conrad realmente queria ficar com ela ou se ele apenas tinha se encantado com o mundo da realeza. Por outro lado, se Noella continuasse escondendo a verdade e ainda assim Conrad continuasse demonstrando interesse e investindo naquele relacionamento, ela não teria dúvidas sobre os sentimentos do rapaz.

- Eu trabalho aqui. – os olhos de Noella deslizaram ao redor, indicando a fundação para idosos – Dou aulas de yoga, acompanho os idosos em caminhadas, levo para consultas, separo medicamentos... Enfim, faço um pouco de tudo.

Noella tentou amenizar a própria culpa dizendo para si mesma que não estava mentindo para Conrad. A moça realmente trabalhava ali e assumia várias tarefas na fundação. O único “detalhe” que ela estava omitindo era o fato de ser ela a princesa que havia idealizado tudo naquele lugar.

O convite para um jantar era algo banal, uma proposta que qualquer rapaz que estivesse interessado por uma moça faria. E qualquer moça comum não hesitaria nem por um segundo antes de aceitar aquele convite. Só que Noella não era uma garota que poderia simplesmente sair para jantar em algum restaurante qualquer da Dinamarca.

Uma sombra cobriu o rosto da princesa quando ela se deu conta de que, mais uma vez, as regras e os protocolos da realeza se tornariam um obstáculo no caminho dela. Noella queria desesperadamente aceitar o convite do rapaz, mas ela sabia que uma princesa não podia simplesmente entrar em um restaurante da capital dinamarquesa sem que todo um esquema de segurança fosse organizado ao redor do local. Aliás, nenhum segurança a seguia dentro da fundação, mas Noella só precisaria colocar um pezinho para fora daquele prédio e ela já seria cercada por funcionários do palácio e encaminhada até o carro que esperava por ela no estacionamento da fundação.

Seria impossível continuar escondendo de Conrad aquele “detalhe” sobre a vida dela num encontro comum, num local público. Se Noella realmente quisesse construir aquele relacionamento sem nenhuma sombra da realeza, se ela realmente quisesse provar para si mesma que Conrad era a escolha certa e que um cara poderia se apaixonar por “Ella” e não só pela “princesa Noella”, seria preciso fazer um grande esforço para que a verdade não viesse à tona.

- Eu não posso, Conrad, desculpe.

Assim como na boate de Berlim, Noella parecia sinceramente chateada por não poder fazer algo que seu coração implorava. E a culpa dela foi amplificada quando a princesa notou os ombros do rapaz murchando. Contudo, antes que Conrad encarasse aquilo como um sinal de desinteresse da garota, Noella o surpreendeu com uma contraproposta bem mais interessante do que um simples jantar.

- Eu já tenho outro compromisso hoje e mais tarde preciso arrumar as malas porque vou passar o fim de semana fora. Você não quer vir comigo? – os olhos azuis brilhavam de expectativa quando Noella encarou o rapaz – Não é nada demais, só vou passar o final de semana em Arhus com alguns amigos. Tem espaço de sobra no lugar onde vamos ficar e eu adoraria a sua companhia.
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Lisbeth Glücksburg Seg Set 25, 2023 2:10 pm

Em um ano inteiro dentro daquele palácio, Jorgen Dalgaard nunca tinha agido de maneira antiética. Com um currículo impecável e com uma referência inquestionável ao ser recomendado pelo fiel secretário da rainha, o rapaz ainda poderia ter suas falhas. Mas não eram os bons olhos de Lisbeth que ignorava pequenos defeitos. Jorgen era mesmo o molde perfeito para aquele tipo de trabalho.
 
Nem por um segundo Lisbeth cogitou que seu secretário pessoal pudesse cometer o grave deslize de responder às não tão discretas investidas da princesa norueguesa. Dalgaard jamais cometeria tamanha indiscrição sob o teto dos Glücksburt, menos ainda diante da princesa herdeira e contra um membro da realeza de outra nação. Mas nem toda a segurança no profissionalismo de Jorgen fez com que Beth se sentisse mais tranquila.
 
A princesa sequer havia tido tempo de processar e pensar em tudo o que tinha acabado de acontecer com um simples toque de mãos, sua cabeça ainda estava girando e seu coração acelerado, e sem ter conseguido colocar seus pensamentos em ordem, ela já se via obrigada a colocar um sorriso no rosto para aquele encontro com Philippa. O comportamento da princesa norueguesa só servia como mais uma dose de combustível naquele fogo.
 
Lisbeth era conhecida pela sua educação e pela sua doçura, incapaz de tratar qualquer pessoa com descaso, indiferença ou ignorância. Mas naquela tarde, Beth foi incapaz de reagir conforme a sua natureza quando o choque fez com que ela travasse. Seus olhos estavam ligeiramente arregalados e seus lábios ficaram entreabertos sem que som algum saísse pela sua garganta enquanto sua mente não conseguia acreditar no que estava acontecendo bem diante dos seus olhos.
 
Por mais que Noella tivesse lhe alertado sobre a má índole da princesa norueguesa, Beth achou de verdade que fosse exagero da irmã e que Philippa não fosse ser tão ruim assim. Mas ali ela estava, sem se preocupar com a presença da princesa herdeira da Dinamarca, sendo tão inconveniente com um secretário sem se importar se isso o deixaria desconfortável.
 
Já era de se esperar que Lisbeth fosse fiel ao seu secretário sem deixar a educação de lado com a sua visitante, mas ela não conseguiu esconder por completo como tinha ficado pessoalmente incomodada com aquele atrevimento de Philippa. Longos segundos se passaram e ela ainda estava um pouco pálida quando conseguiu se lembrar de como fazer para respirar.
 
- Eu tenho certeza que o Sr. Dalgaard ficaria entediado com a conversa de duas moças. Além do mais, ele tem muito trabalho a fazer e não poderá se estender ao final do dia para cumprir a agenda.
 
O combinado entre Lisbeth e Jorgen era que o rapaz não passasse dos horários previamente combinados para que pudesse voltar cedo para perto do filho, mas Lisbeth não estava usando aquela cartada como algum tipo de punição ou uma forma de lembrar ao secretário qual era seu devido lugar. Era apenas um forte instinto de manter Jorgen e Pippa afastados, pelo bem de todos.
 
- Aaah, mas nem um pouquinho...?
 
- Obrigada, Sr. Dalgaard. – Lisbeth elevou a voz de forma educada, mas o suficiente para mostrar que aquela era sua palavra final. Apesar de toda sua candura, foi possível ver que havia mesmo o sangue de Margrethe correndo em suas veias. – Isso é tudo, eu lhe chamo caso tenha qualquer necessidade.
 
Pippa não escondeu seu biquinho de satisfação e quando Jorgen caminhou em direção a saleta ao lado, ela se inclinou e sussurrou em tom de confidência, mas ainda alto o suficiente para que todos os presentes escutassem.
 
- Mas que patroa mais severa! Se algum dia se cansar daqui, saiba que o palácio da Noruega estará de portas abertas. – A moça esperou que Jorgen saísse antes de completar baixinho. – As portas do meu quarto também.
 
- Philippa! – Daquela vez Beth não conseguiu evitar o tom de repreensão.
 
- Aaaah, por favor, querida! Foi só uma brincadeira! – Pippa voltou a colocar seu falso sorriso casto nos lábios e deu um tapinha de leve no joelho de Beth. – Você entende, não é? Ou vai dizer que não notou a beleza que é o seu secretário? Cá entre nós, Lisbeth, de uma princesa para a outra... Você não se diverte nenhum pouquinho? Nós já temos tantas obrigações, precisamos de uma coisinha ou outra para relaxar.
 
O queixo de Beth voltou a despencar e ela estava horrorizada com a fala e com as insinuações da outra princesa. Quando sacudiu a cabeça em negação, foi sincera, porque até então nunca tinha lhe passado nenhum tipo de malícia pela cabeça a respeito do secretário. Uma parte da mente de Lisbeth começava até a se questionar o motivo disso, já que Pippa não era a primeira princesa a pontuar sobre o quão atraente era o seu secretário. Até mesmo Noella já tinha feito um comentário pontual.
 
- É claro que não! O Sr. Dalgaard é meu secretário de confiança e somos amigos!
 
- Bom, nesse caso quer dizer que o caminho está livre, não é? Você não ficaria chateada caso eu me aproveitasse um pouquinho?
 
A ideia de Philippa “se aproveitando” de Jorgen fez o estômago de Lisbeth revirar e ela voltou a sacudir a cabeça em repreensão.
 
- Se quer a minha opinião, eu não aprovo. O Sr. Dalgaard também se encontra em um momento complicado da vida e não precisa de mais turbulências. Já basta o filho pequeno e o divórcio...
 
- Divórcio?
 
Pippa não conteve um sorrisinho maldoso no canto dos lábios e Beth respondeu distraída.
 
- Sim, ele ainda está enfrentando os primeiros meses após um divórcio e....
 
- Melhor ainda! O pobrezinho deve estar carente, em todas as formas possíveis! E um homem que está há meses sem o conforto de uma mulher pode ser muuuito divertido.
 
- Ok, isso já basta! – Lisbeth ergueu as mãos, incapaz de ouvir mais uma palavra. – Podemos parar de falar do meu secretário e sobre esse tipo de assunto? Está me deixando desconfortável.
 
- Está beeem. – Philippa usou uma entonação dramática e exagerada. – Não está mais aqui quem falou! Achei que pudesse ser mais divertido uma conversa de mulheres ao invés de passar a tarde falando sobre política ou bailes, mas se prefere assim, que seja!
 
***
 
- Ela é ainda pior do que a Noella alertou.
 
Como uma criança irritada, Lisbeth não conseguia tirar o biquinho dos lábios enquanto endireitava as luvas entre seus dedos de uma forma mais brusca do que o necessário. Com tantas regras de etiqueta, as princesas raramente eram vistas em público com os cabelos presos que não fossem em penteados bem elaborados. No dia-a-dia, Beth usava os fios dourados volumosos e soltos, mas a atividade daquela manhã exigia que estivessem presos em um rabo alto e firme.
 
- Sério, eu detesto dar a razão para a Ella, mas já estou desconfiando que as coisas com o Bash e a Charlotte foram muito piores do que dizem as más línguas, porque aquela ali é pior do que qualquer língua venenosa!
 
Era simplesmente chocante ver a sempre doce e calma Lisbeth falando mal de alguém, principalmente com tanto fervor. Por sorte, era apenas o seu secretário que escutava o desabafo enquanto a princesa terminava de preparar o cavalo para a corrida que faria naquele dia.
 
Ao invés dos vestidos e das roupas sofisticadas, Lisbeth usava uma calça de montaria branca com botas que iam até seus joelhos, uma blusa branca de gola alta e um colete preto por cima, com o emblema dos Glücksburg costurado no peito. O capacete que ela usaria quando montasse ao cavalo ainda estava apoiado ao lado, então seu rostinho enfezado estava perfeitamente visível. Mas Beth precisou se calar quando passos se aproximaram dos dois.
 
Em trajes bem semelhantes aos de Lisbeth, com exceção da blusa que era vermelha e do emblema norueguês no seu colete, Philippa surgiu sorridente para o compromisso daquela manhã, onde as duas princesas tinham combinado uma pequena competição de equitação pelo jóquei da família.
 
- Bom diiia! Me perdoem, acho que acabei dormindo demais, não queria ter me atrasado.
 
- Não há problema algum. – Beth forçou a soar educada, ainda escovando seu cavalo. – Não estamos atrasadas.
 
- Oh, Dalgaard! Que bom ter a chance de revê-lo. – Pippa apoiou as mãos na cintura e alargou o sorriso ao ignorar a princesa e se voltar exclusivamente para o secretário. – Vai nos fazer companhia esta manhã? Quero que fique por perto, você vai ver como eu sou excelente em montar.
Lisbeth Glücksburg
Lisbeth Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Malik Conrad Al-Rashidi Seg Set 25, 2023 3:53 pm

Era difícil de acreditar que Ella tivesse mesmo procurado por ele na Perason Hardman apenas para se desculpar com um rapaz aleatório com quem tinha conversado por um curto período de tempo antes de desaparecer por completo, e nem por um segundo Conrad acreditava nessa versão da moça. Não que Connie fosse um rapaz arrogante, convencido e cheio de si. Ele não esperava que todas as moças que cruzassem seu caminho se derretessem por ele e fizessem qualquer esforço para reencontrá-lo, mas tudo em relação a Ella era diferente.
 
Havia algo de diferente entre os dois e Conrad podia sentir isso desde o instante em que seus olhares se cruzaram naquela noite, em Berlim. Não era um excesso de confiança, mas uma intuição que lhe acalantava, lhe dizendo que os dois encontrariam seus caminhos de volta um para o outro. Tinha sido por causa dessa intuição que Conrad tinha largado tudo e dado aquela chance ao acaso.
 
Diferente de Ella, Conrad não achava tão bizarra assim aquele reencontro. Primeiro, porque ele tinha feito a sua parte ao escutar o destino para que tudo fluísse conforme era esperado. Segundo, porque mesmo nos seus momentos mais incrédulos e desanimador, Connie ainda não era capaz de ignorar uma pontada da sua natureza romântica que acreditava em destino.
 
- É marroquino. – Conrad explicou tranquilamente a origem do seu nome enquanto pegava o crachá de volta. Embora enfrentasse muito preconceito a respeito das suas origens árabes, ele não pareceu nem meramente constrangido em compartilhar mais aquele detalhe pessoal com a moça. – Malik foi escolha do meu pai, Conrad escolha da minha mãe. Ela também é canadense.
 
Conrad já havia passado seu nome completo para Ella, sua profissão, a empresa onde trabalhava, um breve histórico familiar, sua nacionalidade, até mesmo seus gostos pelo hóquei. Não parecia haver nenhum tema que o rapaz pensasse duas vezes antes de compartilhar com aquela moça. Em contrapartida, o rapaz não recebia muitas informações dela. Se arriscar até a Dinamarca tinha sido um tiro no escuro e se não fosse o destino unindo os dois naquela tarde, ele não sabia se haveria alguma forma dos dois se reencontrarem.
 
Quando Ella finalmente compartilhou um pouquinho sobre si ao contar que trabalhava naquela instituição como professora de Yoga e no auxílio aos idosos, Conrad sentiu seu peito se aquecendo, como se ele finalmente pudesse começar a construir peça por peça daquele enigmático quebra-cabeça que era a menina dinamarquesa da balada de Berlim.
 
Nem por um instante Al-Rashidi cogitou que a importância da menina naquela instituição fosse muito maior do que o que ela descrevia. Na cabeça dele, Ella era apenas mais uma das funcionárias ou talvez uma das moças que prestava trabalho voluntário. E era gostoso de imaginar o tipo de pessoa que ela era, o carinho e a paciência por ter aquele tipo de ocupação, remunerada ou não.
 
Por ter aquela intuição tão forte, por ter se deixado levar pelo coração em mudanças tão sérias e radicais, Conrad tinha certeza que sua única dificuldade seria reencontrar Ella naquele país estrangeiro, como uma agulha no palheiro. Nem por um segundo ele cogitou que, talvez Ella não estivesse assim tão interessada em reencontrá-lo ou interessada nele. A insegurança que a princesa havia enfrentado cogitando que talvez o canadense nem se lembrasse mais dela nunca tinha assombrado Conrad, mas diante da recusa da menina naquele convite de encontro fez com que o sentimento o atingisse com força total.
 
Os seus ombros caíram e o chão parecia ter se aberto sob seus pés. Um nó amargo se formou na garganta de Connie e ele engoliu em seco. Em uma fração de segundos, uma enxurrada de pensamentos se atropelaram na sua mente. Ele não queria pensar daquela forma, mas agora começava a achar que tinha sido mesmo uma grande loucura mudar toda a sua vida por uma garota que poderia nem querer uma chance com ele. A sintonia entre os dois tinha sido tão intensa na noite de Berlim que Conrad não conseguia acreditar que tinha se enganado tanto. Mas ao que parecia, tinha sido mesmo um terrível equívoco.
 
Ella era linda, com curvas perfeitas, um cabelo sedoso e os olhos azuis mais incríveis que Conrad já tinha visto. Ela ainda um grande enigma para o rapaz, mas ao invés de se assustar e recuar, Connie queria apenas a oportunidade de conhece-la mais. A segurança e a tagarelice da menina também mostravam que ela era alguém com atitude. Era óbvio concluir que a moça só precisava estalar os dedos para ter quem bem entendesse, e ela já parecia ter se cansado do rapaz desconhecido de Berlim.
 
Conrad ainda estava lutando com aquele gosto amargo e com as dezenas de pergunta que tentavam encontrar respostas dentro dos seus pensamentos quando Ella virou o jogo por completo. A mudança foi tão grande que Connie pareceu desnorteado por alguns instantes. Ele arqueou suas grossas sobrancelhas e pareceu confuso enquanto tentava compreender o convite da moça.
 
A proposta de um jantar tinha sido recusada, mas ao invés de tentar fugir de um encontro, Ella estava propondo algo ainda melhor do que algumas horas compartilhando uma refeição. Uma viagem por um final de semana inteiro. Aquela onda de derrota começou a evaporar e uma euforia se arriscou a crescer no peito de Connie.
 
- Arhus? – Ele repetiu o nome com um carregado sotaque canadense enquanto o sorrisinho torto voltava a ganhar força nos seus lábios.
 
Conrad não conhecia muita coisa sobre a Dinamarca e mesmo nos últimos dias vivendo naquele país estrangeiro não tinha sido suficiente para alongar seu conhecimento. Ele não fazia ideia de onde ficava Arhus e o que esperar por lá, mas assim como mudar para a Dinamarca tinha sido uma decisão fácil, passar alguns dias em uma cidade próxima não seria o fim do mundo. Embora tivesse um pouco de trabalho acumulado e ainda estivesse aprendendo a falar o idioma nativo, Conrad não pensou duas vezes antes de aceitar aquele convite.
 
- É, acho que consigo mexer a minha agenda para o final de semana. – Pela forma com que os olhos de Conrad brilhavam, ele seria capaz de carregar o mundo nas costas se isso fosse necessário para poder passar o final de semana com Ella. – E como exatamente isso funciona? Você me passa o endereço? A gente se encontra lá? Aliás, eu faço questão de dividir as despesas com os seus amigos. Vão ficar em um Airbnb? Um hotel...? Eu só preciso saber que tipo de roupa levar, pode contar comigo.
Malik Conrad Al-Rashidi
Malik Conrad Al-Rashidi

Mensagens : 111
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Jorgen Dalgaard Seg Set 25, 2023 5:38 pm

Tudo levava a crer que a princesa da Noruega não era inocente e que havia algum fundo de verdade nas fofocas venenosas envolvendo o nome dela. Nos poucos minutos em que ficou perto dela, Jorgen percebeu que o rostinho doce e ingênuo de Philippa não combinava muito com a personalidade da moça. Mas havia um detalhe inquestionável naquela história: Philippa era mesmo uma moça linda.

Qualquer homem se sentiria tentado pelas insinuações de uma mulher jovem e tão atraente, ainda mais levando em consideração toda a “magia” de uma princesa. O interesse nada discreto que Philippa manifestava por Dalgaard era a realização de uma fantasia masculina e o secretário estaria mentindo se dissesse que não achava a princesa linda. Mas Jorgen era totalmente sincero em dizer que, nem por um momento, ele pensou em corresponder às investidas atrevidas de Philippa.

Em primeiro lugar, Jorgen era profissional demais para se permitir viver uma aventura como aquela. Dentro daquele palácio, o secretário era um funcionário de confiança e Dalgaard jamais colocaria em risco o emprego que ele tanto amava por causa de alguns minutos de diversão. Além disso, o fato de Jorgen não ser mais um rapazinho com os hormônios à flor da pele era mais um detalhe que o ajudava a manter o profissionalismo. O príncipe belga ainda era jovem e inconsequente quando se deixou levar pelos encantos de Philippa, mas Jorgen já era um homem, um pai de família responsável o bastante para resistir às tentações.

Mas existia mais uma razão para que Dalgaard não cedesse às investidas de Philippa. Embora nem o próprio Jorgen soubesse explicar o inesperado clima que havia surgido entre ele e Lisbeth, existia uma parte inconsciente de Dalgaard que resistia à Philippa em fidelidade à princesa dinamarquesa. Era como se já existisse uma ligação entre Jorgen e Lisbeth que impedisse o secretário de se sentir atraído pela outra princesa.

E foi exatamente essa ligação que fez com que Lisbeth ficasse presa nos pensamentos de Dalgaard. Desde aquele toque acidental das mãos, desde o inexplicável arrepio que se espalhou por todo o corpo dele, Jorgen não conseguia mais parar de pensar em Lisbeth. E, diferente de antes, ele não pensava nela apenas porque precisava cuidar dos compromissos e da imagem pública da futura rainha. Dessa vez, eram pensamentos e sentimentos muito mais íntimos. Era o rosto dela que não saía da memória de Jorgen, o timbre delicado da voz e o perfume da princesa.

Dalgaard ainda se sentia confuso e agitado com aqueles pensamentos impróprios, mas mesmo assim ele não se esquivou de suas obrigações. Ignorando aqueles sentimentos inexplicáveis, foi como um secretário profissional e discreto que Jorgen mais uma vez se aproximou de Lisbeth naquela manhã para acompanhá-la até o campo de equitação. E era ainda mais difícil manter o profissionalismo vendo Lisbeth visivelmente irritada e resmungando ofensas contra a princesa da Noruega.

Mesmo que concordasse com a opinião de Lisbeth, Jorgen manteve uma postura formal e respeitosa e não abriu a boca para ofender Philippa. Já era inadequado que Lisbeth fizesse aquilo, mas o erro de Dalgaard seria ainda mais imperdoável caso ele se esquecesse de sua posição subalterna naquele palácio e ousasse fazer acusações contra uma princesa.

Se a situação já estava tensa, Philippa conseguiu piorar ainda mais o clima quando se juntou à Lisbeth e mostrou que ainda não tinha se cansado de provocar o secretário da dinamarquesa. Mais uma vez, Dalgaard reagiu com extremo profissionalismo e ignorou as indiretas de Philippa, mas nem mesmo o comportamento distante do secretário fez com que a princesa desistisse daqueles joguinhos.

Enquanto Lisbeth e Philippa aqueciam os cavalos num trote mais lento pelo campo, Jorgen se sentou no nível mais baixo das arquibancadas que rodeavam a pista de corrida. Como secretário, era parte das atribuições de Jorgen estar sempre por perto para atender às necessidades de Lisbeth. Mas, naquela manhã, Philippa se aproveitou da proximidade do secretário para fazer um pequeno showzinho.

A cavalgada com Lisbeth foi deixada em segundo plano e Philippa concentrou todos os seus esforços em provocar o secretário. Como se não bastasse aquela piadinha vulgar, nos minutos seguintes a princesa da Noruega fez uma verdadeira performance para mostrar para Jorgen que ela era “excelente em montar”. Rebolando o quadril com movimentos exagerados e com um olhar insinuante voltado para Dalgaard, Philippa parecia estar usando a cavalgada para simular movimentos íntimos. Um homem mais impulsivo teria enlouquecido de desejo com aquela provocação tão óbvia, mas Jorgen não precisou fazer muito esforço para desviar a atenção para longe de Philippa. Pelo contrário, foi bem fácil manter os olhos afastados da norueguesa quando Lisbeth entrou no campo de visão do secretário.

A princesa da Dinamarca não estava fazendo nada para provocá-lo. Lisbeth parecia concentrada na cavalgada e o corpo dela se mexia apenas para acompanhar o ritmo do galope do animal. Não havia movimentos exagerados, olhares insinuantes ou qualquer tipo de simulação vulgar. Ainda assim, Jorgen sentiu seu corpo esquentar mais por ela. E não era só um desejo carnal como Philippa tentava provocar nele. Por Lisbeth, o sentimento era muito mais intenso e mais complexo do que simplesmente excitação.

A calça de montaria branca era mais justa e modelava com perfeição as pernas e o quadril da princesa. O esforço físico deixava o rostinho dela mais corado e a fazia respirar com os lábios entreabertos. A postura ereta da coluna da moça e os movimentos do galope pareciam deixar os seios dela mais em evidência. Mas não eram só as curvas de Lisbeth que atraíam a atenção de Dalgaard naquele momento. Não era com um olhar de malícia e luxúria que ele a observava. No rosto dele estava estampado um semblante de admiração e de carinho, como se Jorgen estivesse fascinado diante de uma obra de arte incomparável.

Como o secretário já a conhecia tão bem, Jorgen sabia que toda aquela beleza vinha acompanhada por qualidades nobres que faziam com que Lisbeth fosse ainda mais perfeita. Era fácil resistir à Philippa porque Dalgaard sabia que ela era só uma garota vulgar e arrogante que queria viver uma aventura. Mas, com Lisbeth, o sentimento era completamente diferente. Depois que os dois derrubaram as barreiras dos protocolos, passou a ser impossível olhar para a futura rainha da Dinamarca e não sentir uma profunda admiração.

Depois de alguns minutos de cavalgada, Lisbeth pareceu finalmente notar o showzinho protagonizado pela outra princesa. A irritação voltou a aparecer no rostinho de Lisbeth e ela virou os olhos na direção das arquibancadas, provavelmente para conferir como Jorgen estava reagindo às provocações de Philippa. E, de fato, o secretário sequer piscava enquanto encarava a princesa. Mas, para surpresa (e satisfação) de Lisbeth, os olhos de Dalgaard estavam fixos nela e não em Philippa.

No instante em que os olhares dos dois se cruzaram, o clima se tornou mais intenso. Mesmo sem nenhum toque ou contato físico, Jorgen experimentou novamente aquela sensação gostosa de um arrepio percorrendo o corpo dele. O lado mais racional do secretário berrava que era errado alimentar aquela loucura, mas Dalgaard simplesmente não conseguiu desviar o olhar para longe de Lisbeth. Como se estivessem presos por aquela mesma energia, Lisbeth e Jorgen sustentaram aquele olhar mais intenso por longos segundos. Mas a magia daquele momento foi quebrada por um grito vindo do outro lado da pista de equitação.

Como não estava olhando para Philippa, Jorgen não saberia dizer ao certo como a princesa da Noruega havia caído do cavalo, mas era fácil imaginar que a moça acabou perdendo o equilíbrio enquanto movia o corpo daquela forma insinuante e exagerada. E, como Dalgaard faria com qualquer pessoa naquela situação, ele não hesitou antes de correr na direção da princesa para socorrê-la.

- Alteza!!! O que houve? Está machucada?

- Aiiii! Eu quebrei a perna!!! Está doendo demais!

Foi sem nenhum tipo de segundas intenções que Jorgen levou os dedos até as pernas de Philippa, apalpando-as por cima da calça de montaria em busca de qualquer entorse ou fratura mais séria. Lisbeth só demorou poucos segundos até alcançar o ponto onde Philippa havia caído, então ela chegou a tempo de assistir o espetáculo protagonizado pela norueguesa.

- Acho que não há nenhuma fratura grave, Alteza. Mas com certeza vamos levá-la a um hospital para uma avaliação mais detalhada.

- Aí, Deeeeeeus! Aiiii, aaaai! Eu não consigo andar! - Philippa forçou um biquinho de choro e se aproveitou da proximidade do secretário para deslizar um braço por trás do pescoço dele - Você vai ter que me carregar, Dalgaard. Por favor! Eu estou quase desmaiando…

Jorgen apostaria todas as suas fichas em mais uma encenação de Philippa. Mas, como funcionário da realeza, Dalgaard não podia negar socorro a uma convidada de honra da rainha. E com Philippa já praticamente pendurada no pescoço dele, Jorgen não teve muita alternativa senão deslizar o braço por baixo do corpo da norueguesa para erguê-la no colo.
Jorgen Dalgaard
Jorgen Dalgaard

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Seg Set 25, 2023 6:55 pm

Talvez fosse cedo demais para convidar Conrad para uma viagem de fim de semana. Era só a segunda vez que os dois se viam, a princesa não tinha muitas informações sobre ele, não havia acontecido sequer um beijo entre os dois e poderia ser até constrangedor levar o rapaz para uma viagem e só em Arhus descobrir que os dois não tinham nenhuma química. Mas, além de Noella ser uma pessoa intensa e impulsiva, ela estava se deixando guiar por aquele instinto que lhe dizia que Al-Rashidi era a escolha certa.

A forma natural como Conrad aceitou aquela proposta mostrou que ele também não via problemas em pular a parte de encontros mais mecânicos e casuais e já adiantar alguns passos naquela interação com “Ella”. Tudo era intenso e rápido demais entre eles, mas os dois pareciam estar no mesmo ritmo.

- Arhus é só uma cidadezinha do interior da Dinamarca. Lá tem um parque ecológico, uma lagoa natural, vários museus e muitas casas de campo. Mas você não precisa se preocupar, o lugar onde vamos ficar pertence à família do Axel, então não vamos gastar com a estadia.

Mais uma vez, Noella tentou convencer a si mesma de que aquilo não era uma mentira. Afinal a “casa de campo” onde eles ficariam hospedados no fim de semana de fato era uma das muitas propriedades da monarquia dinamarquesa. O que a princesa omitiu de Conrad era que ela também pertencia à família que era a dona do imóvel. E também não houve nenhum comentário sobre o quanto a propriedade era enorme, tradicional e luxuosa.

- E também não precisa se preocupar em levar muitas roupas. Não vamos sair muito, o objetivo da viagem é descansar. Então leve apenas roupas confortáveis e trajes de banho. - o sorriso de Noella se tornou mais maroto e ela deslizou os olhos de cima a baixo pelo corpo do rapaz - Lá é um pouco frio, mas nem pense em usar isso como desculpa. A piscina é aquecida! E você é canadense, deveria estar acostumado com climas gelados!

Noella estava se escondendo novamente atrás de uma meia verdade. O objetivo daquela viagem realmente era descansar e fugir um pouco de todos os protocolos cansativos da realeza num lugar onde eles poderiam ficar mais à vontade. A princesa só não mencionou que eles ficariam na propriedade e não poderiam sair para turistar pela cidade por questão de segurança.

A conversa do casal foi interrompida quando uma das velhinhas da aula de ioga passou por eles e se despediu de Noella. Mesmo sem intenção, a Sra. Nielsen acabou ajudando ainda mais naquela encenação da moça porque, ao invés de tratar a princesa com respeito e formalidade, a velhinha se despediu de Noella com um abraço carinhoso e um “até a próxima aula, menina”.

No instante em que os dois foram deixados sozinhos novamente naquele canto mais isolado do jardim, Noella não viu problemas em tomar a iniciativa e dar um passo adiante. Conrad chegou a arquear as sobrancelhas enquanto tentava entender o que a moça pretendia fazer e, sem nenhum constrangimento, Noella apalpou os bolsos do rapaz até encontrar o celular dele.

- Dessa vez não vamos precisar contar com a sorte ou o destino. - com uma expressão travessa, Noella digitou o número do próprio celular na tela de Conrad e deu um toque para que o número do rapaz também ficasse gravado no aparelho dela - Eu te ligo pra combinarmos os detalhes.

O celular de Conrad foi empurrado de volta para dentro do bolso do rapaz, mas Noella se manteve próxima a ele. Assim como acontecera na boate, os dois estavam colados e os lábios estavam separados apenas por poucos centímetros. Mas antes que Conrad e Noella pudessem saciar aquele desejo, o destino mais uma vez interrompeu aquele momento mágico. Dessa vez com uma ligação vinda do celular do rapaz.

Apesar de um pouco frustrada, Noella soltou um risinho divertido com mais aquela interrupção. Era impressionante como os dois pareciam sedentos por aquele beijo, mas a oportunidade perfeita nunca acontecia.

- Eu te procuro, Malik Conrad. - Noella deu um passo para trás, sem quebrar o contato visual com o rapaz - E dessa vez eu vou achar você!

***

- Então, resumindo… você vai mentir pro cara.

- The Crown -  Giphy

A expressão mais cômica no rosto de Axel mostrava que o rapaz estava se divertindo com o comportamento totalmente controverso da prima. E, quando Noella gaguejou e não teve uma boa resposta para rebater aquela acusação do primo, ficou ainda mais claro que Axel estava certo. O plano de Noella era complexo, mirabolante e envolveria muitas pessoas e várias variáveis, mas no fim das contas, aquela frase resumia tudo: ela mentiria para Conrad.

Era irônico e contraditório que Noella decidisse mentir para Conrad depois de ter ficado tão chateada com a possibilidade do rapaz de Berlim ter mentido para ela. Não era certo e definitivamente não era algo louvável, até porque Conrad não havia feito nada para merecer as desconfianças da moça. Mas Noella já estava decidida a aproveitar aquela chance de ouro. Pela primeira vez na vida, o destino colocava no caminho da princesa um rapaz que não sabia nada sobre as origens dela. E Noella queria desesperadamente construir aquela relação sem qualquer tipo de influência da realeza. Noella precisava ter certeza de que Conrad ficaria com ela, de que alguém poderia se interessar pela pessoa que ela era por trás da máscara de uma princesa. E Noella só teria cem por cento de certeza que os sentimentos de Al-Rashidi eram desinteressados se o rapaz não soubesse a verdade sobre ela.

- Você está fazendo tudo parecer muito pior do que realmente é, Axel! - Noella só recuperou a voz depois de vários segundos de hesitação - Eu não vou mentir descaradamente, as minhas intenções são as melhores! E eu não vou mentir pra sempre! Eu só quero a chance de me aproximar de alguém sem que as merdas da realeza estraguem tudo!

Como os dois estavam sozinhos, não havia ninguém por perto para testemunhar aquela conversa particular. Os dois seguranças que acompanhavam cada passo de Noella tinham ficado no corredor depois que a princesa entrou na cobertura de luxo onde Axel vivia. O neto da rainha não vivia no palácio real, mas obviamente contava com um grande esquema de segurança. Além do prédio ficar em um condomínio fechado de um bairro nobre de Copenhage, Axel tinha seguranças particulares e a cobertura onde o rapaz vivia era monitorada por câmeras. Axel não vivia dentro do palácio, mas continuava igualmente sem liberdade naquela prisão de luxo.

- E quando você pretende abrir o jogo? - a forma com que Axel arqueou as sobrancelhas mostrava que o rapaz ainda estava zombando do plano de Noella - Que tal quando ele te pedir em casamento? Ou não, melhor ainda! Conte a verdade quando você estiver grávida do primeiro filho, afinal ele não vai querer te esganar se você estiver esperando um filho dele, né?

- Não tem graça, Axel! Vão ser só algumas semanas! Eu só preciso saber se ele realmente vai se interessar por mim sem segundas intenções, se as coisas vão ficar mais sérias ou se ele quer só uma aventura.

- Beleza, última perguntinha… - dessa vez Axel deixou o deboche de lado e soou mais sério - Como você tem certeza de que ele já não sabe a verdade? Porque, convenhamos, Ella… essa história de destino é muito bizarra! E se ele já sabia a verdade e veio atrás de você fingindo um encontro casual?

Aquela era uma possibilidade que já tinha se passado pela mente de Noella. Desconfiada como a princesa costumava ser, o mais óbvio era que Noella duvidasse daquele acaso e acusasse o rapaz de encenar uma “coincidência do destino”. Mas, mais uma vez, Noella preferiu dar ouvidos ao seu coração e aos instintos que berravam que Conrad era a escolha certa e que eles se reencontraram porque tinham que ficar juntos.

A maneira desconfortável como Ella se remexeu no sofá da sala deixou claro que, mais uma vez, ela não tinha uma boa resposta para os questionamentos de Axel. A garota desviou os olhos azuis para um quadro abstrato na parede do outro lado da sala e ainda estava olhando para aquelas linhas tortas quando respirou fundo e tomou a palavra.

- Ele não mentiu sobre o nome e sobre o emprego. Não tenho razão para pensar que ele está mentindo sobre esse reencontro, Axel. Eu preciso acreditar nisso se quiser dar uma chance pra nós dois. E eu quero MUITO ter uma chance com ele. - Noella virou a cabeça novamente para a direção de Axel - Você vai me ajudar, não vai?

- Quando foi que eu me esquivei dos seus planos malucos, Ella? Se é isso que você quer fazer, pode contar comigo. Mas você sabe que tem muita chance de dar merda, não sabe? E se ele vir alguma notícia ou foto oficial da família real? E se alguém na fundação comentar alguma coisa sobre você? E, o mais importante, a Beth é certinha demais! Você acha mesmo que ela vai concordar em participar do seu teatrinho?

- Vai dar certo! São só algumas semanas, Axel! E quanto à Beth, eu sei que ela vai me ajudar. Ela pode até não gostar da ideia de mentir, mas eu conheço a minha irmã, ela é romântica e otimista! Eu sei que a Beth vai ceder quando eu explicar que só quero um amor verdadeiro.
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Lisbeth Glücksburg Ter Set 26, 2023 4:08 pm

- Não vai ter que imobilizar???
 
Pippa soou mais histérica do que pretendia, e no instante em que percebeu como sua voz soava forte, deslizou o olhar pelo quarto até pousar em Dalgaard, fazendo um beicinho dengoso para forçar a imagem de alguém moribundo que já não convencia a ninguém.
 
- Será que não seria melhor fazer mais algum exame? Eu não posso correr o risco de perder a perna!
 
- A senhorita só precisará de algumas horas de repouso, bastante gelo e seguir com os horários dos medicamentos.
 
O médico soou educado e respeitador, acostumado a lidar com pacientes da realeza. Ao invés de irem diretamente a um hospital, o médico de confiança que atendia os Glücksburg foi chamado para atender a princesa norueguesa, e como Lisbeth já previa, não havia qualquer tipo de gravidade nos ferimentos de Philippa.
 
- Muito obrigada pela sua disponibilidade e pela rapidez em atender nosso chamado, Dr. Karl.
 
Com um sorriso gentil nos lábios, Lisbeth soou com sua típica bondade e foi exatamente assim que o Dr. Karl retribuiu, em uma pequena reverência acompanhada de um sorriso. Depois que o homem saiu do quarto, Lisbeth se aproximou mais da cama onde Philippa estava deitada. Ela já não conseguia ser tão doce e receptiva com a princesa norueguesa, mas nem por isso Beth foi ignorante ou má com a sua convidada.
 
- O analgésico deve lhe dar um pouco de sono, vamos deixa-la descansando. E lembre-se de manter o tornozelo suspenso nas almofadas.
 
- Oh, você está sendo tão gentil e caridosa comigo, Beth. – O beicinho de Pippa ainda estava em seus lábios quando ela esticou a mão na direção da outra princesa, mas antes mesmo que Lisbeth pudesse fazer qualquer coisa, Dalgaard voltou a ser o centro das atenções. – Vocês dois, é claro. Eu não sei o que teria acontecido se você não tivesse me ajudado, querido. Você é tão forte...
 
Lisbeth inspirou ruidosamente, em uma tentativa de manter a calma, sem tirar o sorriso mecânico dos lábios. Ela chegou a abrir a boca para retomar a palavra, mas em um gesto que estava se tornando hábito, Pippa a interrompeu.
 
- Pode ficar comigo mais um pouco? – Ela acariciou o colchão ao seu lado, e mais uma vez Lisbeth não conseguia acreditar em tamanho descaramento.
 
- Sinto muito, mas eu preciso da assistência do Sr. Dalgaard nos últimos preparativos para a viagem do final de semana. Mas não se preocupe, nós cuidaremos para que nada lhe falte até a sua partida, essa noite.
 
Pippa puxou o ar e estava pronta para tentar argumentar, mas mais uma vez Lisbeth mostrou que havia o sangue de Margrethe correndo em suas veias quando não deu chance para a outra princesa descumprir suas “ordens”.
 
- Vamos? – Ela deu as costas para Pippa e lançou um olhar firme para Dalgaard, e sem esperar pela resposta de nenhum dos dois, adiantou seus passos para sair do quarto.
 
***
 
O “trabalho” como princesa costumava exigir muito de Lisbeth. Compromissos sem fim, reuniões, eventos, projetos de caridade. Era difícil que Beth conseguisse um pouco de tempo livre para aproveitar como uma jovem comum. Apesar de tantas exigências, Lisbeth costumava lidar muito bem com toda a pressão, porque ela tinha sido preparada desde o berço e sabia o que era esperado. A moça tinha sido moldada muito bem para o cargo que carregaria consigo para sempre.
 
O que era extremamente raro era ver Lisbeth perdendo o controle da situação. Ela não gritava, não brigava, não era rude ou ignorante com ninguém. Mas naquele dia, quando Beth entrou no próprio escritório acompanhada por Dalgaard, ela estava ligeiramente inquieta. O primeiro sinal veio quando ela soltou um suspiro ruidoso ao finalmente se encontrar naquele ambiente de segurança. O segundo sinal foi notado quando ela massageou a nuca tensa, tentando se livrar daquela sensação incômoda. E Lisbeth estava séria quando se encostou na beirada da mesa e se virou para o seu secretário.
 
- Nós podemos conversar?
 
Sem soar com arrogância, como uma patroa irritada e insatisfeita, Lisbeth ainda conseguiu ser educada naquelas palavras. Ela não parecia alguém que estava prestes a repreender seu empregado por um mal comportamento, mas uma moça que precisava muito esclarecer algumas questões com um homem com quem ela vinha trocando olhares e toques que despertavam muitas sensações intensas.
 
Lisbeth ainda não tinha ensaiado nada, mas ela sabia que algo precisava ser dito. E Dalgaard chegou a se aproximar alguns passos para que aquela conversa acontecesse quando as portas do escritório foram escancaradas, sem que Noella se preocupasse com qualquer protocolo.
 
- Nós podemos conversar?
 
Sem saber que estava repetindo as palavras da irmã, Noella puxou o foco da cena para si. E se a situação fosse diferente, Lisbeth pediria para adiar aquela conversa, que ela estava resolvendo algo importante com Dalgaard naquele momento. Mas foi algo no olhar da princesa mais nova que fez com que Beth mudasse completamente de direção naquela decisão.
 
- O que houve? Aconteceu alguma coisa?
 
Havia uma ruguinha de preocupação entre as sobrancelhas loiras de Lisbeth, mas a cada palavra que saía da boca de Noella, o seu semblante se transformava em completo choque e incredulidade.
 
- Não! Absolutamente não! Eu entendo que você queira sair para se divertir, que quebre tantos protocolos porque isso aqui é sufocante, Ella! Mas isso não! Você perdeu completamente o juízo! Nós não podemos mentir! EU não posso mentir! E se esse rapaz for algum jornalista infiltrado? Ou pior, um informante para os tabloides! Você tem noção do escândalo que seria???
 
A ideia de mentir para um rapaz sobre a verdadeira identidade de Noella era completamente insana. E a sua irmã ainda queria trazer aquele rapaz para dentro de uma das residências da família real, o que tornava ainda mais arriscado qualquer movimento. Lisbeth não tinha como concordar com aquilo e sua decisão estava tomada.
 
O peso do mundo parecia cair sobre seus ombros. Ela ainda não havia tido tempo de pensar e entender o que estava acontecendo com Dalgaard, não tinha processado sua irritação contra Pippa e agora precisava lidar com a irresponsabilidade de Noella. Por mais que achasse sua avó rigorosa demais e até injusta com a neta caçula, Lisbeth precisava admitir que daquela vez Ella estava passando dos limites.
 
As diferenças entre Margrethe e Lisbeth eram inúmeras, mas talvez a principal delas fosse o lado mais humano e sensível que a princesa tinha, enquanto a rainha era perfeitamente capaz de tomar decisões puramente racionais, não importava a quem doesse. Por mais que toda a lógica apontasse para o óbvio erro que era embarcar naquela mentira, Lisbeth não conseguiu ignorar o olhar aflito da irmã. Seu lado empático permitia que ela também sentisse no seu coração a angustia que a caçula estava sentindo.
 
Foi um mero vacilar de Lisbeth que deu a Noella a chance de se explicar, de compartilhar com a irmã sobre seus sentimentos, seus receios e tudo o que tinha motivado aquela decisão. E como Beth poderia ser capaz de ignorar algo que ela via no dia a dia? Ella não era completamente feliz naquele mundo, algo lhe faltava. E Beth também tinha acompanhado algumas das decepções amorosas da caçula para entender os receios que Noella nutria.
 
- Mentir não pode ser a melhor forma de começar uma história ao lado de alguém, Ella. – Lisbeth já soou completamente diferente depois de escutar todo o desabafo da irmã. – Você tem certeza que é isso que quer? Que é o único caminho?
 
Lisbeth estava enfrentando um dilema moral, exatamente como Margrethe temia que a neta enfrentasse quando assumisse o trono. Como rainha, Lisbeth precisaria saber como colocar a Coroa e a Dinamarca em primeiro lugar, antes mesmo das próprias vontades ou do desejo de qualquer familiar ou amigo. Era por saber que Beth teria aquela firmeza quando o momento fosse certo que a rainha temia pelo futuro. E naquele dia a princesa mostrou que sua avó tinha motivos reais para tal preocupação, quando seu amor e preocupação pela irmã falaram mais alto do que a razão.
 
- Isso é uma completa loucura! E nós precisamos ter certeza que esse rapaz não vai mesmo entrar na nossa casa para nos investigar. Se tivermos a ficha completa dele, se o histórico dele estiver de acordo com tudo o que ele lhe disse até agora, então está bem. Mas só por algumas semanas, Ella!
Lisbeth Glücksburg
Lisbeth Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Malik Conrad Al-Rashidi Ter Set 26, 2023 4:40 pm

- Você conseguiu mesmo??? Filho da puta! Sério, Connie! Caralho, se você é algum tipo de bruxo, está usando seus poderes de maneira beeeem equivocada! Você deveria estar jogando na loteria ou qualquer porra dessas!
 
- Eu não sou bruxo. – Conrad mal conseguia tirar o sorriso dos lábios e ele se sentia tão bem que nem mesmo as provocações de Tobias. – Eu te disse, é o destino!
 
- Eu não acredito. Primeiro a sua transferência para a Dinamarca, e agora você quer mesmo me convencer que simplesmente esbarrou com a Berlim?
 
- E agora estou indo passar o final de semana com ela. Se isso não te faz acreditar em destino, Toby, eu não sei mais o que pode ser.
 
Aquele diálogo acontecia enquanto Conrad dirigia um conversível pelas estradas dinamarquesas. O carro alugado era moderno, jovem e muito bem equipado. No painel multimídia, o GPS indicava o trajeto que Connie deveria seguir até alcançar seu destino final. Pelos autofalantes, ele conseguia manter a conversa em viva-voz com Tobias, mesmo que o melhor amigo ainda estivesse em solo canadense.
 
- Não passou pela sua cabeça que essa garota pode ser uma psicopata? Pode ser uma emboscada, vão te sequestrar, te colocar em uma banheira com gelo e arrancar seus órgãos. Você não deveria ter ido sozinho para a Dinamarca, porque agora o seu corpo vai sumir e ninguém vai ser capaz de encontrar. NUNCA MAIS!
 
Como o dia estava ensolarado, Conrad tinha conseguido abrir o teto do carro. Os óculos de sol protegiam seus olhos durante aquela viagem e o vento sacudia seus cabelos escuros para trás. Sua única bagagem era uma mala de mão com poucas roupas e os trajes de banho que ele tinha enfiado, conforme orientação de Ella.
 
Enquanto dirigia de Copenhague até Arhus, Conrad não conseguia conter em si aquelas deliciosas borboletas se debatendo em seu estômago. O sorriso não saía dos seus lábios e o rosto de Ella estava fixo em seus pensamentos. Ele se sentia mesmo agraciado pelo destino, como se todo o universo estivesse conspirando a favor dos dois. E era deliciosa a sensação de estar ligado a alguém assim, de forma tão positiva e satisfatória.
 
Os receios de Tobias eram incapazes de penetrar seus pensamentos e sentimentos tão otimistas. E Connie se sentia tão pleno que ele quase podia ser transportado direto para um filme de romance. Até mesmo a paisagem bonita da Dinamarca passando ao seu redor era motivo para deixa-lo mais animado e feliz, como se cada árvore, montanha ou rio por onde passava fosse mais um sinal de aprovação para as escolhas que ele vinha tomando.
 
- O único órgão que a Ella me roubou foi o coração.
 
As palavras mal tinham saído de sua boca e Conrad fez uma caretinha, sem acreditar na própria caretice. E claro que Tobias não deixaria aquilo passar batido. Os olhos castanhos rolaram por trás dos óculos escuros quando a voz do amigo soou debochada pelo viva-voz.
 
- Noooooooooossaaaaaa! Avisem ao esquadrão da caretice que o Connie está solto! Puta merda, essa garota deve ser mesmo um espetáculo na cama!
 
O silêncio de Conrad em responder aquela provocação poderia ser apenas a atenção presa na estrada, no GPS ou em uma mudança de rota, mas Tobias já o conhecia bem o bastante para saber que tinha alguma coisa por trás daquela falta de palavras.
 
- Porra, você vai passar o final de semana com ela e os amigos dela e ainda nem transou com a garota?! – Tobias mais uma vez recebeu apenas o silêncio em resposta, e dessa vez o rapaz soou mais sério. – Connie, diz pra mim que você pelo menos beijou a Berlim.
 
- Bom...
 
- AAAAAAAH, CARALHO! Você tá de sacanagem?! Você mudou de país, largou seus pais, seu melhor amigo, a porra toooooda, você está indo direto para o Motel Bates e você ainda nem beijou a garota?! É CLARO QUE ISSO É CILADA, CONRAAAD!
 
- Deixa de ser tão pessimista! Você já sabe o que aconteceu na Alemanha. E no nosso encontro aqui, bom... Era o ambiente de trabalho dela!
 
- Ok, eu admito que a Berlim merece pontos extras por ser professora de Yoga, mas isso é tudo! Se eu fosse você, daria a volta agora mesmo. Não precisa nem ter o trabalho de ir para casa, pode ir direto ao aeroporto e pegue o primeiro voo para o Canadá!
 
- Tarde demais. – Conrad fez uma caretinha confusa quando olhou do GPS para a propriedade que começava a aparecer diante dos seus olhos. – Eu acho que já cheguei.
 
Um suntuoso portão de ferro separava a entrada da propriedade. De onde estava, Conrad não conseguia ver muita coisa além de um extenso terreno muito bem cuidado, com jardim, fonte d’água e uma imponente mansão. Não, mais do que mansão, aquilo parecia um verdadeiro palácio.
 
- Você chegou??? E aí, quão bizarro é??? O Norman Bates está na recepção?
 
- Toby, eu posso te ligar depois? Não tenho certeza se estou no endereço certo.
 
Sob os protestos do amigo, Conrad ainda esticou o pescoço e tentou enxergar alguma coisa daquela incrível propriedade. Quando Ella disse que eles iriam passar o final de semana em uma casa de campo, Connie imaginou uma cabana mais rústica, lotada de jovens que queriam se divertir, como era comum no Canadá. Aquilo definitivamente não era uma “casa de campo”.
 
Com os portões fechados diante do seu carro, Conrad fez a única coisa possível ao alcançar um interfone quase escondido atrás de um trabalhado arbusto.
 
- Ahn... Oi? Aqui é Conrad Al-Rashidi. Eu sou convidado da Ella...
 
- Pois não, Sr. Rashidi. – A voz soou um tanto abafada pelo interfone, e sem qualquer tipo de problema, os portões foram abertos.
 
Conrad ainda precisou guiar o carro dentro da propriedade por alguns minutos até chegar diante da mansão. E ele não conseguia recolher o queixo caído quando aquele palácio se tornou ainda maior e imponente visto de tão perto.
 
- The Crown -  800px-Marselisborg3
 
Era verdade que Ella ainda era um grande quebra-cabeça para Conrad, mas nem nos seus sonhos mais delirantes ele achou que a moça pudesse frequentar um ambiente como aquele. Por mais que os portões tivessem sido abertos em uma clara demonstração de que sua presença era esperada, Connie ainda parecia receoso sobre estar no lugar certo quando saiu do conversível. E ele mal tinha contornado o veículo quando as portas principais se abriram, junto com um vulto loiro que lhe confirmou de que era mesmo ali que Ella o aguardava.
 
- Ainda bem que isso aqui não é um Airbnb, porque ia sair do meu orçamento. – Ele ainda tentou brincar com a situação, embora seu olhar não se cansasse de olhar ao redor, o deixando ainda bastante intimidado.
Malik Conrad Al-Rashidi
Malik Conrad Al-Rashidi

Mensagens : 111
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Jorgen Dalgaard Ter Set 26, 2023 8:35 pm

Uma das funções de um secretário particular era zelar pela segurança da família real. Embora os secretários não carregassem armas de fogo e não fizessem parte diretamente da equipe de seguranças, a contribuição deles era ainda mais importante. Era o secretário que autorizava qualquer evento na agenda do patrão, então cabia a ele averiguar se aquele era um lugar seguro ou se a família real não ficaria exposta a riscos desnecessários. Tudo era cuidadosamente estudado, planejado e discutido com toda a equipe envolvida para evitar imprevistos e acidentes de percurso. Consequentemente, Jorgen Dalgaard não gostou nada de ouvir a princesa Noella dizendo que havia incluído uma pessoa estranha naquele fim de semana em Arhus.

Assim como Lisbeth, a mente de Jorgen já estava treinada para enumerar os riscos de um imprevisto como aquele. Embora a propriedade dos Glücksburg em Arhus fosse muito bem protegida, ainda assim era arriscado demais ter um estranho por perto. O tal convidado de Noella podia ser só uma pessoa comum e totalmente inocente, mas não dava para descartar a possibilidade de estarem lidando com um jornalista ou um terrorista. Noella podia ser impulsiva, Lisbeth podia estar tentada a ceder aos apelos da irmã, mas Jorgen, como secretário da futura-rainha, precisava ser profissional e fazer o seu trabalho.

E a verdade é que Dalgaard se esforçou muito para encontrar qualquer motivo para cancelar aquela viagem por questões de segurança. O secretário levantou a ficha completa de Malik Conrad Al-Rashidi e vasculhou cada uma das informações sobre o rapaz canadense em busca de qualquer detalhe suspeito. Mas, para imensa alegria de Noella, não parecia haver nada errado com o tal Conrad. A pesquisa mostrou que ele realmente era canadense, que havia estudado no Canadá durante a infância e nos Estados Unidos na época da faculdade. A referência de emprego na Pearson Hardman também foi confirmada, assim como uma ficha policial limpa. Não existia um único motivo para que a honestidade de Al-Rashidi fosse questionada e, consequentemente, não havia nenhuma razão para cancelar o passeio programado pelas duas princesas.

Embora Noella trabalhasse na fundação e também tivesse que cumprir alguns compromissos oficiais em nome da coroa dinamarquesa, não era justo comparar a agenda da princesa mais nova com todas as obrigações que Lisbeth precisava cumprir. Para Noella não era nada demais tirar um fim de semana de folga e fugir para longe dos protocolos, mas, para Lisbeth, aquilo poderia tumultuar bastante a sua agenda de compromissos. Foi para evitar que as obrigações da princesa se acumulassem que Jorgen Dalgaard acabou sendo incluído naquele passeio. Com o secretário por perto, Lisbeth poderia dividir seu tempo entre o trabalho e o lazer com a irmã. E também era função de um secretário se esforçar para tornar a vida da patroa mais fácil, e isso incluía acompanhá-la em viagens.

Quando Jorgen pediu à Lisbeth uma redução em sua carga horária e a possibilidade de se ausentar em viagens, o secretário planejava usar aquele tempo livre para se dedicar mais ao filho. Se a princesa estivesse programando passar muitos dias longe de Copenhage ou embarcar numa viagem internacional para algum compromisso oficial, Jorgen certamente teria preferido permanecer na Dinamarca e não se afastar do filho por tanto tempo. Mas seria apenas um fim de semana em Arhus, um compromisso familiar e nem um pouco oficial. Portanto, com a autorização de Lisbeth, Jorgen não só a acompanhou até Arhus como também incluiu o pequeno Mads naquele passeio para que a criança não precisasse ficar longe do pai por um final de semana inteiro.

Para ele não seria um momento de lazer ou diversão. O único objetivo de Jorgen naquela viagem era aproveitar o tempo livre de Lisbeth para adiantar algumas obrigações de trabalho. Mas assim que o secretário chegou em Arhus, ele já percebeu que acabaria sendo englobado pelo “furacão Noella”.

- Se você me chamar de “Alteza” novamente, o pobre Mads vai ficar órfão de pai! Eu já disse, Jorgen! Neste final de semana você vai me chamar de Ella!

Ao invés de se sentir acuado com aquela ameaça, Jorgen arqueou as sobrancelhas e soou com um tom irônico que um funcionário jamais deveria usar com qualquer membro da realeza.

- Desculpe, eu preciso conferir o meu contrato. Mas realmente não me lembro de ver “mentir para o namorado da princesa” na minha lista de atribuições.

O secretário não havia encontrado nenhum motivo para desconfiar do tal Conrad e cancelar a viagem de Lisbeth, mas isso não significava que Jorgen estava disposto a participar da farsa proposta por Noella. Era um plano arriscado, tolo e infantil e Dalgaard não se sentia nem um pouco à vontade no papel de cúmplice da princesa. Mas é claro que a língua afiada de Noella já tinha uma resposta pronta para as reclamações do secretário da irmã.

- Mas eu imagino que “obedecer às ordens da princesa Lisbeth” esteja no topo dessa sua listinha de obrigações, não é, Jorgito? E a Beth já concordou em participar do meu plano! Então, se você não entrar nessa história com a gente, estará contrariando uma determinação da sua patroa! Da futura rainha!

Dalgaard poderia gastar horas apontando todas as falhas naquele argumento infantil de Noella, mas bastou um olhar na direção de Lisbeth para que o secretário se desse por vencido. Lisbeth parecia mesmo disposta a ajudar a irmã naquela encenação e seria muito menos desgastante para Jorgen simplesmente concordar e fazer o que Noella pedia. Mesmo não sendo o secretário particular da princesa mais nova, Jorgen sabia o quanto Noella conseguia ser insistente e birrenta. Se Dalgaard realmente queria ter paz para trabalhar naquele fim de semana, a decisão mais sábia era concordar logo com Noella.

- Tudo bem, mas com uma condição... – Jorgen novamente usou uma pitadinha de sarcasmo em sua entonação – Eu quero ser o primeiro a dizer “eu te avisei” quando tudo isso terminar mal, “Ella”.

- The Crown -  Tumblr_inline_pq6vs9Ng4D1ucuavm_250

- O seu pai é um velho chato, Mads! – Noella rolou os olhos, mas acabou sorrindo para o garotinho que engatinhava alegremente pelo tapete da enorme sala de estar empurrando um caminhãozinho – Pelo menos mais alguém aqui está se divertindo!

Mads realmente parecia estar adorando a ideia de passar um fim de semana fora de casa. Tão logo os Dalgaard chegaram à propriedade da família real em Glücksburg, Jorgen se instalou em um dos quartos de hóspedes, colocou roupinhas mais confortáveis no filho e o deixou à vontade. O bebê já tinha tomado um pouco de sol no jardim, depois comeu alguns pedacinhos de frutas e agora estava brincando na sala, diante das enormes portas de vidro que davam acesso aos fundos da casa. Mads já tinha apontado na direção da piscina duas vezes, mas Jorgen precisava terminar de revisar alguns detalhes com Lisbeth antes de atender ao pedido do filho.

Embora Jorgen estivesse ali a trabalho, não havia necessidade de grandes formalidades porque aquele não era um evento oficial. Por isso, ao invés de usar as roupas elegantes e formais de sempre, Dalgaard acabou optando por peças menos tradicionais. Além de uma calça jeans e uma camisa xadrez com as mangas dobradas, o secretário usava um par de tênis (que também daria a ele o conforto necessário para acompanhar o ritmo acelerado dos primeiros passinhos de Mads). Normalmente Dalgaard sempre se apresentava para trabalhar com o rosto liso e muito bem barbeado, mas naquele fim de semana o secretário estava com a barba por fazer. Uma pessoa mais rigorosa com os protocolos da monarquia certamente diria que a barba era um desleixo com a própria aparência, mas a verdade é que aquele detalhe dava a Jorgen um ar ainda mais masculino e atraente.

Com um tablet nas mãos, Dalgaard estava sentado ao lado de Lisbeth no sofá e ajudava a princesa a revisar alguns pontos do discurso que ela faria na inauguração de um hospital na semana seguinte. Até alguns dias atrás, Jorgen não tinha dificuldades para se concentrar no trabalho e desempenhar suas tarefas de forma profissional e eficiente. Mas agora cada minuto ao lado de Lisbeth era uma luta contra aqueles instintos que a princesa vinha despertando nele.

Jorgen não conseguia entender como tinha conseguido trabalhar um ano inteiro ao lado da futura rainha sem se sentir afetado por ela. Era a mesma Lisbeth, ela sempre tinha sido aquela moça linda e atraente. Mas aquela mudança recente na forma como Dalgaard se sentia perto dela só mostrava que não era apenas desejo que o movia. Se fosse apenas desejo ou excitação por uma moça mais jovem e atraente, o secretário certamente não teria demorado tanto tempo para notar o quanto Lisbeth era perfeita. Aquela mudança só tinha acontecido depois que os dois quebraram os protocolos e se tornaram mais próximos e confidentes, o que mostrava que o que realmente tinha aberto os olhos de Dalgaard e feito o secretário se derreter por Lisbeth eram as outras qualidades da princesa.

Agora era simplesmente impossível para Jorgen se sentar ao lado de Lisbeth sem sentir seu coração agitado, sem se sentir inebriado pelo perfume da moça ou derretido pela voz suave que vinha da garganta dela. Por mais que o secretário se esforçasse para se manter focado no trabalho, bastava um segundo de desatenção para que os olhos dele se perdessem no formato dos lábios de Lisbeth e para que a imaginação dele fantasiasse o sabor que eles deveriam ter.

Seria muito mais fácil para Jorgen resistir à tentação e afastar aqueles pensamentos inadequados da mente se Lisbeth continuasse tendo uma postura distante e formal com o secretário. Mas a cada olhar mais demorado, a cada vez que a respiração dela ficava mais pesada ou que Lisbeth parecia igualmente agitada perto dele, Dalgaard alimentava mais aquela fantasia. A futura-rainha era educada e discreta demais para fazer uma ceninha, mas Jorgen também poderia jurar que Lisbeth tinha ficado incomodada e enciumada em ver o interesse da princesa norueguesa por ele.

Dalgaard não fazia ideia do que estava acontecendo, de como ele iria lidar com aqueles novos sentimentos ou o que Lisbeth pensava sobre tudo aquilo. Mas, até então, ele vinha respeitando a distância e agindo com todo o profissionalismo que o cargo dele exigia. Era uma tortura abafar aqueles sentimentos, mas Jorgen jamais tomaria qualquer iniciativa ou atitude que pudesse deixar Lisbeth ofendida ou desconfortável.

- Eu acho que seria melhor cortar essa parte sobre os investimentos em saúde... – o rapaz novamente se esforçou para manter o foco no trabalho e apontou para a tela do tablet, mostrando algumas linhas do discurso preparado por Lisbeth – No ano passado o parlamento fez muitos cortes e reduziu o montante das verbas destinadas à saúde. Se algum jornalista fizer o dever de casa direitinho e trouxer esse dado à tona, você ficará sem resposta. Aliás, de qualquer forma precisamos pensar em uma boa resposta caso alguém faça esse questionamento...

As tentativas de Jorgen em manter uma postura focada e profissional foram totalmente arruinadas quando Lisbeth se inclinou um pouco mais na direção do tablet e esse movimento fez com que uma mecha dos cabelos loiros roçasse no braço do secretário. Como Dalgaard estava com as mangas dobradas, o contato foi direto na pele dele e arrancou um arrepio visível do rapaz.

O ar ficou preso nos pulmões de Jorgen e a voz sumiu na garganta dele. Mas, por sorte, antes que ficasse óbvio demais que o secretário estava completamente afetado por Lisbeth, o som do interfone foi como um tiro de largada para a euforia de Noella. Enquanto a princesa mais nova saltitava pela sala anunciando que “Conrad” havia chegado, Jorgen teve tempo para se recompor.

Só depois que Noella saiu do cômodo para recepcionar seu convidado, Dalgaard reencontrou a própria voz. O tablet foi desligado e ele sacudiu de leve a cabeça enquanto buscava pelos olhos de Lisbeth.

- Podemos continuar com isso mais tarde. Algo me diz que, a partir de agora, todos nós seremos arrastados para o teatrinho da “Ella”.
Jorgen Dalgaard
Jorgen Dalgaard

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Noella Glücksburg Ter Set 26, 2023 9:09 pm

Se Noella fosse listar todas as falhas naquele plano, a moça certamente encheria várias páginas. Era praticamente impossível convencer alguém de que ela era uma pessoa comum porque a realidade de uma princesa simplesmente não se encaixava na rotina de uma pessoa normal. Mas, mesmo sabendo que não seria fácil, Noella precisava tentar. E era a primeira vez na vida que a princesa se esforçava tanto para construir um relacionamento com um rapaz.

Por melhores que fossem as intenções de Noella, ela sabia que mentir não era uma atitude nobre. E era ainda pior envolver outras pessoas naquela farsa. Mas a princesa sabia que precisaria de ajuda se quisesse convencer Conrad de que ela era uma pessoa comum, sem qualquer tipo de vínculo sanguíneo com a família real dinamarquesa.

A viagem para Arhus inicialmente era só uma fuga dos protocolos, um final de semana em que Noella ficaria longe das regras rígidas do palácio e poderia apenas aproveitar alguns dias de descanso e diversão com a irmã e o primo. Mas, a partir do momento em que Conrad também entrou na lista de convidados, aquela viagem passou a ter um objetivo completamente diferente para Noella. O que era para ser um momento de descanso acabou se tornando um plano mirabolante que deu trabalho demais para a princesa.

Não foi nada fácil se livrar de Helga. A secretária particular de Noella insistiu muito em acompanhá-la e só concordou em não ir até Arhus depois de uma longa discussão (e de Jorgen Dalgaard prometer que ficaria de olho para que a princesa não fugisse novamente). Além de Helga, Noella também precisou se livrar de todos os funcionários que trabalhavam no interior da propriedade e que obviamente acabariam se referindo a ela como “Vossa Alteza” em algum momento. Com a desculpa de que queria ficar à vontade com a irmã e que elas tinham tudo sob controle, Noella deu folga para as camareiras, as cozinheiras, a governanta e o jardineiro. A única equipe que continuaria trabalhando eram os seguranças, mas as rondas eram externas e, com sorte, nenhum deles entraria no caminho de Noella enquanto Conrad estivesse por perto.

Fotos e pinturas contendo o rosto de Noella foram cuidadosamente retirados de vista. E, definitivamente, não foi nada fácil conferir cada um das dezenas de cômodos daquela casa gigantesca. Na mala preparada pela princesa, ela havia colocado as roupas mais simples que encontrou em seu closet para reforçar ainda mais aquele “disfarce” de uma garota comum.

Para garantir o sucesso daquele plano, Noella também precisava de uma boa justificativa para ter acesso a uma casa grandiosa e luxuosa como aquela. E, assim que ela saiu pela porta principal e se deparou com o olhar surpreso e assustado de Conrad, a princesa percebeu que ele não esperava que a “casa de campo” fosse praticamente um palácio.

- Oi! Você demorou! Achei até que tivesse te mandado a localização errada!

Sem conseguir esconder o sorriso animado, Noella se colocou diante do rapaz e cumprimentou Conrad com um abraço e um beijinho na bochecha. Assim como acontecera em Berlim, a sensação da barba espetando o rosto dela não foi nada desagradável e acabou arrancando um sorrisinho satisfeito da moça.

- É, eu sei... – como Conrad continuava olhando para a casa com um olhar embasbacado, Noella não conseguiu mais ignorar aquele “detalhe” – Eu também me sinto meio incomodada com tudo isso. A sensação é que eu não me encaixo nesse lugar.

Não era uma mentira. Noella realmente não se sentia à vontade com os protocolos e a grandiosidade da realeza. Diferente de Lisbeth, a princesa mais nova nunca havia se sentido parte de tudo aquilo, nunca havia se encaixado com perfeição no mundo engessado da monarquia.

Como Conrad continuava confuso e sem entender como uma garota comum poderia passar um fim de semana em um lugar como aquele, Noella não teve alternativa senão respirar fundo e reunir coragem para iniciar a avalanche de mentiras que ela havia arquitetado para garantir o sucesso do seu plano.

- Eu deveria ter te avisado que o Axel tem alguns amiguinhos bem importantes aqui na Dinamarca. Mas vem comigo, eu vou te apresentar pro pessoal e você logo vai entender tudo...

A mãozinha de Noella se uniu à mão de Conrad e a garota o puxou até as escadas que davam acesso à porta principal. Tão logo entrasse na propriedade, Al-Rashidi teria ainda mais certeza de que aquela não era uma casa de campo comum. Além da enorme construção e do complexo esquema de segurança da portaria, o interior da casa mostrava que os donos do local não economizavam em luxo e sofisticação.

O teto era alto, os lustres eram ornamentados com cristais. Todos os móveis pareciam ter sido planejados. Havia uma larga escadaria bem no meio do saguão que levava para o segundo andar. As cores dos tapetes, carpetes e cortinas combinavam com o restante da decoração, mostrando que cada uma daquelas escolhas tinha sido cuidadosamente feita por um designer. Os vasos sobre os móveis eram de cerâmica nobre e se misturavam a estatuetas de prata e quadros visivelmente valiosos. Tudo ali parecia caro, sofisticado e elegante demais, mas um pouco de todo aquele refinamento exagerado se desfez quando uma porta lateral se abriu e um rapaz surgiu em trajes bastante informais.

A única peça que Axel usava era um calção de banho e ele não parecia nem um pouco constrangido em caminhar pela casa com o peito todo exposto e os pés descalços. Conrad já tinha visto o primo de Noella na balada de Berlim, mas só agora os dois seriam formalmente apresentados. Só que não houve nenhuma formalidade no comportamento leve e divertido do dinamarquês.

- Aaaaeee! Finalmente você chegou! A Ella já estava arrancando os cabelos de tanta ansiedade achando que você não viria!

Sem nenhum constrangimento, Axel ignorou a mão estendida em sua direção e cumprimentou Conrad com um abraço. Noella poderia jurar que o primo tinha demorado mais que o normal para soltar Al-Rashidi de seus braços. E, como se já não bastasse tudo isso, Axel ainda teve a ousadia de segurar o queixo de Conrad para encará-lo com mais atenção.

- Naquela noite em Berlim a gente se esbarrou tão rápido que eu nem me lembrava da sua cara. É claro que eu também estava um pouco bêbado, mas eu quase sempre estou bêbado, então isso não faz muita diferença. Agora consigo entender porque a Ella pirou, você é mesmo acima da média. Eu diria que você é um oito, vinte e um.

- Oito é a sua nota. – Noella rolou os olhos enquanto explicava para o canadense aquele discurso sem sentido – E não, Conrad, isso não é ruim. O Axel é anormalmente exigente, o Henry Cavill é um oito e meio na avaliação dele. E quanto ao vinte e um, você não vai querer saber. Confie em mim, é melhor deixar pra lá!

- É o tamanho do seu chicote. – Axel ignorou o olhar de repreensão da prima e abriu um sorrisinho malicioso – Se você vai mesmo fazer parte do grupo, precisa saber que eu tenho o dom de adivinhar essas coisas...

Quando Noella pediu aos amigos para não serem tão formais e para fazerem Conrad se sentir parte do grupo, ela definitivamente não imaginava que Axel chegaria tão longe. Antes que Al-Rashidi decidisse sair correndo para fugir daquela insanidade, Noella o puxou para longe do primo e arrastou o rapaz até uma ampla sala de estar do primeiro andar. E se Conrad já estivesse estranhando tudo naquele lugar, ele provavelmente ficaria ainda mais perdido quando se deparasse com os outros integrantes daquele grupinho.

Ao invés de uma turminha de jovens barulhentos e com copos de bebida nas mãos, na sala estava um homem de trinta e poucos anos, com um semblante mais sério e um tablet nas mãos. Ao lado dele estava uma moça mais novinha que até poderia se encaixar num grupo de jovens se divertindo num fim de semana se não fosse pelas roupas mais formais e pela postura elegante. E o detalhe que tornava a cena ainda mais bizarra era o bebezinho engatinhando pelo chão da sala.

- Pessoal, ele chegou! – Noella anunciou com uma entonação empolgada e sem soltar a mão do rapaz – Este é o Conrad! Conrad, aquele é o Jorgen e este fofinho aqui é o filhinho dele, o Mads...

Propositalmente, Noella deixou para apresentar por último a irmã porque seria aquele detalhe que daria a Conrad as respostas que o rapaz obviamente desejava. As duas moças trocaram um olhar rápido, mas bastante significativo e cúmplice. E só então Noella reuniu coragem para adicionar mais uma mentira naquela grande farsa.

- E esta é a Lisbeth. Ela também é prima do Axel, mas pelo outro lado da família dele. – com aquela mentira, Noella dava a entender que não existia nenhum grau de parentesco entre ela e Beth – E talvez seja melhor você se referir a ela como “Vossa Alteza”. A Lisbeth é a futura rainha da Dinamarca...

Aquela era a peça do quebra-cabeça que faria tudo ter mais sentido. Aquele palácio, o esquema de segurança e a decoração luxuosa eram mesmo dignos da realeza, então não era difícil acreditar que havia uma princesa por perto. E o plano de Noella era justamente esse. Se Lisbeth estivesse por perto, Conrad acreditaria que a futura rainha da Dinamarca era a única responsável por todo aquele aparato e aquela ostentação e ele não desconfiaria que existia uma segunda princesa naquela história. Era a única forma de fazer Al-Rashidi acreditar que Noella era uma moça normal e que nada daquilo fazia parte da vida comum que a moça levava.
Noella Glücksburg
Noella Glücksburg

Mensagens : 112
Data de inscrição : 16/09/2023

Ir para o topo Ir para baixo

- The Crown -  Empty Re: - The Crown -

Mensagem por Conteúdo patrocinado


Conteúdo patrocinado


Ir para o topo Ir para baixo

Página 1 de 18 1, 2, 3 ... 9 ... 18  Seguinte

Ir para o topo


 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos